domingo, 27 de outubro de 2019

Festa do Anhangá, no vale do Anhagabaú

Celebrações ao deus Anhangá, no Vale do Anhangabaú 
Culturas antigas dos colonizados foram obliteradas pelos colonizadores, mas não foram totalmente esquecidas, é muito comum ver num provo que decide se reinventar e se re-amar, acordar suas crenças e até mesmo o seu idioma, como aconteceu com a língua hebraica, que após ter sido usada por mais de 1700 anos, essencialmente como veículo de expressão literária escrita e de orações,  foi revitalizada e integrada de forma viva e em uso com o restabelecimento do Estado judeu.
Em celebração a nossa cultura original brasileira, caracterização antropomórfica do Deus Anhangá na forma da bela jovem albina de olhos de fogo.

Tendemos a gostar do Halloween e da cultura americana, mas nós temos nossas próprias bruxas para cultuar, por exemplo o Saci…há quem defenda, "o halloween é uma festa antiga, é comemorada há mais de 2.500 anos e surgiu entre os celtas, que acreditavam que no último dia do verão (do hemisfério norte), 31 de outubro, os espíritos dos mortos saiam dos cemitérios para tomar os corpos dos vivos". O costume teria sido levado pelos imigrantes irlandeses para os EUA e incorporado ao All Hallows Even (véspera do Dia de Todos os Santos), dando origem ao Halloween.

São Paulo é a maior e mais prospera capital da America do Sul nos dias de hoje, assim como São Paulo de Piratininga foi centro da Américas antigas, com trilhas que levavam a toda parte do continente, verdadeiras auto estradas para o caminhante que ao ira além do Pico do Jaraguá, os protetores do vale, podiam chegar às lendárias terras do eldorado do Perú, como a mítica trilha do Peabirú.
Tibiriçá e João Ramalho discutem o futuro da Vila de São Paulo de Piratininga sob a magia das estrelas com a montanha sagrada do Inhapuambuçu ao fundo c.1556 - Com a chegada das Ordens Beneditinas, Carmelitas e Franciscanas as tradições ancestrais dos Tupiniquim desaparecem - a  remoção da icônica pedra do Inhapumabuçu representa o esforço de apagar a religião antiga da memória para dr inicio às novas.

No lugar onde hoje temos o Páteo do Collégio, próximo ao povoamento de Tibiriçá,  uma montanha sagrada que dava nome a aldeia, Inhapuambuçu (do Tupi-Antigo i(nh)apu'ãm-busú o grande cume ou y(nh)apu'ãm-busú o grande ponto do rio) mas com a chegada das Ordens Beneditinas, Carmelitas e Franciscanas as tradições ancestrais dos Tupiniquim desapareceram - a  remoção da icônica pedra do Inhapumabuçu representa o esforço de apagar a religião antiga da memória para dr inicio às novas.

No delta de dois importantes rios, o Anhangabaú e o Tamanduateí, temos o que hoje chamamos de triângulo histórico, mas que época era conhecido como o triângulo sagrado. Os nomes em Tupi-Antigo de lugares nessa localidade mostram um pouco de como a cidade era naquele tempo - O próprio nome da cidade, Piratininga que em Tupi significa "peixe seco", revela que os rios eram vivos e tinham muitos peixes, muitos deles morriam nos alagadiços do Carmo (onde é hoje o largo Dom Pedro) secavam ao sol e eram devorados pelas já famosas formigas do Brasil, que por sua vez atraia os belos tamanduás bandeira, daí o nome Tamanduateí ( do Tupi-Antigo tamanduá te y - rio do Tamanduá).

O outro rio ficava num vale que era alimentado pelo córrego do Itororó, que descia da maravilhosa floresta do Ka'a Guatá (hoje conhecida como Avenida Paulista), esse rio que descia por onde é hoje a Avenida 23 de Maio, desembocava no córrego do Anhangabaú, que também tinha uma linda vegetação protegida pelo Anhangá, o deus Tupi das Caças e da natureza.

Tupiniquins de Piratininga observam o lindo e poderosos Deus Anhangá

O Anhangá é comumente retratado como um veado branco, de tamanho atroz, com olhos vermelhos da cor de fogo. Ele é o protetor da natureza e persegue todos aqueles que caçam de forma indiscriminada, desrespeitam a natureza e pune quem caça filhotes ou matrizes que estão nutrindo suas crias e poluem suas águas.

O vale do rio Anhangabaú era sagrado, os habitantes de Piratininga faziam cultos e festas para deixar o deus mais feliz e menos vingativo. Hoje nós não só afogamos o rio do Anhangá, como também nos esquecemos do espírito mor de nossa cidade. Desprezarmos nossas tradições tupiniquins dessa forma é imperdoável!

De outubro em diante começa a temporada das chuvas em SP e o D’us Anhangá certamente virá vingar-se daqueles que esconderam seu riu com concreto e asfalto, alagando nossas ruas, derrubando nossas árvores nos carros e casas. Se adotássemos a cultura #TUPIPOP , teríamos comemorações em celebração ao ANHANGÁ no dia do meio ambiente, talvez com uma parada no vale do Anhangabaú.

Xe Anhangá [gué/îu]!
Aîkugûabeté kó temi'u
Aîkugûabeté xe/oré remi'u

FAÇO AQUI UMA CONVOCAÇÃO A TODOS!!

Que tal celebrarmos o dia do Anhangá no DIA 17 DE JULHO, DIA DO PROTETOR DA MATA.

Vamos ao Vale do Anhangabaú em procissão, beber muito Cauim, para acordar e celebrar aquele deus que adormeceu debaixo do asfalto, literalmente coberto pela cultura dos outros, dos colonizadores portugueses.

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TEXTOS COMPLEMENTARES

Homenagem não é fantasia 

A corrente artística de Luiz Pagano - Tupi Pop - busca ir além das aparências superficiais e trazer à tona a essência de nossa diversidade cultural e étnica, já levou às ruas de Curitiba o evento Capivara Parade, mostrando a importância das boas relações entre os centros urbanos e a natureza,  e gerando recursos para a campanha do agasalho local; o Projeto Tembiu trouxe mais de 120 insumos da floresta Amazônica para a comunidade de Coquetelaria no ano de 2014, ao Lado dos Chefes Tiago e Felipe Castanho; e por meio do Dia do Anhangá, trás agora a ambiciosa proposta de integrar todas as etnias e culturas pertencentes ao vasto território brasileiro.

“A data de 17 de julho foi muito bem escolhida não só pela associação com a proteção da natureza, más também com a proximidade da data de um outro evento de amor e paz ente europeus e brasileiros –– 30 de julho 1524, data do casamento de Diogo Álvares Correa Caramuru e Paraguaçu na lendária Catedral de de Saint Malo.

Eu, brasileiro da Aldeia do Inhapuambuçu, que ainda moro próximo ao triangulo histórico, neto de Zuzu Correa de Moraes que nasceu no casarão da Rua da Gloria N.º4, onde hoje fica o respiro do metrô Liberdade, no coração do Inhapuambuçú, proponho um suspiro de liberdade, amor e união.

É imprescindível ressaltar que a união e aproximação das diferenças não significa ignorar ou minimizar o sofrimento vivido pelos povos indígenas diante do colonizador, que cometeu crimes como genocídio, tortura e obliteração da cultura originária por meio da catequese, entre vários outros crimes indizíveis. A idéia aqui é o início de um diálogo respeitoso e inclusivo, em que suas vozes sejam ouvidas e suas demandas atendidas.

Ao organizar seu evento indígena em São Paulo, o que mais levei em consideração foi a importância de criar um espaço seguro e acolhedor para que os povos indígenas possam compartilhar suas histórias, expressar suas culturas e se fortalecerem enquanto comunidades. Somente através do reconhecimento de suas lutas passadas e presentes, poderemos construir uma sociedade mais justa e equitativa para todos.

Foi no triásico que o Inhapuambuçú fez unir das vertentes os rios Tamanduateí e Anhangabaú, foi a quase  500 anos o Inhapuambuçú fez unir João Ramalho e Potyra e será aqui, no Inhapaumbuçú que os povos brasileiros aprenderão a se respeitar e a viver em paz e harmonia.

Devo dizer ainda que me orgulho do sobrenome Correa de minha família, a mera possibilidade de ser descendente de Caramuru e Paraguaçu me enchem de orgulho”.  

Luiz Pagano 

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O Curupira, também conhecido como Caipora, Caiçara, Caapora, Anhanga ou Pai-do-mato, todos esses nomes identificam uma entidade da mitologia tupi-guarani, um protetor das matas e dos animais silvestres.é legalmente reconhecido como protetor das nossas matas

Foi através do projeto de lei 558 de 1968, apresentado pela deputada Dulce Salles Cunha Braga, que se propôs o Curupira como símbolo estadual de guardião e protetor das florestas e dos animais que nela vivem. O projeto de lei determinava ainda que o símbolo do Curupira seria difundido nas escolas de graus primário e médio e que a Secretaria da Agricultura e da Educação deveriam tomar as providências no sentido de difundir o Curupira como protetor da flora e fauna. Em 9 de julho de 1970 Dulce reapresentou o projeto de lei, agora com número 40.

Estátua do Curupira no Horto Florestal de São Paulo

Em agosto daquele ano, o deputado Solon Borges dos Reis recomendou que o projeto fosse aprovado pela casa. Entre as justificativas, escreveu que “diariamente nos jornais temos notícias de atos criminosos no sentido de devastar a nossa flora e a fauna, apesar da proteção que o estado oferece. É importante, a fim de pôr paradeiro a esses atos criminosos, educar as nossas crianças, mostrando-lhes os aspectos positivos da preservação forçosa da natureza e da fauna, tão necessárias à vida do homem”.

Em primeiro de setembro de 1970, a Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo aprovou o projeto de lei, que foi promulgada em 11 de setembro de 1970 pelo Governador Roberto Costa de Abreu Sodré instituiu o Curupira com o Símbolo Estadual de Guardião e Protetor das Florestas e dos animais.

A primeira imagem do Curupira no Horto 

Em 21 de setembro de 1970, foi inaugurado pelo governador o monumento ao Curupira no Horto Florestal de São Paulo, atualmente designado Parque Estadual Alberto Löfgren. A estatueta foi doada pelo prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Duarte Nogueira, feita a partir de uma estátua do Curupira existente no bosque Fábio Barreto, naquele município.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Códigos de Guerra dos Tupis

 

O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u”  



Graças aos livros de Lerry Thevet e Hans Stadens, sabemos como era a sociedade dos Tupis (Tupinambás, Tupiniquins, etc. ). Esses relatos começam com a aventura de Hans Staden, no ano 1553, que ao realizar uma caçada sozinho em Bertioga, foi capturado por indígenas que o trataram com muita violência - Staden logo percebeu que a intenção dos indígenas era a de devorá-lo em um sofisticado banquete, servido com o mais fino Cauim.

Apos passar por vários momentos de terror, Staden sobreviveu ao contato com os canibais, voltou a Europa, quando escreveu sobre essas verdadeiras desventuras quase inacreditáveis no ano de 1556, fazendo do Brasil e seu provo um dos lugares mais incríveis e assustadores do mundo de sua época.

A veracidade dos relatos de Staden são autenticados no ano seguinte no livro do francês André Thevet, de religião católica e posteriormente pelo calvinista Jean de Léry. Thevet teve sua experiência obtida ao fazer parte do grupo denominado França Antártica no Brasil, que após passar dez semanas vivendo na Baía da Guanabara, regressou à França por estar doente. No ano seguinte, publicou a obra intitulada ‘As singularidades da França Antártica (1557)’: uma fonte relevante por ser uma das primeiras obras a fazer menção ao Brasil em pleno descobrimento, no entanto, escrito com ênfase no fantástico ao transparecer a presença do imaginário medieval.

Já Jean de Léry que veio para o Brasil em 1558, juntamente com um grupo de quatorze pastores calvinistas, e cinco donzelas para habitar a França Antártica fez um realto bem mais acurado. No decorrer de sua estadia os conflitos ideológicos entre católicos e protestantes, fez que ele tivesse uma visão muito mais critica ao trabalho de Thevet, que após dezenove anos do seu retorno, publicou seu diário denominado ‘Viagem à terra do Brasil (1577)’, uma obra muito mais elaborada que tinha o declarado intuito de desmentir equívocos e mentiras contidas no livro de Thevet.

Essas três importantes obras ilustradas que renasceram na decada de 1920 Totem e tabu, de Freud, o manifesto Cannibale, de Francis Picábia, lançado em 1920, e o livro L’Anthropophagie rituelle des Tupinambás, de Alfred Métraux, que inspiraram os modernistas de 1922, Tarsila, Oswald e Mario de Andrade, fizeram que nós conhecêssemos a cultura, idioma e hábitos dos povos Tupis com rigor científico em estado de arte.

Banquetes que demandavam por refinada etiqueta, como as européias e éticas de guerra, com rituais semelhantes aos dos Samurais japoneses

O Brasil daquela época era ocupado por tribos irmãs e beligerantes, a guerra era uma atividade constante, Potiguares eram inimigos de Tabajaras, que por sua vez eram inimigos de Caetés, rivais dos Tupinambás, os quais, guerreavam constantemente contra os Tupiniquins. Essas guerras eram regidas por códigos atentamente observados e seguidos a risca por todos esses ‘primos’, falantes de variações do mesmo idioma, o Tupi Antigo.

O ato da guerra era sagrado e tinha como o momento culminante do embate, o apogeu ritualístico definitivo e verdadeira consagração da vitoria, a Antropofagia. Os ARAPURUS (comedores de gente) tinham rituais muito bem coreografados e a dinâmica do ritual canibalístico era muito elaborada, existem relatos de outros atos canibilísticos ao redor do mundo, mas foi aqui, nos litorais brasileiros que essa pratica teve a sua aplicação mais requintada.

1 – A guerra

Enquanto os portugueses estavam preocupados com a exploração dos recursos da nova colônia, os povos indígenas estavam totalmente dedicados aos atos de guerra intertribais. No ano de 1565 os portugueses resolveram tomar uma posição mais forte e uma batalha foi travada entre portugueses, aliados ao Tupiniquins contra os franceses, aliados dos Tupinambás. Poucos anos mais tarde a maior parte dos franceses foi expulsa da região da Gauanbara, que tinha Villegagnon, um cavaleiro católico de Malta como líder, junto aos Tupinambás da resistência. Essa derrota só foi possível com a ajuda dos Tamoios, sob a liderança de Aimberê, dando origem assim ao Rio de Janeiro.

O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes, o prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).Prisioneiro dos Tupinambas amarrado pela cintura com a MUÇURANA em ritual de sacrifício, O executor, vestindo um lindo manto de GUARÁ, empunha a IBIRAPEMA
Em meio a essa guerra toda, guerreiros de tribos inimigas eram capturados e ai então os Abá-Porus faziam a festa

2-O Prisioneiro de Guerra

No exato momento em que o inimigo era capturado, o guerreiro responsável pela captura virava seu dono, e passava a ter responsabilidade direta sobre seu cativo até o final de todo o processo, que culminaria com com sua canibalização. Os prisioneiros eram amarrados pelos pés e mãos, o que impossibilitava sua caminhada, para se locomoverem, eles tinham que dar ‘pulinhos’, situação que se ridicularizava bastante o capturado.

Aos pulos os prisioneiros eram conduzidos até a aldeia dos vencedores, ao passar pela entrada principal, eram recebidos com animosidade e ainda mais humilhação, os residentes jogavam restos de comida e pedriscos e se dava o seguinte dialogo:

O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u” (Fale, comida); O prisioneiro então respondia: “Aîur-ne pe rembi'urama” (Estou chegando eu, sua comida);
As pessoas da tribo, jogando pedriscos e restos de comida no prisioneiro completavam: “Opererek îandé rembi'u oîkóbo” (Aí vem chegando nossa comida).

Nos próximos dias, o prisioneiro recebia o tratamento equivalente ao de um primo distante, era hospedado na oca do captor, era bem alimentado, a zombaria cessava 'em parte' e o anfitrião oferecia, alimento, rede e até mesmo sua filha ou sua esposa para que este se satisfizesse sexualmente. Nos primeiros dias, ele recebia também uma longa corda com nós para ser usada ao redor do corpo e pescoço, chamada de MUÇURANA. A Muçurana tinha uma quantidade de nós que representava o numero de ciclos lunares até sua execução. O prisioneiro jamais tentava fugir, pois isso seria a maior vergonha para ele e sua tribo. Na bizarra hipótese da fuga do prisioneiro, as pessoas de sua própria tribo não o aceitariam de volta e o conduziam vergonhosamente a aldeia dos captores para seu destino que já estava determinado pelo condigo de conduta da tradição oral mais antigo que se conhecia.

Os Tupis, tal qual os samurais prezavam a morte digna, o tumulo mais honroso para um guerreiro era o estomago de seu inimigo - Ter suas entranhas devoradas por vermes e insetos era repugnante e desprezível.

3- O Banquete

No dia anterior ao banquete, todos bebiam o Cauim, bebida fermentada de mandioca produzida exclusivamente pelas mulheres pelo processo de mastigação e cusparada (a amilase salivar transformava amido em açúcar, que por sua vez era fermentado por leveduras exógenas, criando assim uma bebida de graduação alcoólica não superior a 8,5%), e tinha inicio uma grande festa.
Capa de penas de guará e de papagaio. Pertencia à tribo de índios tupinambá. Após a chegada do europeu em 1500, grande parte destas preciosidades foram saqueadas. O destacado Manto Tupinambá, que já foi confundido com o manto de um imperador azteca e foi levado daqui pelo governador holandês de Pernambuco, no século 17. Hoje pertence ao Museu Nacional de Arte da Dinamarca.


Na manhã seguinte, o prisioneiro tomava um banho e depois era ornado com penas, casacas de ovos, e outros adereços, eram também feitas pinturas vermelhas de urucum e pretas de jenipapo. Uma pantomima sempre acontecia nesses rituais - permitia-se que o prisioneiro fugisse até a entrada da aldeia quando era recapturado, numa encenação ritualística, e voltava amarrado com a Muçurana pela cintura, trazido por dois guerreiros, um de cada lado da corda e trazido para frente do executor enquanto a tribo toda gritava e se alvoroçava, aumentando assim o clima da festividade ao seu êxtase.

O Executor que também havia se banhado e submetido a uma pajelança com ervas e unguentos, após a longa cauinagem da madrugada, trajava-se de forma ritualística, com plumas pinturas e um maravilhoso MANTO GUARÁ vermelho feito com pele de lobo-guará, ornado com plumas de arara e tucano. Um dos momentos mais acalorados da festa era quando o executor se colocava na frente do prisioneiro, o absoluto silencio se fazia e acontecia outro dialogo:

O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes?)
O prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).

Após o dialogo, o executor empunhava uma pesada arma, assemelhada a uma enorme maça, com um peso na ponta, ornada com plumas, que previamente fora preparada com orações e libações, chamada ‘IBIRAPEMA’, a manejava com destreza em movimentos marciais coreografados, encaminhava-se para traz do prisioneiro e acertava a base do crânio com muita força.

A morte era rápida, o crânio era despedaçado em sua base.

As mulheres mais velhas rapidamente colocavam um embolo em seu anus para evitar que os fluidos saíssem, recolhiam seus miolos e demais fragmentos espalhados pelo chão e tentavam recolher a maior parte possível de sangue. O corpo permanecia de pé, amparado pelas Muçuranas, fazendo com que seu sangue não fosse espalhado pelo chão, havia uma propósito muito nobre para todo esse sangue.
Os ABAPURUS banqueteavam por 4 horas, o ritual canibal acabava e os habitantes da tribo se recolhiam nos seus aposentos para dormirem

O sangue colocado em vasos de barro cozido e era bebido ainda quente por todos, as mulheres passavam em seus seios e davam o peito aos bebês, seu corpo era colocado com muito respeito dentro de um caldeirão já com água fervente, para facilitar a retirada da pele, ai então o corpo era desmembrado, cortado pelo dorso e levado para a defumação (moqueágem). Após alguns minutos o corpo era virado, abria-se o ventre e os miúdos eram misturados a farinha e o mingau era dado para as crianças, só os grandes guerreiros podiam comer um mingau preparado com a pele ao redor do crânio, e os órgãos sexuais eram devorados pelas mulheres. A língua e os miolos eram comidos por pré-adolescentes de 12 a 16 anos de idade.

Logo apos a execução, o executor era arranhado pelo líder tribal com dente de onça, de forma que a escarificação já cicatrizada servia-lhe como honraria – Quanto mais escarificado, melhor guerreiro era. Todo esse ritual era acompanhado de musica de flauta feita com os ossos dos prisioneiros abatidos anteriormente.

Ao final de 4 horas, o ritual acabava e os habitantes da tribo se recolhiam aos aposentos para dormir, a final de contas, ficaram acordados a noite toda para o grande evento.




sábado, 1 de junho de 2019

O Primeiro Jantar harmonizado com Cauim da nossa história

Hildo Sena, Kalymaracaya e Luiz Pagano

Nessa semana aconteceu algo inédito na história do Brasil, foi oferecido o primeiro jantar harmonizado com Cauim, fora de uma tribo indígena, para o grande publico consumidor brasileiro. Luiz Pagano e Hildo Sena serviram o ainda experimental CAUIM TIAKAU para ser degustado e harmonizado com releituras de pratos indígenas, "esse foi o maior passo jamais dado por brasileiros para valorizar sua própria cultura, possiblitado pela mais pura itagenemimética (a aprendizagem sistemática e cientifica que legamos de nossos ancestrais indígenas, por meio da imitação de modelos, sistemas e elementos adotados por comunidades ancestrais, com o objetivo de resolver problemas globais humanos, atuais e futuros)", disse Pagano.

Após uma breve palestra sobre o cauim e seu papel de bebida de excelência autenticamente brasileira, exclusivamente servida pelas mais de 305 etnias indígenas em todo território brasileiro, o Cauim foi oferecido e o publico pode fazer uma degustação técnica e em seguida, foi servida para acompanhar os pratos.

Garrafas e taças para serviço do CAUIM TIAKAU, junto com o bastão de guaraná e ralador feito de língua de Pirarucu pelos Saterés Mawés 

"Nossa proposta é fazer com que o Cauim ultrapasse as fronteiras das aldeias indígenas e sirva como bebida de integração, reduzindo cada vez mais a grande distancia cultural que nos separa dos irmãos nativos, promovendo o respeito, amizade e integração" disse Luiz Pagano.

O Magnifico jantar, executado com excelência pelos alunos do SENAC Campos do Jordão, no restaurante Toriba de Campos do Jordão, em meio a Serra da Mantiqueira, sob a regência do professor Vitor Pompeu, contou com a Chef Indígena Kalymaracaya da etnia Terena de Aquidauana e o Chef Caiçara Fábio Eustáquio de Ubatuba, que criaram os pratos do menu com 5 tempos: o couvert, entrada, prato principal 1 e prato principal 2 de sobremesa.

Preparado para servir 50 pessoas e com o retorno financeiro totalmente revertido à APAE, o menu foi:

COUVER
Pão de inhame com manteiga de nibs de cacau e manteiga de castanha de caju.
Sardinha com salada pancs e sagu suflado

ENTRADA
Sardinha com salada pancs e sagu suflado

PRATOS PRINCIPAIS
Siri Pupunha

Siri Pupunha

Carne de Javali com molho de tucupi preto e branco - Terra e Rio

Terra e Rio (com tucupi preto e branco)

SOBREMESA
Banana empanada frita com sorvete de coco e doce de caju

Antecedentes Históricos

Não se tem conhecimento de que na historia brasileira tenha havido um jantar nesses moldes, o Cauim, fermentado de mandioca cuja o processo de produção original a transformação promove a quebra amidos em açúcares por meio da tradicional mastigação e cusparada, sempre foi servido nas aldeias indígenas. Vale ressaltar aqui, que o CAUIM TIAKAU servido no jantar dessa semana, foi concebido por um refinado processo industrial, isento de qualquer contato com saliva humana, e a quebra do amido se deu por meio de enzimas comerciais e koji, leveduras especiais utilizadas no Japão para a produção do Saquê.
Os bandeirantes tomavam o Cauim em suas incursões e quando pousavam em tribos indígenas, mas consideravam o Cauim e a Tiquira 'bebidas intragáveis'. A direita Bartolomeu Bueno Da Silva, 'O Moço"

Na historia do Brasil João Ramalho, conhecido como 'O Pai dos Paulistas' talvez tenha sido o primeiro europeu a tomar o Cauim em família, nos anos de 1530~1545, ao lado de seu sogro, o cacique Tibiriçá,  sua esposa Bartira, junto a seus familiares. Assim como ele, outros europeus que resolveram casar-se e adotar o estilo de vida das tribos, também tenham consumido o cauim em suas refeições.

Depois disso, quando os primeiros colonizadores vieram para o Brasil, a Bagaceira Portuguesa, Vinho Verde e o Vinho do Porto, que junto a alimentação era trazida da Corte, mas isso era um empecilho a grande necessidade que tinham de consumir tradicionalmente bebidas alcoólicas, pois a importação as deixava cada vez mais caras e inacessíveis, surgindo assim, a necessidade de produzir uma bebida local -  a primeira ideia foi a de consumirem o Cauim, produzido pelos escravos índios.
Jantar para 50PAX de pratos com releitura indígena e caiçara acompanhado de Cauim no restaurante Toriba de Campos do Jordão, em meio a Serra da Mantiqueira. 

O Cauim tinha paladar e textura muito diferentes do que aquilo que os Portugueses estavam habituados a beber, muito difícil de ser incorporada a seu dia-a-dia. Eles tentaram destilar o Cauim para purificar os sabores, nos mesmos moldes que os espanhóis já vinham fazendo com o Vinho de Agave, chamado de Pulque, para se obter a Tequila, porem não tiveram grandes sucesso*, o Cauim assim como a Tiquira eram consideradas 'bebidas intragáveis'.

Na busca por uma bebida limpa, em substituição ao Cauim,  os Senhores de Engenho passam a destilar o caldo fermentado de Cana de Açucar, denominado Cagaça, nascendo assim a Cachaça.

Com o aparecimento da Cachaça e sua grande aderência na sociedade brasileira, o Cauim, assim como era no inicio, passou a ser servido exclusivamente nas tribos indígenas.
Luiz Pagano e Hildo Sena conduziram a degustação do CAUIM TIAKAU no primeiro jantar harmonizado de Cauim

Redescobrindo Nossas Origens 

O jantar do Hotel Toriba, marca o inicio de uma nova fase da nossa história, da mesma forma que as Pulquerias, quase totalmente falidas nos anos 80 passaram a serem redescobertas pelos Mexicanos desde 2016, Luiz Pagano e Hildo Sena esperam que o Cauim surja como uma nova categoria de bebidas, conscientes de que há um longo caminho pela frente.
Chef Vitor Pompeu e os alunos de Gastronomia do SENAC de Campos do Jordão ao lado da Chef Indígena Kalymaracaya da etnia Terena de Aquidauana e do Chef Caiçara Fábio Eustáquio de Ubatuba - noite memorável

*A Tiquira, bebdia destilada do Cauim ainda hoje é comercializada no Maranhão e Piauí, mas sem grande apelo comercial.



quinta-feira, 21 de março de 2019

TIAKAU , o primeiro cauim feito 100% de mandioca no mercado de bebidas alcoólicas - Sonho que se realiza

Garrafa do CAUIM TIAKAU de 330ml.

A última vez que um brasileiro, não pertencente a uma aldeia indígena tomou o CAUIM, como bebida cotidiana, provavelmente foi na época de João Ramalho, Bartira e Tibriçá… Nunca saberemos. Desde então, uma ou outra dose é servida a turistas ou visitantes convidados de alguma aldeia indígena. mas essa historia mudou no dia 29 de novembro de 2018, quando o Café da Casa, um charmoso café localizado na Rua José Maria Lisboa, 838, no bairro dos Jardins em São Paulo, passou a servir a garrafa do CAUIM TIAKAU, o primeiro CAUIM produzido em processo semi-industrializado a chegar no mercado.

Assista o video CAUIM DAS TRIBOS PARA TODOS OS BRASILEIROS

Foi um evento simples, intimista, sem nenhuma divulgação, mas de enorme importância cultural - Imagine que pudéssemos relatar com precisão o dia e as circunstancias em que o vinho foi servido pela primeira vez numa igreja, simbolizando o sangue de cristo, ou descrevermos em detalhes a data e horário da primeira purificação xintoísta feita com saquê…

Para chegar até esse dia, um reduzido grupo de pessoas se esforçou "mais do que prometia a força humana", comprometendo orçamentos familiares, fazendo experiências em seus quintais e manifestando amor por nossa gente, nossa pátria e historia - Quem relata os eventos é Luiz Pagano:

"O CAUIM é uma bebida alcoólica produzida a partir da mandioca fermentada, por praticamente todas as mais de 305 etnias brasileiras, nossos ancestrais indígenas. Nossa proposta foi a de recriar a bebida, em reedição semi-industrial, respeitando a tradição ancestral, em processo que, por assim dizer, foi baseado no de produção do SAKÊ.


Quando descobri que há 16 gerações atrás tinha em minha árvore genealógica o Cacique Tibiriça, fiquei extasiado! Sou descendente por parte de Antonia Quaresma, filha de João Ramalho, que habitaram o coração de São Paulo de Piratininga, onde os rios Anhangabaú e Tamanduateí se encontram. Até minha avó, Dona Zuzu Correa de Moraes Pagano, nasceu no triângulo histórico de Piratininga em 16 de outubro de 1901, na rua da Glória n.º 4 (hoje a pracinha atrás do Fórum João Mendes).

O triângulo histórico de São Paulo é uma região geográfica rica em cultura Tupi, da qual partiam vários peabirus, antigas trilhas que conectavam todo o Brasil, chegando até o Paraguai e até Cusco, no Peru. Essa localização estratégica fez com que os jesuítas Nobrega e Anchieta estabelecessem alí o centro logístico e espiurtiual para a colonização da America do Sul portuguesa (com muito éxito).

No local onde hoje é a rua Tabatinguera, existiam as aldeias de Caiubi e Tibiriçá, lar de nossos povos originários. Um pouco ao sul, encontrávamos o Morro Careca do Inhapuambuçu e a pedra do Itaecerá, atingida por um raio de grande importância para os Tupi, usada por Anchieta como parte da simbólica união de culturas.

O Morro Careca do Inhapuambuçu estendia-se desde a Praça da Liberdade, conhecida como Morro da Forca no século 17, até a área onde hoje encontramos o Jardim Japonês e o Torii da Liberdade. Lá existiam antigos cemitérios de Tupi, sendo um local sagrado para indígenas, afro-brasileiros devido ao Cemitério dos Aflitos, onde escravos eram sepultados, e para descendentes de europeus e japoneses, abrangendo praticamente todas as etnias que compõem o povo brasileiro. Hoje, o local é ainda mais enriquecido pela influência japonesa, como evidenciado pelo Torii, portal xintoísta de passágem entre o mundo dos vivos e dos mortos, e o Jardim Japonês.

Neste portal entre o mundo material e espiritual, onde as raízes do povo brasileiro se entrelaçam, nasceu o Cauim Tiakau Autêntico, feito 100% de mandioca. O Cauim Tiakau combina os sabores e tradições indígenas, africanas e europeias, seguindo o tradicional processo japonês de produção do sake.

O Padre Anchieta relata que antes de começarem o processo de proselitismo aos catecúmenos, aconteciam constantes festas nas quais os indígenas realizavam rituais pagãos. As crianças entoavam cânticos católicos em idioma e ritmos indígenas, "tangiam seus instrumentos" (como escreve Luis Augusto bicalho Kehl) e usavam cortes de cabelo característicos que os faziam parecer monges, enquanto os adultos dançavam embriagados com seu vinho local. 

Um dos poemas que Anchieta escreveu em idioma Tupi antigo, que provavelmente surgiu da inspiração em um desses cânticos indígenas é este: 



Xe rekó iporangeté, Naipotári abá seytýka, naipotári abá imombýka. Aipotakatú teñé opabi tába mondýka.
(tradução : meu modo de viver é agradável, não quero que seja constrangido nem abolido, pretendo alvoroçar todas as tabas - aldeias) 

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Mbaé eté kaú guasú kaûĩ mojebyjebýra. Aipó sausukatupýra. Aipó añé jamombeú, aipó imomorangimbýra!
(Boa coisa é beber o cauim até vomitar, isso é apreciadíssimo, isso se recomenda, isso é admirável!) 

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Serapoň ko mosakára ikauinguasúbae. kaûĩ mboapyareté, aé maramofiangára, marána potá memé.
(São aqui conceituados os "maçacaras" ou  "mosakara" [são homens importantes da aldeia, ou homem branco nobre] beberrões. quem bebe até que o cauim se esgote, esse é valente, esse é ávido por luta)

CAUIM TIAKAU servido no Café da Casa do Museu do Xingu e escritórios do Ponto Solidário

Em resumo, trouxemos a bebida ritualística tomada exclusivamente por indivíduos de tribos indígenas para ser consumida por todos nós brasileiros, como forma de reaproximação de nossas raízes mais essenciais, certamente respeitando nossa gente e a espiritualidade de nossa cultura fundamental - A cultura Tupi Antiga.

Como resultado dos esforços de um seleto grupo de profissionais do mercado de bebidas alcoólicas, líderes tribais e profissionais ligados aos estudos de nossas etnias, eu incluso, surge o CAUIM, a bebida alcoólica ainda mais brasileira do que a própria cachaça.

O controle das temperaturas é fundamental para se produzir um bom CAUIM

O CAUIM, bebida ritualística xamânica surge agora resignificanda, apta a ser consumida comercialmente - Trata-se de uma inédita categoria de bebidas, no seu mais absoluto começo.

É importante que se diga que ainda não existe a categoria de bebidas CAUIM - 100% FERMENTADO DE MANDIOCA legalmente, o produto que aos pouco botamos nos bares e prateleiras ainda entra no mercado enquadrado legalmente como BEBIDA MISTA por falta de leis específicas, em produção bem limitada, numa operação experimental, aguardando por investidores inovadores e outras oportunidades de crescimento.  O esforço para regulamentar a bebida está em andamento, demos a entrada em dois dos três métodos de produção do CAUIM no DIRPA - Instituto Nacional de Propriedade Industrial no dia 23 de junho de 2017, so quando for criada a categoria, poderemos registrar a marca e logo. Como bem sabemos, o processo para incubação de empresas e invenções de produtos no Brasil é burocrático, lento e desgastante - infelizmente :(.

Como disse anteriormente, existem tres Métodos para se produzir o CAUIM:

1-MÉTODO ÉTNICO
Processo ritualístico NÃO PODE SER USADO NA INDÚSTRIA;

2-MÉTODO ‘PAGANO’ - JAPONÊS
Processo no qual a dulcificação do amido é promovida pela ação do KOJI;

3-MÉTODO ‘SENA’ - ENZIMÁTICO
Processo no qual a dulcificação do amido é promovida pela ação direta de enzimas.
Professor Hido Sena e Luiz Pagano - parceria para resgatar a bebida mais emblemática e ancestral da cultura brasileira,
o CAUIM - O MÉTODO criado por Sena e seus alunos é sem duvida o melhor resultado já obtido.

Os povos indígenas no Brasil usavam enzimas presentes na saliva das Kunhã Makú (belas virgens das tribos), para quebrar amido da mandioca em açúcar, e posteriormente poder fermentá-lo. No Japão antigo fazia-se a mesma coisa com o arroz pelas chamadas virgens bijinshu (美人酒 - as belas mulheres do saquê), esse é o chamado Método Étnico.

Para poder produzir o saquê de forma mais segura, a aproximadamente 1000 anos atrás, adotou-se o KOJI ( 麹 菌 Koji-kin) nome dado ao microorganismo Aspergillus oryzae para promover a promover essa quebra de amido, esse processo também é usado para se produzir o CAUIM. Vale lembrar que nós, entusiastas do Tupi Antigo (falo um pouco mais sobre isso um pouco mais abaixo) nos sentimos compelidos a descrever os passos do processo de produção de CAUIM em Tupi Antigo, para reforçar o elo cultural histórico de nossos antepassados, igualando a importância do CAUIM à do saquê em rituais xintoístas e a do vinho eucarístico, fundamental no cristianismo, o CAUIM é alma ancestral religiosa de nossas etnias e culturas ancestrais.

Colocação de KOJI sobre as pérolas de Mandioca

No segundo Metodo, criado por mim (Luiz Pagano), a princípio faz-se o Mbeîu apó, ou o preparo do beiju,  (ou Mbeîu moakyma), sendo o beiju 100% feito de mandioca perolizada é embebida em água quente.

A ressurgência comercial do cauim na região do Triângulo Histórico de Piratininga, aliada ao fato de que Luiz Pagano, idealizador do projeto, é descendente de Tibiriçá e João Ramalho, da aldeia de Inhapuambuçu, torna o Tupi Antigo uma escolha significativa, a lingua falada por eles faz parte da nossa história e identidade.

Luiz Pagano degustando champagnes na Perrier-Jouët em Épernay - desde a época de Dom Ruinard e Dom Perrignon que os franceses sabem muito bem vender sua cultura, seja por meio das harmonizações, na qual o cliente "come e bebe cultura", seja pelos termos de produção como 'Remuage"e "Degorgement". ft. business press

Assim, proponho que, da mesma forma que é feito em regiões renomadas, como Champagne e outras AOCs ao redor do mundo, onde se promove a harmonização de pratos com a bebida e se aprendem termos como “remuage” e “degorgement”, seja igualmente importante que o "cauim" preserve os seus processos no Tupi Antigo.

Podemos dividir os processo de produção de cauim em Tupi Antigo em 6 grupos básicos abertos e um ainda a ser definido, denominado POKÕI (Os 7) em Guarani:

POKÕI - Os 7 Processos Básicos de Produção de Cauim


1/7 MANDIOMITYMAS-Na primeira fase da produção do Cauim devem ser plantadas ‘Manivas’, pedaços do caule cortados com aproximadamente 10 cm em ‘Mandiomitymas’, trechos intercalados na mata pelo sistema agroflorestal. Quanto à matéria-prima, no caso do método japonês utilizamos pérolas de mandioca, ‘Itatinga Beiju’ e no processo enzimático, fécula de mandioca ‘Manikuera’;

2/7 MBEÎU APÓ- se resume a todas as formas de se obter fonte solida de mandioca para podução do Cauim, preparo de farinhas, separação de goma e tucupi, etc. 

A goma 'Minga'u-Pomonga' e o caldo ácido, 'Tucupi', são separados usando um Tipiti, e é produzida a farinha, 'Mbeîu apó'. Como vimos anteriormente, a fécula de mandioca doce passa apenas pelos processos de secagem e moagem, enquanto a fécula de mandioca azeda ‘Karimã Ku’i’ passa por um processo de fermentação antes de ser moída. Em geral, a farinha de mandioca utilizada para fazer o beiju ‘Mbeîu’ é a ‘Tipirati’;

A farinha obtia pode ser socada 'Apasok', e assim como se faz a tapioca, faz-se o beiju "Mbeîu apó. Ao espalhar a farinha 'U'i' na frigideira, o U'i é colocado em uma A 'Ygassaba', aquecida num forno chamado 'Tapyaba', e as 'Kunhã-Muku', mulheres que produzem e servem Cauim (Kaûĩapó-sara) espalham-na e viram-na com uma 'Pia'sawa';

3/7 - SABẼ MBEÎ MOE'Ẽ (ou simplesemnte MOE'Ẽ) - Literalmente, ' o esporo torna o beiju sápido', 'e nessa fase que é realizada a quebra do amido em açúcares, num processo enzimático, no método ancestral, as Kaûĩ apó-sara utilizavam para esse fim a amilase salivar, mastigando e cuspindo a mandioca 'Aîpi o- su'u su'u I nomu'
No método japonês, os esporos de koji são espalhados pelo Itaitinga Beiju e, no caso do método enzimático, o amido é completamente dissolvido na água quente 'T-y-pûera mopupu ra–sara';

4/7 - HAGUINO- Fermentação Alcoólica, (a plavra haguino - vêm de ygynõ – bafio, cheiro de mofo, cheiro desagradável - "Mbeîu, tygynõ ndibé Kaûi-namo s-ekóû", lit. o beiju com o mofo, como cauim fica 'se transforma em cauim').

Nessa quarta fase da produção do Cauim, quando os amidos que já foram quebrados em açúcares (Sabẽ mbeîu moe'ẽ, literalmente 'os esporos tornam o beiju sápido - doce'), dá-se início à fermentação alcoólica ‘Haguino*’, num processo denominado fermentação paralela múltipla – ao mesmo tempo que as enzimas continuam decompondo o amido em açúcares, esses açúcares são transformados em álcool, num processo que dura em média 16 dias;

5/7 - MBOARURU & KÛARA - Literalmente filtração e clarificação. Quanto à filtração, no método japonês é feita por prensagem em sacos de algodão, tal qual o saquê, enquanto no método enzimático, onde a hidratação foi muito bem feita, há apenas uma simples passagem pela malha. Em ambos os processos é recomendado passar pelo processo de clarificação, que no nosso caso é feito com argila de betonita sódica e leva em média 40 dias;

6/7 – MONDYKABA - A conclusão, o destino final dos processos, é aqui que entra a pasteurização, engarrafamento, etc. Nesta sexta e última fase de produção do Cauim, a bebida está pronta, pois já passou pela fermentação alcoólica nas dornas (KAUBA), por filtração (Mbeîu mogûaba)

Basicamente é feito o engarrafamento (Ybyraygá pupé) e a pasteurização, Pasteur rupi kaûĩ rerekó, literalmente, "tratar o cauim segundo Pasteur". 

Como no método japonês existe um mingau, pode-se fazer dois tipos difrentes de bebida, o Katu (Cauim bruto) e o Poquya (Cauim filtrado).

No método enzimático a hidratação foi tão bem feita que o mingau quase desapareceu, mas ainda é importante fazer a filtração e a clarificação, que no caso do Cauim Tiakau é decantado com argila de betonita sódica, num processo que pode passar dos 40 dias.

7/7 -T'ÎAKA'UNE - o serviço do cauim (lit. Vamos beber) 

A sétima etapa (pokõí em Guarani) não foi incluída no texto por todavia não existir, sua forma de consumo ainda não foi descoberta e divulgada pelo público consumidor.

Por ser uma bebida ainda em seus primórdios, ainda temos muito que aprender sobre sua melhor forma de consumo, ou seja, o público consumidor que descobrirá as melhores formas de consumo da bebida, qual a melhor combinação de Cauim para drinks, harmonizações com pratos, copos, etc.  Esta é talvez a melhor experiência que você pode ter com Cauim nos momentos que estão por vir.

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Instalações de fermentação usada para produzir as brassagens experimentais de CAUIM

Para o terceiro Método, 'Sena' enzimático, desenvolvido por Hildo Sena e seus alunos na FATEC DE ARAÇATUBA, o processo é bem mais simples, rápido e é o de mais baixo custo para se produzir. Nele o CAUIM é produzido usando-se apenas enzimas especiais em substituição ao KOJI, o que permite maior controle qualitativo de todo o processo, garantindo um perfeito CAUIM.
Para resgatar a cultura ancestral brasileira recorri ao ímpeto de preservação de tradições e tecnologias japonesas, me associei a uma Sommelière de Saquê, Hikaru Sakunaga (作永ひかる), contei com um grupo de estudantes de Tupi Antigo, alem de profissionais de fermentação ingleses e brasileiros. Acima um exemplo desse 'melting pot', um gráfico de progresso do KOJI, que ilustra muito bem a mistura de todas essas culturas -
Todos nossos materiais estão escritos em Japonês, romaji, Tupi-antigo, português e inglês :)

Com uma hidratação mais eficiente no inicio do processo, o método Sena dispensa a filtração final.

NOTAS DE DEGUSTAÇÃO DO CAUIM

Muitos nesse ponto se perguntam: 'Muito bem, qual é o gosto do CAUIM?' - ai vai…


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ASPECTO VISUAL
Tons amarelo palha, com brilhos esverdeados vivos;

NO NARIZ
Aromas de mandioca fresca se mesclam a lances de abacaxi, pêra verde e uva Chardonnay;

NA BOCA
Notas de banana verde e amêndoas, evolui para raízes frescas e terrosas, corpo leve e equilibrado com baixa alcolicidade;

HARMONIZA 
Com peixes da Amazônia grelhados, filhote na manteiga de garrafa, torteletes de palmito.  

Quando você for ao Café da Casa, peça uma dose de CAUIM TIAKAU com Pastelina de Palmito -
A harmonização é perfeita
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A MARCA TIAKAU

A marca TIAKAU, surgiu num bate papo de um grupo de 65 estudantes de Tupi Antigo, discípulos do professor Eduardo Navarro. Aconteceu num dia quando eu estava muito feliz por finalmente termos chegado ao CAUIM final, quando lancei o desafio de bolarem um bom nome para a marca, de preferencia em Tupi Antigo - Todos calaram-se e nenhum nome surgiu. 

Em meio toda aquela duvida alguém se levantou e disse "Ere'u-potarype amõ mani? T'ÎAKA'U !!!" que significa "Querem beber um pouco de mani (gíria tupi para CAUIM) - e no final exclamou "T'ÎAKA'U !!!" - que significa literalmente "vamos CAUINAR',  'vamos à CAUINAGEM','vamos tomar o CAIUIM', dito no espirito de quem diz, "nós viemos aqui para beber, ou para conversar?".  Pronto, naquele momento o nome já havia sido dado,  T'ÎAKA'U !!!

Alguns críticos sempre me alertam, "você não tem medo de fazer tanto alarde de um produto que ainda não tem registro", minha resposta é "Não, pelo contrario, o alarde é necessário!" 

Importante que se diga que Luiz Pagano registrou a patente do processo Japonês INPI BR10 2017 013711 2 e o Professor Hildo Sena do Processo Enzimático INPI BR10 2019 015534 5 por requisição do MAPA para alterar o Decreto no 6.871, de 06/04/2009, que regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, sobre bebidas alcoólicas incluindo o Cauim no texto proliminar. 

Somos plenamente conscientes que esse projeto é de bem público, o nosso objetivo é deixar essas patentes abertas e livres para que qualquer um, pricipalmente nas aldeias possam produzir seu próprio Cauim e comercializa-lo em benefício próprio. O proessor Hildo dá suas aulas na Fatec ensinando os alunos com o método dele e eu deixei meu método aberto em um vídeo explicativo no Youtube, explicando cada detalhe de produção.

Não só isso, nos colocamos a disposição de quem quiser produzir o seu Cauim e estamos dispostos a dar acessoria para garantir o melhor produto final possível.

Quanto mais gente conhecer esse projeto, melhor é!  Se o CAUIM não cair na graça do grande publico, provavelmente a iniciativa de se produzir o CAUIM semi-industrial se perca para sempre - se eu morrer hoje, talvez o CAUIM morra comigo e D'us lá sabe quando poderá ser renascido novamente".

É evidente que pretendemos patentear o produto e comercializarmos, para recompensar financeiramente nosso grupo desenvolvedor, para que no mínimo possamos recuperamos todo o investimento de trabalho, viagens que inclui varias internacionais, incluindo as caras viagens ao Japão, bem como todo nosso esforço dedicado, mas a recompensa final acaba sendo da cultura brasileira, com o legado de mais uma bebida nacional que lindamente representa nossa essência.

O encontro das duas mentes mais inventivas do mundo no começo do século passado .

Lembro de um artigo de Herbert Wallace escrito em 1902, relatando o encontro de Santos=Dumont e Thomas Edison, no qual eles conversavam sobre seus inventos, o consenso foi que Dumont fazia seus inventos pensando no bem mundial, com uma certa leitura “Wiki”,  inspirando os próximos inventores a usarem suas idéias livres de patentes (a humanidade precisou de quase 100 anos para entender o conceito de inventos sem patente e softwares abertos como fonte de prosperidade) enquanto que Thomas Edison tinha grande interesse comercial em seus inventos e não dedicava seu tempo a nada que não pudesse ser patenteado com propósito de imediato ou futuro resultado financeiro.  
Luiz Pagano brindando com amigo - T'reikokatu!!! (saúde em Tupi Antigo)

Eu e o grupo de entusiastas não inventamos o CAUIM, nós somente o trouxemos de volta ao cenário cultural, nosso interesse é fazer com que num futuro próximo, inspiremos a surgirem CAUIMs de diversas culturas, que possa existir nas prateleiras das lojas de bebidas lindas garrafas do Masato dos Ashaninkas, ou Tarubá em lata, produzido por etnias de Santarem-PA, ou, até quem sabe, o caro Caxiri dos Waiãpis da Amazonia, todas elas variações do mesmo fermentado de mandioca, vendidas ao grande publico e até mesmo sendo exportadas, com métodos industriais modernos, preservando sua essência religiosa ancestral, sem perder o aspecto tradicional, e ainda gerando recursos para tribos, muitas delas em vias de extinção de forma sustentável e consciente.

Temos que aprender e a respeitar nossas tradições e concilia-las à modernidade, tal como fez o Imperador Meiji e suas medidas politico-económicas, proporcionando a cultura milenar japonesa uma elegante forma de chegar prosperamente aos séculos vindouros. Nós também podemos começar mudar a nossa cultura, talvez atreva da bebida alcoólica, podemos ter diversas marcas e tipos de CAUIM e suas variantes, assim como já acontece com as mais de 50.000 marcas de Saquê no Japão.
Luiz Pagano recebe a bênção do 'Morubixaba'(Cacique) Paulo da etnia Wassu Cocal do Alagoas - Nós temos o papel de promover uma ponte entre os dois mundos, o rico ancestral indígena e o cosmopolita urbano brasileiro. 

Nesse sentido um dos trabalhos mais importantes do projeto CAUIM TIAKAU é o do grupo de estudos de lingua e tradição ancestral brasileiros, com a ajuda do professor Farias Betio, Emerson Costa e outros estudantes do Tupi Antigo, Nheengatu e línguas gerais diversas, discípulos do professor Eduardo Navarro da USP, com mais de 80 eruditos e entusiastas que tentam resgatar o Tupi Antigo, e traze-lo como idioma chave para as mais de 305 etnias ancestrais que habitam o território brasileiro.

Assim sendo, o primeiro passo dado assim que tivemos a bebida pronta, foi levar para a aprovação e benção da espiritualidade ancestral indígena. É sabido que muitos indígenas cobram para abençoar projetos, sejam eles quais forem, é evidente que nós não queríamos ter essa "prestação de serviço remunerada", a liderança espiritual indígena teria que aprovar nosso projeto pelo que ele é, não pelo mero pagamento.
Festa do CAUIM TIAKAU - a esquerda abaixo, professor farias com Maximo Wassú, acima professor Farias com Iradzu da etnia Kariri Xocó, à direita acima 'APPUH', recinto onde o cacique performou a benção ao CAUIM TIAKAU e ao fundo, Morubixaba Paulo da etnia Wassu Cocal segurando uma garrafa do CAUIM TIAKAU.

Luiz Pagano relata sua experiência com o mundo ancestral - "No começo parecia impossível ter esse passo fundamental, a benção do plano espiritual - as tribos são distantes e inacessíveis e sua cultura muito fechada, restrita ao povo com sangue indígena. Certa vez, numa de minhas viagens pelo Brasil, encontrei um integrante da tribo Gajajara e comentei com ele sobre o projeto do CAUIM e minhas dificuldades, ele me disse que as coisas tem hora certa para acontecer, o trabalho se desenvolve primeiro no plano espiritual e o que aparece na terra é somente o reflexo do plano superior, tal como o broto esconde suas raízes na terra, disse ainda que as manchas de vitiligo que tenho nos antebraços e mãos (condição da qual sou portador) são maculas da mandioca que já venho trabalhando no mundo espiritual junto a Mani, deusa albina que da mãe mandioca e que não forçasse nenhum encontro, pois tudo aconteceria de forma natural e fluida em seu tempo certo, é de fato foi assim que ocorreu.

Certa vez visitando um Shopping Center em Osasco a convite do professor Farias, que queria encontrar seus amigos indígenas, passamos muito bons momentos ao lado de Máximo Wassu, Morubixaba Paulo da etnia Wassu Cocal, Iradzu da etnia Kariri Xocó, Pedro Pankararé, e eu levei o cauim para que eles experimentasse. O Cacique Paulo da etnia Wassu Cocal do Alagoas logo se prontificou a abençoar o CAUIM TIAKAU, dizendo que esse projeto é muito importante por se tratar da ponte fundamental entre os dois mundos (povos indígenas ancestrais e o povo brasileiro em geral), a bebida alcoólica mescla cultura e espiritualidade, unido mundo material com mundo espiritual. O cacique também está empenhado nessa obra de unir as culturas, ele luta por constituir uma reserva multiétnica em Guarulhos, e está se dedicando à igreja Anglicana, entidade da qual pretende ser o primeiro pastor de ascendência indígena, sem deixar que a cultura ancestral da floresta seja subjugada aos padrões religiosos anglicanos, como aconteceu no nosso passado histórico, no qual jesuítas obliteraram suas próprias crenças para forçadamente adotarem a liturgia jesuíta.

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Como disse no começo, nossa operação de produção e comercialização do cauim ainda é embrionária, não se pode registrar uma marca de um produto sem categoria, e dessa forma, tudo que nos impede de termos o produto em pleno mercado, são as dificuldades burocráticas e limitações de investimento, pois no que depender de qualidade, vontade e sabor, o produto é incrivelmente viável e prazeiroso.

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