quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Bairro da Liberdade de São Paulo, antes e hoje

Enforcamento de Chaguinhas 20 de setembro de 1821

Eram raras as execuções em São Paulo até o ano de 1775, a grande maioria dos enforcamentos aconteciam no Rio de Janeiro, posto que em São Paulo nem tinha uma junta de Justiça, tanto assim que nem carrasco a prefeitura tinha, até que chega o governador e capitão-geral Martin Lopes Lobo de Saldanha, um tipo maldoso, descrito como “um sujeito azedo e de maus bofes”. 

Assim começavam as histórias contadas pelo tio Paulo, que logo eram interrompidas por sua irmã, a vó Zuzu, "num fala essas coisas de enforcamento para as crianças, Paulo", más, com um rosto sério,  ele continuava a contar e nós ouvíamos atentamente. 

Manoel Correa de Moraes, descendente de Antonia queiroz, filha de João Ramalho e Potira, neta de Tibriçá pai de minha avó, a Dona Zuzu, e outros 5 tios-avós, foi um dos primeiros Comissários de Café da cidade de São Paulo, financiando, armazenando e vendendo grãos no próprio casarão da esquina da Rua da Gloria numero 4, onde a vó Zuzu nasceu, no dia 16 de outubro de 1901. A família Correa de Moraes/Pagano Brundo acompanhou de perto a história do bairro da liberdade, más eram os tios Paulo, Pedro e Hugo, eram os que contavam as melhores histórias.

Diziam eles que uma das primeiras providências tomadas por Saldanha ao chegar, foi recrutar um sujeito capaz de enforcar com maestria. Tratava-se de um funcionário público com horário flexível, posto que os ‘melhores enforcamentos’ passariam a acontecer aos domingos e feriados. O capitão ficou anos esperando um bom funcionário, pois o vice-rei não estava disposto a gastar com mais um empregado. A partir dessa contratação os enforcamentos passaram a acontecer com grande frequência. 

Mapa do bairro da Liberdade e região central, em 1887 - a forca ficava onde é hoje a estação de metrô Liberdade, o cemitério dos Aflitos sob os quarteirões das ruas dos Estudantes, Galvão Bueno, a Rua da Glória (R da Santa Casa na época) e a Radial Leste, No numero 4 da Rua da Gloria está a casa de Dona Zuzu Correa de Moraes Pagano.


Área Geomântica

O bairro da Liberdade foi uma área de grande energia geomântica para os antigos habitantes Tupi que ali viviam, cujo ponto alto era o morro calvo de Inhapuambuçu, denominado Itaecerá* , uma pedra fendida ou fortemente marcada por um raio, e todas as aldeias vizinhas a cultuavam como sinal milagroso do Deus Tupã ("Deus dos Relâmpagos").

Infelizmente são poucos os registros da pedra Itaecerá, na acrópole do Inhapumbuçu, dentre eles essa linda aquarela de Debret, mostrando uma formação geologica elevada, de formato arredondada, no lado oposto o cruzamento dos rios Tamanduatei e Anahngabau, formando a base final do trinâgulo histórico  de São Paulo de Piratininga.


A maior parte das aquarelas de Debret foram feitas para retratar o Rio de Janeiro, no entanto, para meu prazer há algumas em São Paulo - uma delas chama especial atenção por retratar uma pedra calva no que era a Vila de Inhapuampbuçu.

O Enigma da Aquarela de Debret

Há algum tempo tentei identificar onde estava esta pedra e acreditei, por influência de alguns biógrafos, geógrafos e historiadores, que a pedra ficava próxima do Mosteiro de São Bento.

Era quase uma unanimidade em  dizer que a aquarela panorâmica de São Paulo de Piratininga tinha proporções erradas. Como ilustrador que admira muito o trabalho e a precisão do Debret, tenho certeza que ele jamais cometeria um erro tão grosseiro. 

Hoje é muito difícil perceber os relevos da Acrópole Piratiningana, mas quando olhamos as fotos da época das obras de canalização do córrego Itororó e construção da avenida 23 de Maio, podemos perceber a grande elevação do terreno da antiga Praça da Forca (vide torre Capela Santa Cruz das Almas dos Enforcados do lado esquerdo)

Mas de fato, algo sempre parecia estar errado, a pedra não se encaixava na paisagem.

Ao andar pelas minha desconfiança só aumentava, ficava cada vez mais claro que aquela região não suportaria uma pedra daquele tamanho naquelas dimensões. Pesquisei bastante, andei pela cidade mais algumas vezes, olhei em vários ângulos e notei que a aquarela do Debret estava sendo vista do ponto errado.

A correspondência entre os prédios, o ângulo e suas localizações é inegável, a fortificação foi colocada adicionamento só para ajudar como referência - na época de Debret, obviamente, já não havia mais as muralhas.

A Várzea do Carmo

Para que a pedra realmente ficasse próxima ao Mosteiro de São Bento seria necessário que Debret estivesse fazendo uma aquarela em alguma região do Parque do Carmo, mas como sabemos o parque é um alagadiço plano, e na aquarela há uma elevação e uma árvore, que da vista para o vale, o que induz queo o artista estva em num ponto alto. Na parte oeste do Vale do Anhangabaú, existem vários pontos altos. 

A Pedra Careca do Inhapuambuçu, a Itaecerá, tinha grande importância espiritual para a Aldeia de Tibiriça 

Se a cidade não tivesse mudado tanto sua paisagem, essa seria a vista que teríamos hoje da Pedra Careca do Inhapumabuçu.

Vista atua do Jardim Oriental da Liberdade, onde foi a Pedra Careca do Inhapuambuçu.

Assim que descobri isso, fui procurar pontos altos da cidade que dessem vista para a acrópole piratiningana, tarefa considerada quase impossível devido à enorme quantidade de prédios, o relevo da cidade fica escondido no meio de tantas construções - só conseguimos conhecer o relevo subindo e descendo as varias ladeiras da cidade.

Com tantas avenidas, fica difícil enxergar onde realmente era acrópole piratiningana.

Uma vez identificado o ângulo onde estava Debret, a posição e o ângulo de observação dos edifícios e igrejas e a passagem do vale, com um trecho de planície alagada próximo à pedra, é fácil extrapolar uma vista aérea da Acrópole de Piratininga...

...e sobrepô-lo ao atual cenário caótico das construções urbanas atuais.

Vendo as fotos da época das obras da Avenida 23 de Maio, sobre o Vale do Itororó, fica claro que Debret estava em algum lugar da rua Conde de São Joaquim, próximo ao viaduto Condeça de São Joaquim.

A partir dai, fica tudo mais fácil, tudo o que tenho que fazer é comparar mapas antigos e o panorama da cidade. E confirmando o que eu já esperava, Debret não se equivocou, ele foi preciso.

Descreveu a cidade nos mínimos detalhes, os prédios laterais da Sé e do Pátio do Collégio, a quantidade de torres que existiam nas suas na Vila, batia perfeitamente.

Tudo estava onde deveria estar, mas ainda assim aquela pedra careca era um mistério, ficava fora das fortificações da vila, próximo ao Aldeia do Tibiriçá. Com isso, percebi que o único lugar plausível para que aquela pedra pudesse estar onde é o hoje o Jardim Oriental da Liberdade.

É importante ressaltar que devido à localização do antigo Cemitério dos Aflitos na região, o grande portal xintoísta 'Torii' vermelho que recebe os visitantes no viaduto da Rua Galvão Bueno, cosnstruído para homenagear os primeiros imigrantes japoneses que aqui chegaram em 1912, e a pedra calva do inhapuambuçu, que teve importância espiritual para Tibiriça e para os habitantes da aldeia; tornam aqula região num ponto de grande importância geomântica, que carrega uma enorme egrégora espiritual.

A Região Espiritual do Inhapuambuçu e Sua Transformação ao Longo dos Anos

A região onde atualmente se encontra o trinagulo histórico e o bairro da Liberdade, em São Paulo, tem uma história fascinante de profunda importância espiritual para os Tupis que a habitavam antes da chegada dos portugueses, passando para a sua época sombria na qual os africanos que aqui foram escravizados tiveram seu cemitério, e por fim, para os japoeneses que chegaram, em contínua tranferência espiritual através do tempo aos Japoneses que lá chegavam, culminando com o qu é hoje o Jarim Orintal e o portal da Liberdade, o Torii, marcando a historica importancia espeititual da regiao. 

História Espiritual do Inhapaumbuçu

Como vimos anteriormente, a Aldeia de Inhapuambuçu localizava-se aproximadamente onde hoje fica o calçadão do Fórum João Mendes e a pedra careca na quadra do Morro da Forca até o viaduto da cidade de Osaka, onde hoje fica o Jardim Oriental.

Jardim Japonês, é um elemento de profundo significado espiritual na região da pedra careca, no bairro da Liberdade. Este jardim é muito mais do que uma mera decoração; ele representa a harmonia, a espiritualidade e a ligação com a cultura japonesa, cada elemento do jardim, desde as carpas coloridas até as lanternas suzurantou, tem um significado especial. As carpas, por exemplo, são símbolos de boa sorte, coragem e determinação, quando nadam contra a correnteza, elas representam a superação de desafios.

Antes da chegada dos colonizadores europeus, essa região era habitada por povos indígenas Tupi, para esses ancestrais, a Pedra Careca do Inhapuambuçu já era um local de grande importância espiritual, embora não tenhamos registros exatos de datas, sabemos que a área já possuía uma carga cultural significativa que remonta à pré-história da região.

Nos fins de Agosto de 1553 o Padre Manuel da Nóbrega visitou a recém-criada aldeia Inhapuambuçu, onde os índigenas estavam em processo de conversão ao cristianismo. O local foi escolhido com base em sua topografia e hidrografia favoráveis, tornando-o ideal para a criação de um núcleo de catequese e fudação da Vila de São Paulo de Piratininga.

Naquela época, a principal atividade econômica era o fornecimento de gado que percorria algumas estradas, onde ficavam fazendas e alguns casas foram construídas. A Liberdade foi considerada uma zona periférica até ao século XIX, altura em que era conhecido como Bairro da Pólvora, graças à Casa de Pólvora, construída em 1754 no actual Largo com o mesmo nome.

Em 1779, próximo ao antigo Largo da Forca, foi estabelecido o primeiro cemitério público em São Paulo, localizado entre as ruas Galvão Bueno, Glória e Estudantes, destinado ao sepultamento de indigentes, escravos e condenados à forca até 1858, quando foi inaugurado o Cemitério da Consolação. 

A partir de 1810, no então Bairro da Pólvora, houve um aumento na concessão de terras, vendas e divisões de sítios na área, devido ao crescimento populacional em São Paulo. Em 1850, as autoridades pressionaram os proprietários de diversos terrenos na cidade para que melhor aproveitassem suas terras, isso levou muitos latifundiários a abrir ruas, alamedas e largos em suas propriedades, fazendo arruamentos e loteamentos, o que teve um impacto decisivo na transformação da região.

O centro de São Paulo está localizado em uma região que possui solos predominantemente sedimentares, compostos por diversas camadas geológicas. Na aquarela de Debret, a pedra calva aparece com uma curiosa exposição de rochas riscadas, parte da geologia local, com aspecto de granito. É possível que o granito, rocha ígnea intrusiva, geralmente formada por minerais como quartzo, feldspato e mica, possa estar incluído nas camadas geológicas do acrópole paulistana. As pistas da formação rochosas podem estar presentes nas pedras do jardim, como esta curiosa pedra com marcas verticais, provavelmente extraidas do próprio local onde se encontra.

Em 1912 os imigrantes japoneses passaram a residir na rua Conde de Sarzedas, ladeira íngreme, onde na parte baixa havia um riacho e uma área de mangue.

Os enforcamentos aconteciam na antiga Praça da Forca, hoje Praça da Liberdade, um espetáculo de justiça para alguns, acontecimento horroroso para outros tantos, que fizeram erguer uma cruz próximo à forca, que mais tarde daria espaço à Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados. Sua criação vem de uma tradição antiga de construir capelas onde cruzes eram colocadas por motivo de morte violenta, crime, execuções ou acidentes. 

Bairro da Liberdade e região central, em 2020 - a forca ficava onde é hoje a estação de metrô Liberdade, o cemitério dos Aflitos sob os quarteirões das ruas dos Estudantes, Galvão Bueno, a Rua da Glória (R da Santa Casa na época) e a Radial Leste - o rio Itororó foi canalizado e passa por baixo da 23 de Maio

Data dessa época também o Cemitério e Capela Nossa Senhora dos Aflitos, que teve sua construção iniciada no ano de 1774. Chamado também de Cemitério dos Enforcados, foi oficialmente aberto para sepultamento no ano de 1779, localizava-se no quarteirão que é hoje compreendido pelas ruas dos Estudantes, Galvão Bueno, a Rua da Glória e a Radial Leste.

O cemitério não existe mais, no entanto a Capela dos Aflitos, localizada hoje na Rua dos Aflitos sobrevive, o complexo de cemitério e capela estiveram sob a supervisão da Cúria da Igreja Católica. 

O Cemitério foi efetivamente desativado e demolido em 1883, quando da inauguração do cemitério da Consolação, no ano de 1858. Foi considerado o primeiro cemitério público da cidade de São Paulo. Uma das mais conhecidas pessoas sepultadas no Cemitério dos Aflitos é Francisco José das Chagas, o "Chaguinhas", um dos condenados pelo Motim de Santos, em junho de 1821, conforme veremos a seguir.

O Caso do enforcamento de Chaguinhas, o ‘Tiradentes Paulista’

Em 1819, assume o Governo de São Paulo o oficial João Carlos Augusto de Oyenhausen-Gravenburg, futuro Marquês de Aracati, político de carreira, sem qualquer vínculo com os interesses do Brasil Independente: português, já havia sido governador do Pará, Ceará e Mato Grosso antes de sua nomeação como chefe paulista. 
Praça da Forca em 1891 no bairro da Liberdade, a Santa Cruz foi substituída pela Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados, de taipa de pilão, inaugurada em 1o de maio de 1891 - foi demolida em 1926, sobrando apenas a escadaria frontal e a grade.

A população de São Paulo, já revoltada com o Império, passou a enxergar Gravenburg como mais uma ameaça, numa tentativa de calar os revoltosos paulistas. No mesmo ano, através de José Bonifácio, começa a se formar em Santos um grupo separatista, tendo como integrantes lideranças regionais, como Martim Francisco, Manoel da Silva Bueno, o padre Patrício Manoel de Andrada, o general Antonio Cândido Xavier de Carvalho e Sousa, João Baptista Vieira Barbosa, e José Olyntho (comandante do corpo de artilharia).

Praça da Liberdade, antiga praça da Forca em 2020 no bairro da Liberdade, aspecto atual da Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados.

Olyntho foi encarregado de espalhar o ideal entre os seus comandados, pois era uma das pessoas mais importantes do movimento por ter sob seu controle todos os 6 fortes da região e a entrada de navios no porto. 

Encontrou, entre os soldados, duas figuras que se propuseram a exaltar os ânimos dos militares: José Joaquim Cotindiba e Francisco das Chagas, o "Chaguinhas", soldados do Batalhão de Caçadores. 

Em 21 de junho de 1821, com o descontentamento geral, Gravenburg perde o governo de São Paulo, e em seu lugar é instalado um governo provisório, ainda sob seu comando, mas tendo como vice-presidente o santista José Bonifácio, que já articulava a revolta que viria a acontecer.

D. João VI volta a Portugal com toda a corte no ano de 1821, aumentado ainda mais uma rixa que existia entre brasileiros e portugueses em especial nas tropas militares, isso se somava aos animos dos avidos pela independência. 

Na madrugada entre os dias 27 e 28 de junho de 1821, estourava no quartel de Santos a revolta da tropa, liderada por Chaguinhas; o objetivo era ampliar a revolta para as cidades de Itú, Sorocaba e Taubaté, que estavam dentre as mais importantes de São Paulo, para a partir delas espalhar o movimento por todo o estado, visando, importante frisar, a independência somente da então província. 

Casarão da família Correa de Moraes Pagano Brundo na rua da Gloria, n 4

Os militares portugueses, que durante anos praticaram torturas e castigos aos oficiais paulistas, passaram a ser presos, e o caos tomou conta da cidade, com alguns civis mais exaltados incendiando lojas de pessoas "retrógradas" (como eram conhecidos os que defendiam a volta do status de "colônia" de Portugal).

Um navio da marinha, que se encontrava fundeado na frente da cidade, disparou contra o forte tomado de rebeldes, que responderam com tiros de canhão, danificando o navio e o forçando a se retirar. Com isso, em 30 de junho, chega em São Paulo capital a notícia do levante, e o governador Gravenburg envia um Batalhão de Caças para combater os rebeldes. No dia 6 de julho, os rebeldes se rendem, temendo mortes de inocentes. 

Já no dia 7, o "Diário Oficial" publicava a notícia da retomada das fortificações e da restauração da ordem em Santos; entretanto, o que os soldados paulistas mais temiam aconteceu, e diversos navios da marinha atracaram na cidade para prender e executar todas as centenas de pessoas que fizeram parte da revolta. Os relatos da época dão conta de navios que ficaram com o convés cheio de corpos, que foram em seguida atirados ao mar.

Por proteção dos irmãos Andradas, principalmente de José Bonifácio, que fazia parte do governo provisório e como dito foi um dos idealizadores do movimento, os líderes Catindiba e Chaguinhas foram presos e levados para julgamento em São Paulo. 

Cadeia Pública que ficava no Largo de São Gonçalo em 1891, atual Praça João Mendes, mesmo prédio, que abrigava também o Senado da Câmara, demolido nos anos de 1940, no Plano de Avenidas do governo Prestes Maia - ficava onde hoje está o acesso ao viaduto D. Paulina, que passa sobre o rio Itororó, hoje canalizado por baixo da av. 23 de Maio. 

Em 28 de julho, acontece mais um golpe sofrido pelos paulistas: o Governo Português declara a união das forças armadas portuguesas e das províncias em uma só, na prática submetendo todos os oficiais da América Lusitana diretamente aos comandos dos generais de Portugal, numa tentativa de evitar novas revoltas como a ocorrida em Santos.

Percebendo que o motivo da Motim de Santos ia alem da mera injustiça salarial e incitava o movimento de independência, D. João VI, decretou a igualdade nos soldos e eliminou a ordem de preferência. A decisão não surtiu muito efeito posto que ao partir, D. João VI raspou quase todo numerário do tesouro e D. Pedro, príncipe regente, estava sem recursos para fazer o total dos pagamentos. 

Lugar onde ficava a Cadeia Pública que ficava no Largo de São Gonçalo em 2020, atual Praça João Mendes, mesmo prédio, que abrigava também o Senado da Câmara, demolido nos anos de 1940, no Plano de Avenidas do governo Prestes Maia - ficava onde hoje está o acesso ao viaduto D. Paulina. 

No inquérito que se seguiu dividiram-se os amotinados em dois grupos: o dos organizadores do motim juntamente com os que cometeram assassinatos e roubos; e o dos soldados que foram induzidos ao motim por seus lideres, que mesmo assim cometeram crimes amenos, cuja pena foi a execução de trabalhos forçados em obras nas estradas, posteriormente perdoados por D. Pedro no ano 1822 e reincorporados à tropa.

Mas infelizmente, D. Pedro não conseguiu evitar a execução de Chaguinhas e os tidos como “grandes criminosos” do primeiro grupo, estes foram submetidos ao Conselho de Guerra e revisão por uma comissão nomeada pelo Governo Provincial. Do total de 33 réus, sete deles foram condenados à pena capital, morte por enforcamento. 

Ficou decidido que os revoltosos nascidos no litoral, em número de cinco, deveriam ser executados no local, como não havia forca em Santos, os cinco santistas foram executados sem qualquer respeito, em uma das vergas do navio “Boa Fé”, o mesmo que havia sido alvo das cargas de artilharia dos revoltosos.

Quanto aos dois nascidos em São Paulo foram presos na Cadeia Pública que ficava no Largo de São Gonçalo, atual Praça João Mendes, mesmo prédio, que abrigava também o Senado da Câmara, demolido nos anos de 1940, no Plano de Avenidas do governo Prestes Maia - ficava onde hoje está o acesso ao viaduto D. Paulina, que passa sobre o rio Itororó, hoje canalizado por baixo da av. 23 de Maio. 

A execução foi adiada para setembro de 1821, pois como os enforcamentos aconteciam muito esporadicamente, a forca estava velha e corria risco de colapsar. Ao custo de 76.620 réis, o morro da liberdade, hoje aterrado, poderia voltar a exibir o fúnebre espetáculo de enforcamento.

Capela Nossa Senhora dos Aflitos 1795 e Cemitério de mesmo nome, onde erram enterrados escravos, indigentes e enforcados. Local onde repousa o corpo de Chaguinhas

Como não se achava corda para o enforcamento a venda na cidade, gastou-se também outros 640 réis em duas meadas de barbante para tecer uma corda e outros 480 réis para afiar o cutelo para a degola, posto que a cerimônia macabra realizada na pena capital, pedia que após o enforcamento, o convicto fosse retirado da laçada e o carrasco o decapitava, seu corpo era enterrado no cemitério dos Aflitos, próximo à Capela Nossa Senhora dos Aflitos, que ficava na quadra de baixo e cabeça era salgada, colocada num caixão e levada para a cadeia - quando não, era transportada e exibida em outras vilas do interior da província.

Capela Nossa Senhora dos Aflitos em 2020 - o cemitério está embaixo dos quarteirões das ruas dos Estudantes, Galvão Bueno, a Rua da Glória (R da Santa Casa na época) e a Radial Leste

Os cabos Francisco José das Chagas (conhecido como Chaguinhas) e Joaquim José Cotindiba vieram para a execução na capital. O primeiro, filho de pessoas estimadas aqui de São Paulo, era muito querido entre a pequena população da vila, vindo de família, humilde, chegou a residir na Rua das Flores, atual Silveira Martins, onde passara a infância.

No dia 20 de setembro de 1821, após cárcere na cadeia de São Paulo, com sob supervisão de um sacerdote, colocaram as alvas, espécie de camisolões, e foram levados ao Morro da Forca, uma caminhada de uns 200 metros. O primeiro a subir foi Cotindiba, que com as mãos atadas às costas e depois encapuzado, foi ajustada a laçada ao pescoço - enforcamento deu-se sem incidentes, já o enforcamento de Chaguinhas foi surpreendentemente atribulado.

 Uma vez colocado na forca, a tábua que o sustentava foi abruptamente aberta, como de costume, e o corpo caiu no vazio, posto que a corda, tecida com meadas de barbante, arrebentou! 

Chaguinhas permanecia vivo no chão, o povo entendeu isso como um milagre para salvar a vida do querido rapaz, que clamou por misericórdia, os membros de uma irmandade religiosa logo cobriram-no com sua bandeira para dar-lhe imunidade, mas os apelos não surtiram efeito.

Numa cena alegórica, a imagem do Inhapuambuçu se revela como uma passagem entre o mundo material e espiritual. O majestoso torii se destaca como o portal que conecta esses dois reinos. 

Mais uma vez Chaguinhas sobe ao patíbulo e enfrenta o ritual da morte, e pela segunda vez, a corda se rompe – O milagre persiste.

Outra vez o povo clama à Comissão do Governo,  seguindo uma antiga tradição que dizia que, quando uma corda se arrebenta num enforcamento, o convicto poderia obter perdão. Mas o governador nega pela segunda vez, que desta vez, por ordem direta de Martim Francisco de Andrada, pede que Chaguinhas não mais seja enforcado na praça, mas sim estrangulado pelo capataz, que usou de um  trançado de couro, obtido no Matadouro para o suplício. Mesmo depois de tanto protesto, Chaguinhas é finalmente executado.

Alguns religiosos colocaram próxima à Santa Cruz, erguida ao lado da forca, uma pequena mesa onde acendiam velas pela alma de Chaguinhas e outras almas ali executadas. Conforme o local ia se alterando e sendo habitado, a cruz e sua mesa foram sendo deslocados até o local final, onde hoje está localizada a atual Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados. 

Com a morte de Chaguinhas, a conspiração em Santos pode voltar as atividades sem maiores perseguições por parte do governo, que imaginava ter eliminado sua existência com a morte do líder, no entanto, o movimento separatista nunca deixou de existir e quase um ano depois, José Olyntho, em agosto de 1822, desloca toda sua tropa de Santos para São Paulo, onde se encontra com o exército de Cândido Xavier. Dali, liderados por José Bonifácio, formam o exército chamado de "Leais Paulistas", que parte em direção ao Rio de Janeiro. 

Imagem religiosa de Chaguinhas amparado por Nossa Senhora dos Aflitos, que carrega o Menino Jesus - arte de Luiz Pagano

Dom Pedro I, favorável à independência, fez jornada contrária, percorrendo diversas cidades do Vale do Paraíba firmando o apoio necessário. Em 2 de setembro de 1822, um novo decreto com as exigências portuguesas, chega às mãos de sua esposa, a princesa Maria Leopoldina, que atuava como princesa regente, vai e se encontra com o Conselho de Ministros, que por sua vez, decide enviar ao marido uma carta expressa, aconselhando-o a declarar a independência do Brasil. 

A carta chegou a D. Pedro I em 7 de setembro, que no mesmo dia, quase um ano depois do episodio de Chaguinhas, em cena famosa às margens do Riacho Ipiranga, declara a independência do Brasil, pondo fim aos 322 anos do domínio colonial exercido por Portugal. 

Alguns documentos que esclareceram a data e pormenores da execução somente foram localizados e tornados públicos no ano de 1922, com isso, historiadores do início do século e o próprio povo, criaram uma infinidade de lendas para preencher os vazios dessa trágica história.

Uma delas diz que o laço de couro utilizado por último foi tomado à força de um boiadeiro que passava pelo local, outra que o laço de couro também se arrebentou e o infeliz foi morto a pauladas no chão. Por muito tempo imaginou-se que Chaguinhas foi substituído por um cadáver e que tivesse escapado com ajuda de cúmplices, tendo vivido até sua morte em Campinas, outra lenda diz que quando os laços arrebentaram por três vezes, o povo gritava “Liberdade, Liberdade!”, daí originou-se o nome do largo e do bairro. 

Na verdade o nome Liberdade originou-se do Chafariz da Liberdade que esteve no largo por um tempo e está relacionado com a abdicação de D. Pedro I. Dizem ainda que Chaguinhas foi o último enforcado, o que não é verdade, muitos ainda seriam supliciados em São Paulo, principalmente escravos revoltados, até a extinção da pena de morte em 1889.

A construção da Capela

Algumas fontes indicarem o início da construção da capela no ano de 1887, já o Arquivo da Cúria Metropolitana registra a fundação em 1891, sendo sua primeira missa realizada em 1 de maio daquele ano.

O culto a Chaguinhas começou antes mesmo da inauguração da capela, em data incerta, com as festas promovidas por Olegário Pedro Gonçalves e Chico Cego, que viviam nos arredores. Mesmo antes da Abolição, Antonio Bento já ajudava a promover as festividades. A capela original, de taipa de pilão foi  demolida em 1926, sobrando apenas a escadaria frontal e a grade. Uma nova foi construída e inaugurada em 1928. Esta segunda capela teve sua fachada e frontão reformados em data incerta, passando a ter a aparência mais próxima da atual.

A Capela da Santa Cruz das Almas dos Enforcados, de taipa de pilão foi fundada em 1891, demolida em 1926, sobrando apenas a escadaria frontal e a grade. Uma nova foi construída e inaugurada em 1928. Esta segunda capela teve sua fachada e frontão reformados em data incerta, passando a ter a aparência mais próxima da atual.

Sua posição em relação à Avenida da Liberdade era mais recuada, no centro do quarteirão e ficava ao lado de uma antiga delegacia. Com o alargamento da Rua da Liberdade no final da década de 1940, a capela ficou mais próxima da atual avenida. Restou uma pequena faixa de terreno separando a capela da avenida onde era a delegacia. Em 1955 essa faixa de terreno foi cedida à cúria Metropolitana que aí construiu, em 1958, o pequeno edifício que lá se encontra. Também neste ano iniciou-se a reforma final na qual foi construída a torre e as configurações atuais.

Chaguinhas ainda é cultuado localmente como um santo popular, mas pouca gente conhece a relação de Chaguinhas com a independência do Brasil.

Que fim levou o Morro da forca, o Morro Careca do Inhapuambuçu, a Santa Casa, o Teatro São Paulo e Cadeia Pública?

Meus tios-avós não sabiam muito bem, minha vó, falecida em 1989, estudou no Externato São José, próximo a Santa Casa, na esquina da rua dos Estudantes com a Glória, e as histórias que escutava eram aquelas contadas do ponto de vista religioso, em pesquisas encontrei algo a mais.

Na época da primeira foto acima a rua já tinha recebido sua primeira pavimentação de macadame, que foi feita em 1855. Antes disso, conta-nos um cronista que era de terra vermelha e “cheio de boqueirões”.

Ainda na época desta foto era o caminho obrigatório para quem quisesse ir ao litoral, pois a estrada de ferro só começou a funcionar em 1866. Descia-se a Rua da Glória, que faz uma curva à esquerda e seguia-se mais ou menos pelo trajeto que hoje é formado pelas ruas Lavapés e Independência atingindo a região do Monumento do Ipiranga. Daí pelo caminho onde hoje é a Rua Bom Bom Pastor até a região conhecida por Moinhos. 

Eventualmente alguns amigos acompanhavam o viajante até a Árvore das Lágrimas, na atual Estrada das Lágrimas. A Rua da Glória era conhecida como Estrada ou Caminho do Mar. Havia um caminho mais antigo ainda que saía da Rua Tabatinguera, à altura da Rua do Carmo, mas pela Rua da Glória acabou ficando mais curto e do antigo caminho não sobrou nenhum vestígio.

O casarão da Chácara dos Ingleses em aquarela de Pedro Alexandrino e o tendal do Largo São Paulo 
O viajante ia passando pelas chácaras que havia por ali. Logo ao passar a Rua Conde do Pinhal que era chamada de Beco Sujo, à esquerda, detrás da fileira de casinhas baixas havia a chácara de D. Anna, que se estendia até a beira do Tamanduateí que ainda serpenteava onde hoje é a Rua Glicério. Logo após, onde hoje está a Rua dos Estudantes, do lado direito estava o Cemitério Público ou Cemitério dos Aflitos e depois cemitério da Glória, o primeiro cemitério de São Paulo, como vimos anteriormente, ali eram enterrados os condenados, os indigentes, os soldados e também os escravos. 

Pessoal de melhor posição na sociedade era enterrado nas igrejas ou terrenos adjacentes e quanto maior fosse a doação para a igreja, mais perto do altar de sua devoção. Mas não era um cemitério com lápides ou inscrições, eram simples covas, alguns com pequenas capelinhas e outros com cruzes de madeira, sem datas ou lembranças do defunto. 

O Fim do Inhapuambuçu e o Começo do Futebol de Várzea

Quanto ao morro da forca, que começava na praça da Liberdade e terminava onde é hoje o Jardim Oriental da Liberdade, marcado pelo portal Torii, numa enorme formação arredondada que tinha o nome de 'Morro Careca do Inhapuambuçu', este foi aplainado e deu origem à Praça da Liberdade, a terra retirada foi usada para o aterro do Glicério e Várzea do Carmo, desviando e 'endireitando' o serpenteante rio Tamanduateí. Do lado esquerdo da Rua da Glória, no ponto onde está o viaduto Mie Ken, por cima da Via Leste-Oeste, abria-se uma pequena trilha que levava a outra elevação. Esta ficava nos terrenos da Chácara de Francisco Machado fronteiriça à Chácara de D. Anna Machado.

No alto desta colina estava o casarão sede da chácara, local que tem uma história muito interessante. Passou a ser conhecida como Chácara dos Ingleses quando nela morou o coronel John Rademaker, ocasião em que a atual Rua São Paulo, continuação da Américo de Campos, recebeu o nome de Rua dos Ingleses.

Na imagem de 1920 da Rua Doutor Tomás de Lima, a terra da rua completamente revirada, obrigando as pessoas a trilharem pelas calçadas. As transformações da paisagem no bairro todo revela intensa atividade urbana, onde as características geográficas originais foram demasiadamente alteradas. Na região da Liberdade, os diversos morros de relevo foram aplainados e suas terras reviradas repetidas vezes, evidenciando um esforço para moldar a topografia e criar um ambiente mais adequado ao desenvolvimento urbano. O contraste entre a agitação das obras e a serenidade das calçadas destaca a complexa metamorfose que a área experimentou ao longo do tempo - Foto do antigo acervo fotográfico Museu Da Cidade de São paulo mostra a rua Dr. Tomas de Lima 

Após a morte de Rademaker, em 1820 o casarão foi vendido para o coronel João de Castro Canto e Melo que aí vivia com sua família, inclusive sua filha Domitila que seria em futuro próximo a Marquesa de Santos, célebre amante de D. Pedro I e depois esposa de Rafael Tobias de Aguiar e figura ilustre e benemérita na cidade de São Paulo nas últimas quadras de sua vida. Certamente durante sua visita a São Paulo em 1822, quando proclamou a Independência, D. Pedro deve tê-la visitado naquele casarão onde, segundo Affonso A. de Freitas, “cupido travesso fez diabruras”.

Em julho de 1825 o casarão passou a ser ocupado por uma instituição que já naqueles tempos era mais que centenária, a Santa Casa de Misericórdia, que ali instalou seu hospital e o Asilo dos Expostos para abrigar as crianças enjeitadas pelos pais e abandonadas na Roda dos Enjeitados que primeiramente foi instalada lá. Até 1840 ficou o casarão com esta nobre ocupação, quando a Santa Casa resolveu construir um edifício mais apropriado na esquina da atual Rua da Glória com a Rua dos Estudantes, na banda do lado do Tamanduateí. Naqueles tempos a Rua da Glória ficou conhecida como Rua da Santa Casa, somente em 1851 recebeu o nome atual.

De circunspecto hospital de caridade o casarão vem conhecer dias mais turbulentos. Transforma-se numa república de estudantes, abrigando a nata da juventude intelectual e romântica da cidade naquele meio do século XIX, liderados por Bernardo Guimarães, autor de A Escrava Isaura e Álvares de Azevedo da Lira dos Vinte Anos. A antiga casa colonial passa então a ser palco de celebrações, pândegas e mesmo orgias. Vários textos daqueles jovens autores foram concebidos ali mesmo.

A Várzea do Carmo, agora carregando consigo a essência do Morro Careca, tornou-se o palco da primeira partida oficial de futebol no Brasil. Nesse terreno, impregnado com a mistura do passado místico do morro, funcionários da São Paulo Gás Company e da Estrada de Ferro São Paulo Railway se reuniram em 14 de abril de 1895. 

Charles Miller conta em entrevista a revista Cruzeiro de 1952 que foi “numa tarde fria de outono em 1895” na Várzea do Carmo, em São Paulo, que aconteceu a partida entre os funcionários da São Paulo Gás Company e da Estrada de Ferro São Paulo Railway (na sua maioria ingleses). 

O amistoso terminou em 4 a 2, com vitória do São Paulo Railway. Algumas fontes atribuem ao primeiro jogo a data de 15 de abril, assim sendo. pdoe-se dizer que somos o país do futebol há 120 anos e Charles Miller é o seu pai, que em 1895, jogou no 1º jogo oficial de Futebol, Rugby e Cricket de São Paulo.

Várzea do Carmo na década de 1840, época do aterro com sobras de terra do aplainamento do Morro da Forca e do Morro Careca do Inhapuambuçu

A origem do futebol de várzea se mistura com a chegada do esporte ao Brasil, a primeira partida oficial da cidade — e consequentemente do país —, foi organizada por Charles Miller, foi disputada na antiga várzea do Carmo, atual Largo do Gasômetro, na região do Brás.

O jogo reuniu funcionários da Gas Company of São Paulo que jogou contra  a São Paulo Railway,  no dia 14 de abril de 1895. Miller foi fundamental na montagem do time do São Paulo Athletic Club (SPAC) e da Liga Paulista de Futebol, a primeira liga de futebol do Brasil. Com ele como artilheiro, o SPAC conquistou os três primeiros campeonatos em 1902, 1903 e 1904. Jogou pelo clube até 1911, quando conquistou sua última Liga Paulista. Depois disso, no ano seguinte aposentou-se e passou a atuar como árbitro.

Era uma era vanguardista, esportiva e cultural, os estudantes formaram em 1845 (segundo Spencer Vampré) uma associação secreta que chamaram de Sociedade Epicurista com o objetivo um tanto extravagante de “tornar realidade os sonhos de Byron”. Lord George Gordon Byron (1788-1824) foi um poeta excêntrico que cultivou a beleza do horror, do repulsivo, do monstruoso e do satânico.

Consta que certa vez passaram quinze dias fechados na casa, com todas as janelas vedadas, à luz de candeeiros, fazendo todo tipo de loucuras na companhia de algumas prostitutas.  Contam que havia gatos pretos e morcegos soltos pelo casarão e esqueletos roubados do cemitério vizinho. Só saíram quando a bebida e o tabaco tinham terminado.  Talvez estas “celebrações” tenham inspirado ao jovem Álvares de Azevedo a obra uma Noite na Taverna.

Na peça intitulada Macário, Álvares de Azevedo colocou Satã morando no casarão da Chácara dos Ingleses quando descreve a chegada do jovem Macário a São Paulo subindo a Rua da Glória:

“Macário: Oh! Ali vejo luzes ao longe. Uma montanha oculta no horizonte. Disséreis um pântano escuro cheio de fogos errantes. Porque paras o teu animal?

Satã: Tenho uma casa aqui na entrada da cidade. Entrando à direita, defronte do cemitério. Sturn, meu pajem, lá está preparando a ceia. Levanta-te sobre meus ombros: não vês naquele palácio uma luz correr uma por uma as janelas? Sentiram a minha chegada.”

Com a saída dos estudantes e depois de servir a alguns colégios, o antigo casarão ainda teve um último morador famoso: o Conselheiro Furtado de Mendonça, lente da Academia e delegado de polícia crônico de São Paulo. Conta Affonso de Freitas que o Conselheiro Furtado por tanto tempo exerceu a função que seu nome já era sinônimo de delegado.

Não deixa de ser uma ironia, pois Furtado de Mendonça foi nomeado delegado exatamente por ser lente da Faculdade e ter bom relacionamento com os estudantes e assim por freio em suas “estudantadas”, que tanto atormentavam a cidade.

O Conselheiro Furtado morreu em 1890 e logo em seguida também o casarão. Na segunda metade da década foi construído ali um mercado que logo foi transformado em depósito de carne verde, conhecido como o Tendal do Largo São Paulo, que foi o nome dado ao largo que se formou.

A carne dos animais abatidos no Matadouro da Vila Mariana, onde hoje fica a Cinemateca, era transportada à estação de bondes São Joaquim, onde hoje está a Estação do Metrô, pelos bondes a vapor da Viação Santo Amaro e chegava ao Tendal por bondes cargueiros puxados a burro da Companhia Viação Paulista. Era então distribuída entre vários açougueiros que as levavam em carroções. Até 1903 o largo ainda não era calçado com paralelepípedos e quando chovia o local ficava um lamaçal que acabava sendo levado para dentro do Tendal.

A disputa por melhores preços e a formação de cartel por parte dos marchantes era motivo constante de discussões e até brigas sérias com direito a cacetadas e facadas, houve até casos de mortes no local.

Mas em março de 1911 uma lei municipal autorizou o prefeito Raymundo Duprat a arrendar o Tendal do Largo São Paulo por 25 anos para a construção de um teatro no local, nos mesmos moldes do que havia sido feito em 1908 com o Teatro Colombo construído no lugar do Mercado do Largo da Concórdia. Findo o período de concessão, as benfeitorias seriam propriedade da municipalidade sem direito a indenização. O depósito de carnes seria transferido para junto do Matadouro da Vila Mariana.

O depósito mudou-se em 1912 e o antigo tendal foi precariamente adaptado para funcionar como cinema e também apresentando alguns números de palco.

Só em 28 de janeiro de 1914 seria inaugurado o Teatro São Paulo com um espetáculo privativo para a imprensa, no dia seguinte seria aberto ao público. Com frente para a Rua da Glória, o prédio apresentava uma fachada estilo que lembra o mourisco com duas cúpulas. Na plateia existiam 1036 cadeiras mais 20 frisas, 36 camarotes e galeria para acomodar 800 espectadores. Tinha ainda um corredor externo com o bar, bilheteria e demais dependências. Na parte externa um terraço com cadeira e mesas. Talvez fosse mais apropriado chamá-lo de Cine-Teatro, pois a maior parte do tempo funcionou como cinema. Na inauguração foi apresentado o filme “Entre homens e feras” e no intervalo uma orquestra com 10 professores distraia os espectadores.

O Teatro São Paulo na década de 1950, após a reforma

Em 1931 o prefeito Anhaia Melo, atendendo solicitação da Sociedade Paulista de Belas Artes mudou o nome do Largo São Paulo para Praça Almeida Júnior em homenagem ao artista.

A década de 1950 foi a que mais apresentou atividades no Teatro São Paulo, com apresentações de artistas de renome como Maria Della Costa, Bibi Ferreira, Procópio Ferreira, Oscarito, Mazzaropi e muitos outros. Também nesta década aí foi realizado, por vários anos, o Festival de Teatro Amador além de ter sido palco para os famosos Teleteatros Tupi, nos primórdios da televisão paulista.

No ano de 1953 aprovou-se um projeto autorizando a mudança provisória da Câmara Municipal para o Teatro São Paulo enquanto o novo Paço Municipal era construído, porém em 1954 esta ideia foi abandonada e o Teatro então passou por uma reforma na qual perderia suas cúpulas.

Não restaram vestígios do lugar onde “o cupido travesso fez diabruras”, Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães faziam suas odes à Satã, houve brigas e mortes por negócios com carne e espetáculos teatrais divertiram o paulistano.

Um visitante do passado andando pela Rua da Glória estranharia:

– Cadê a praça que estava aqui?
– A avenida comeu!

Orientalização da Liberdade - 1974 : Solo Sagrado da Liberdade

Antes da década de 1960 o bairro da Liberdade era considerado uma área periférica ao centro de São Paulo, más em 1968 com a construção da Radial Leste foi aberto o viaduto Osaka  e parte do solo sagrado do pertencente ao cemiterio dos Aflitos, bem como do solo sagrado pertecente aos Tupis do Inhapuambuçu foram aterrados  removidos e redistribuídos. 

Em maio de 1967 o prefeito Faria Lima determinou a demolição do velho teatro para a abertura da Radial Leste-Oeste e o viaduto Mie Ken na Rua da Glória. Assim o antigo Largo São Paulo deixou de existir em sua configuração original e a Praça Almeida Júnior foi reduzida às suas proporções atuais.

Na inauguração desse viaduto o então prefeito da cidade,  Paulo Maluf, externou o desejo que o bairro da liberdade fosse uma referência oriental, tal como o chinatown de New York e Little Tokyo da California, foi então que uma série de iniciativas atrairam os japoneses para retornar ao Bairro da Liberdade, direcionando-se para a rua Galvão Bueno, que anteriormente fora conhecida como rua dos Estudantes, e tornou-se emblemática devido à concentração de repúblicas de estudantes. 

As Duas Orientalizações

A primeira revitalização, conhecida como o "Programa de Orientalização," foi idealizada por Randolfo Marques de Lobato em 1969.  O objetivo era aplicar simbologias de culturas orientais para atrair turistas e impulsionar o crescimento econômico da região. 

Construção do Torii:

O Torii, erigido em um local de alta significância geomântica, possivelmente constitui o mais notável sítio espiritual na cultura brasileira, aglutinando elementos espirituais indígenas, dos africanos escravisados que lá encontraram sua libertação e descanso final, bem como dos japoneses, no entanto, não se sabe ao certo se sua localização foi fruto de intenção ou mera coincidência.

Numa ilustração que fiz com base nos desenhos de Hayao Miyazaki (宮崎 駿), co-founder of Studio Ghibli, mostro a visão mitica do Torii da Liberdade, e debaixo dele passa o gigante D'us Tupi Anhangá que habita as matas do Anhangabaú ali perto, o Curupira e o Saci caminhando atrás de uma mulher encarnada, as bolas de fuligem, inevitáveis na suja cidade de São Paulo, Ootori Sama e o Espírito do Rabanete observando o santo do bairro 'O Glorioso Chaguinhas'.

Mesmo sendo altamente provável que líderes religiosos, familiarizados com a história da Liberdade e os sagrados solos do Cemitério dos Aflitos e do Inhapuambuçu dos Tupi, pudessem ter influenciado a escolha do local, não existem registros históricos que confirmem a atuação direta de líderes xintoístas ou espirituais.  

O torii, um portal japonês que simboliza a transição do plano profano para o o solo sagrado, foi implementado na extremidade da ponte do Viaduto Osaka, próximo à Rua Américo de Campos, sua construção ocorreu em 1974, marcando o nascimento oficial do bairro em 9 de novembro, como elemento arquitetônico tradicional do xintoísmo, este é frequentemente colocado na entrada de santuários. 
Torii da Liberdade, um portal de 9 metros da tradição xintoista japonesa, que marca a fronteira entre o sagrado e o mundano. Existem dois tipos de torii: 1-Myojin torii (明神鳥居), uma forma mais ornamentada e o 2-Shinmei torii (神明鳥居) uma forma simples caracterizada pelo lintel reto único. O torii da Liberdade do tipo 明神鳥居 que normalmente são compostos pelas Hashira (柱) as colunas qeu sustentam o portal; Kasagi 笠木 a viga horizontal superior suportada por uma viga Shimagi 鳥木; - Em japonês lêe-se: As pessoas passam pela lateral do torii, enquanto as divindades, neste caso ANHANGÁ, passam pelo centro.人々は鳥居の横を通りますが、神々は中央を通ります。その神の名前は ANHANGÁ 「アンハンガ」です。

Segundo Fabio Tadao Nakagawa Michio Okano e Regiane miranda de Oliveira Nakagawa no Duas Visões da Liberdade: Orientalização e Oreintalidadeo, o torii não conserva seu uso e significado originais, servindo mais como uma representação estética e simbólica da cultura japonesa... Na dúvida, sempre que eu passo por debaixo do Torii da Liberdade, escolho caminhar pelos lados, reservando o centro para os deuses, e pronuncio em pensamento "shitsureishimasu" (失礼します), expressando assim um pedido de permissão para adentrar o plano espiritual e sagrado. As vezes me pego curvando-me e juntando as palmas das mãos, tal como fazia no Japão.

Elementos das Calçadas (Mitsudomoe):

Este desenho traz boa sorte quando associado ao magatama, um talismã, ou pode representar o protetor da água ou o deus da guerra, Hachiman. Os kanjis associados a esses elementos podem incluir:

O brasão "mitsudomoe" (三つ巴) representa um padrão tradicional japonês em forma de três comas ou objetos semelhantes a contas, também conhecidos como "tomoe" (巴) ou "tomoe mon." Este motivo é utilizado em casas, santuários e templos como um emblema familiar ou religioso. Originalmente, acredita-se que o "tomoe" representava uma forma estilizada de uma flecha usada para arco e flecha. Posteriormente, houve interpretações associando-o à imagem de água em movimento. No contexto da construção do torii e dos elementos culturais da Liberdade, esse símbolo pode ter sido adotado por sua relevância histórica e espiritual.


三つ巴 (Mitsudomoe):
三 (Mitsu) - Três
巴 (Tomoe) - Comma, uma forma arredondada
勾玉 (Magatama):
勾 (Maga) - Gancho
玉 (Tama) - Jóia, bola
Esses elementos adicionam uma rica simbologia às ruas, demarcando não apenas território, mas também invocando tradições culturais e espirituais.

Lanternas Chochin:

As lanternas chochin, com conjuntos de três lanternas chouchin, que possuem o formato da flor suzuran ( Lírio do Vale - Convallaria majalis ), denominadas suzurantô, erroneamente denominadas com "jasmim", são vistas em ambos os lados das ruas, formando uma sequência semelhante a portais torii. As chochin são lanternas tradicionais japonesas, frequentemente feitas de papel ou seda esticada sobre uma estrutura de bambu ou metal, e apresentam uma forma cilíndrica.

Os kanjis associados às chochin incluem:

提灯 (Chochin):
提 (Cho) - Levantar, suspender
灯 (Chin, também pronunciado To) - Luz
鈴蘭 (Suzuran) plantas do genero Convallaria majalis

Essas lanternas não apenas fornecem iluminação, mas também contribuem para o simbolismo oriental, marcando o espaço com uma atmosfera tradicional. A presença desses elementos não só embeleza o Bairro da Liberdade, mas também conecta os residentes e visitantes à rica cultura japonesa.

A Segunda orientalização, "O Caminho do Imperador" 

"O Caminho do Imperador" tinha como propósito revitalizar toda a região do Bairro da Liberdade percorrida pelo príncipe durante sua visita. No entanto, segundo informações disponíveis, apenas uma parte do projeto foi concluída. A reforma da praça central e a substituição dos postes vermelhos foram algumas das intervenções realizadas. Embora tenha enfrentado desafios na implementação completa, o projeto refletiu o esforço de manter e fortalecer os laços culturais entre o Brasil e o Japão, destacando a importância histórica e simbólica do bairro para a comunidade japonesa.

As lanternas chochin, com conjuntos de três lanternas 提灯 (Chochin), que possuem o formato da flor 鈴蘭 (Suzuran) plantas do genero Convallaria majalis, denominadas suzurantô. A canga, fica a 4,78 metros do chão.  Existem 427 peças no bairro da Liberdade com lâmpadas de vapor de sódio ou de mercúrio. Compreendem o conjunto com três luminárias e seus globos, canga (suporte das luminárias), além do postes. As unidades são feitas de forma artesanal, em material de aço. Em 2008 as luminarias foram trocadas, ao todo existem 427 peças no bairro da Liberdade e, atualmente, todas estas contam com lâmpadas de vapor de sódio ou de mercúrio.As novas unidades que estão em instalação têm vida útil de 30 anos e compreendem o conjunto com três luminárias e seus globos, canga (suporte das luminárias), além do postes. As unidades são feitas de forma artesanal, em material de aço. As cangas têm 1,81 metro de comprimento, 25 centímetros de largura e 27 centímetros de altura. A canga, com o globo instalado, fica a 4,78 metros do chão. 

A segunda revitalização ocorreu em 2008 e foi chamada de "O Caminho do Imperador." Essa iniciativa surgiu por meio de uma parceria entre o Instituto Paulo Kobayashi, empresas interessadas e o apoio da Associação Cultural e Assistencial da Liberdade (ACAL). O projeto foi concebido em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil, e teve como ponto de partida a visita do então príncipe herdeiro Akihito, hoje imperador, em 1997.

E quanto a Vó Zuzu?

A vó Zuzu nasceu em berço de ouro, foi batizada numa pia com libras esterlinas, teve uma vida longa e feliz, a grande casa onde nasceu deu lugar às redondezas do fórum João Mendes e a um respiro do Metró. Casou-se em primeiras núpcias no ano de 1929 com o tropeiro José Francisco Pagano Brundo com quem teve 2 filhos e foi mãe adotiva de outras duas filhas (saiba mais) , ficou viuva em 1947, e aí conincidentemente casou-se novamente no ano de 1951 com um outro morador do bairro da Liberdade.

Casamento de Emilia Francisca Correa de Moraes Pagano e Jose Francisco Pagano Brundo

Jaime Pires de Camargo, com quem Zuzu casou-se em segundas núpcias, também morava na Rua da Gloria, Jaime era descendente da família que ficara marcada por uma rivalidade muito conhecida na vila de São Paulo de Piratininga, a chamada 'Guerra dos Pires contra os Camargo' ocorrida na vila de São Paulo, entre as décadas de 1640 e 1660. A rixa familiar teve inicio em 1640,  quando Alberto Pires assassinou Leonor de Camargo Cabral, sua esposa por suspeita de adultério, e também seu cunhado, Antônio Pedroso de Barros. 

A rixa perdurou por 20 anos, com grande movimentação na mídia da época, chegando a envolver o sertanista e bandeirante Fernão Dias, da família Pires, acabando somente com a assinatura do tratado de paz em 25 de janeiro de 1660, a partir de então, muitos Pires se casaram com Camargos.

Na década de 1910, quando pequena, minha tia-avó Judith Corrêa de Morais (irmã mais nova da Dona zuzu), também nascida no casarão da Rua da Glória nº. 4, testemunhava, da janela de seu quarto, manifestações de fogo-fátuo no Cemitério dos Aflitos. Ficava extremamente impressionada com aquilo que parecia ser uma manifestaçõe dos espíritos antepassados - uma visão que a intrigava e inquietava. Essas histórias, transmitidas desde a infância, ecoam sobre a linhagem ancestral ligada aos indígenas fundadores de São Paulo e reverenciam o solo sagrado da região da Liberdade, lindamente reconhecido pelos imigrantes Japoneses, tecendo uma narrativa rica em espiritualidade e conexão com as nossas raízes ancestrais.

Na família Pires de Camargo ocasionalmente ainda tinha episódios de disputas e comprometimentos, com Zuzu não foi diferente, pois por motivos nunca alegados, dizia ela ter feito um voto de pobreza, doando seus bens até o momento, para a igreja. Mas depois disso,  Zuzu teve uma vida linda e prospera, ia regularmente apostar nos cavalos do Jockey Clube Cidade Jardim, com sua irmã, minha tia-avó Judith, falecendo em 1989 - ambas sepultadas no túmulo dos Correa de Moraes Pagano, Cemitério da Consolação.

Outras informações

Referências

"...Inhapuambuçú, havia uma grande pedra sagrada, a Itaecerá, fendida ou fortemente marcada por um formidável e panorâmico raio, de conhecimento geral e notório entre todas  as tribos (sic) circundantes, que a cultuavam como sinal milagroso de Tupã ("Deus dos Relâmpagos"). Ela teria sido posteriormente retalhada e soterrada nos alicerces do templo jesuíta como era do costume sincretista romano (?!). O local já havia se transformado em "campo santo", frequentado pelas demais tribos circunvizinhas impactadas pela extraordinária visão e estrondo da centelha divina! Vinham peregrinar através da extensa rede de peabirús(5) cruzando os matos, em busca da presença divina. Desse espetacular evento concluímos, portanto, que os Tupi-Guaianás já desfrutavam de uma Via Espiritual pela qual foram previamente iluminados e incumbidos de indicar aos jesuítas a exata localização divinamente inspirada daquela missão, prontamente acatada pelos missionários!"

*Piratininguara - Termo castiço e designativo afirmando a naturalidade e precedência dos nativos tupis sobre o Campo de Piratininga. Os portugueses brancos eram os paulistas ou paulistanos.

O Presumido Retalhamento e Soterramento da Pedra
Mas e a Itaecerá, teria sido mesmo retalhada e reutilizada sincreticamente na fundação do novo templo, como narra a tradição oral? Talvez sim, talvez não! Isto precisa ser investigado, pois tratar-se-ia de um ícone monolítico de inestimável valor arqueológico, sentimental e religioso, marco intercultural da pré-história piratiningana! É imperativo que se faça uma minuciosa prospecção nos sítios sagrados apontados, mesmo que se tenha de remover os degradantes muquifos do baixo comércio da Rua Florêncio de Abreu (e adjacentes), que liga o nada a lugar nenhum!

* Peabiru = "caminho de mato pisado". Havia um Peabiru mestre, que atravessava todo o território da capitania em direção ao Oeste, que se dizia chegar até o longínquo Peru, caminho presumidamente utilizado por Raposo Tavares para sua incursão contra aquele território então espanhol e inimigo, em busca da sua famosa prata de Potosi.

"...majestático raio prenunciava um socorro divino, com socorristas sulcando célere as tempestuosas águas do Atlântico, nas pessoas de Anchieta, Nóbrega e outros apóstolos portadores da abençoada Civilização Ocidental Cristã!

Cremos que o fabuloso raio fosse mesmo uma teofania  (manifestação divina)  em favor das almas aflitas do morubixaba e sua gente, oprimidos pela permanente perseguição canibal que literalmente os devorava! Anunciando a proximidade de um resgate transoceânico que de fato se materializaria na Civilização Ocidental Greco-Romana Cristã (7), difundida e edificada pelo seu principal apóstolo e educador Anchieta - continuador da obra do mais instruído ainda Vice-Provincial Jesuíta Manoel de Nóbrega* em quarenta e três anos de ministério escolástico e apostólico***, que forjaram o distintivo caráter cristão e a cabeça filosófica da Paulicéia colonial: "Um Saber de Salvação"!

"...Índio não é bobo (sic) e quer se civilizar, pois gosta mesmo é da comida regular da agricultura branca e do leite de vaca para seus curumins; roupas, tv, moto, relógio, luz, celular e outras comodidades da civilização; quem gosta de ficar pelado feito animal e comer carne contaminada de preá do mato, é militonto ideológico! 

*...Manoel da Nóbrega ingressou na Companhia em 1544, tendo nascido em 18/10/1517, e cursado as universidades de Salamanca e de Coimbra, onde completou o curso de direito canônico. Ordenado, foi preterido por motivos políticos ao ingresso no Mosteiro de Santa Cruz como professor, o que o levou a aproximar-se alternativamente aos jesuítas. Em 1548, vem para a América com Tomé de Sousa, chefiando outros sacerdotes (Antonio Pires, Leonardo Nunes, João Navarro, Vicente Rodrigues e Diogo Jácome, e demais irmãos não ordenados). 

*Anchieta frequentou o Real Colégio das Artes e Humanidades, anexo à Universidade de Coimbra, a mais perfeita da nossa língua, onde certamente conheceu a Escolástica de Santo Tomás de Aquino, baluarte da Cultura Aristotélica-Cristã. Criou a nossa primeira gramática da língua Tupi, utilizada para evangelização dos nativos, além de peças teatrais, musicais e livros de história, sempre didáticas e voltadas à catequese.

*São José de Anchieta foi canonizado em 2014 Apóstolo do Brasil. Padre José nasceu em Tenerife em 1534, Ilhas Canárias da Espanha, filho de pai fazendeiro "vasco" (provável cristão-novo) e mãe de família aristocrática local, filha de conhecido pai judeu. Estudou dos 17 aos 20 anos na Universidade de Coimbra (em Portugal, onde havia maior tolerância para com sua etnia perseguida na Espanha pela Inquisição) onde aprendeu a falar/escrever português e latim. Morreu na ínvia terra que tanto amou, em 1597.

Fontes

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Dois documentos sobre a sedição militar ou “levante” do 1 ° batalhão de caçadores da praça de Santos em 1821, Benedito Calixto, Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, Vol . 17 pag. 435.
Jornal Diário Nacional de 11-04-1928.
Jornal Diário Nacional de 19-08-1928.
Jornal Diário Nacional de 27-04-1932.
Levino Ponciano - Todos os centros da Paulicéia
O Enforcamento de Chaguinhas, Nuto Sant’Anna em O Estado de S. Paulo de 30-07-1935.
Rebelião em Santos, Nuto Sant’Annna em Correio Paulistano de 19-02-1941.
Tales Veiga - https://www.facebook.com/OrgulhoSP/posts/1766057976747677/ 
A lenda do Chaguinhas, Paulo Cursino de Moura em São Paulo de Outrora.
Jornal O Estado de S. Paulo de 13-12-1955.
VAMPRÉ, Spencer – Álvares de Azevedo na Academia.
Jornal O Correio Paulistano, diversas edições.
Jornal O Estado de S. Paulo, diversas edições.
Lei Municipal 1393 de 20/03/1911
https://luizpagano.blogspot.com/2012/02/zuzu-filha-de-manoel-correa-de-moraes.html?m=1
https://saopaulopassado.wordpress.com/2015/11/10/a-praca-sumiu/
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