terça-feira, 29 de outubro de 2024

Perguntas e Respostas sobre o Cauim Tiakau

 

1 - O que é Cauim Tiakau?

Resposta: É a primeira e talvez ainda a única marca Cauim do mercado, desenvolvida por porfissionais da industria de bebida, com carreira pregressa na Pernod Ricard, Red Bull, Veue Clicquot que decidiram trazer qualidade e inovação para a recente categoria Cauim no Brasil. 

2 – O que é Cauim?

Resposta: O Cauim é uma bebida alcoólica produzida a partir da fermentação da mandioca, para fins ritualísticos em aldeias indígenas, por praticamente todas as mais de 250 etnias brasileiras, nossos ancestrais indígenas.

A característica mais interessante da produção dessa bebida é o uso da amilase salivar - sim, os indígenas mastigam a mandioca para promover a quebra do amido em açúcares.

3 – O que é o Cauim do Inhapuambuçu

Resposta: O Cauim do Inhapuambuçu é o cauim que era consumido por Tibiriça, Baritra e João Ramalho, antes da chegado dos portugueses no Brasil. Nossa proposta foi a de recriar esse cauim originário da região do triangulo histórico de São Paulo.

No local onde é hoje a Praça da Liberdade, vindo da rua Tabatinguera, existiram as aldeias de Caiubi e Tibiriçá, o lar dos nossos povos originários. Ao sul existia a Itaecerá, pedra quadrangular, que alegadamente teria sido atingida por um raio, e fora usada como marco por Anchieta, bem como o Morro Careca do Inhapuambuçu. No século 17 esse morro era conhecido como Morro da Forca, area ocupada hoje em dia pelo o Jardim Japonês e o Torii da Liberdade.

O Inhapuambuçu é um local sagrado para indígenas, afro-brasileiros, descendentes de europeus e japoneses, abrangendo praticamente todas as etnias que compõem o povo brasileiro.

4 -  Como o Cauim Contemporâneo é produzido?

Resposta: 


Existem três processos para se produzir o CAUIM (até o momento), que são nomeados em Tupi Antigo - uma espécie de língua franca indígena, generalizadamente falada em quase todo o Brasil até sua proibição pelo Marquês de Pombal, no ano de 1790.

O processo mais antigo conhecido é o Processo Ancestral (REKOAGUERA RUPI - lit. "conforme o costume antigo"), que é usado até os dias de hoje nas aldeias para fins ritualísticos.

Nesse processo a quebra do amido em açúcares é feita com amilase salivar, em Tupi Antigo é dito "Aîpi o-su'u su'u I nomu", literalmente - "com mastigação e cusparada".

Sim, as indígenas mastigam pedaços de mandioca cozidos e ralados, logo após cospem em dornas feias de troncos que se assemelham a canoas, chamadas de Casirirenas, ou em vasos de argila cozida chamada de Cambutis, para passarem por um lento processo de fermentação com leveduras endógenas.

Este método faz parte de um ritual complexo, belo e rico, em que o cauim é um elemento importante e que jamais poderia ser reduzido a uma mera bebida para consumo.

Tal bebida jamais poderia ser usada para fins comerciais, no entanto, o Cauim Contemporâneo pode ser produzido através do Processo Enzimático, desenvolvido por Hildo Sena, ou do Processo Japonês, desenvolvido por Luiz Pagano.

Abaixo descreveremos os dois processos cuja as denominações também são descritas em Tupi Antigo:

PROCESSO JAPONÊS - PAGANO

No processo japonês, a matéria-prima é o sagu de mandioca, também cahamdo de (1) "pérolas de mandioca" (ITAITINGA BEIJU), (2) que, após serem cozidas no vapor, passam por (3) inoculação com Koji  (KOJI APÓ) para iniciar a quebra de amido em açúcares (SABẽ MBEÍU MOE'ẽ). 

Depois, são adicionadas leveduras, iniciando uma (5)fermentação paralela múltipla(HAGINO), na qual as enzimas continuam quebrando o amido em açúcares que são fermentados, tudo ao mesmo tempo.

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PROCESSO ENZIMÁTICO - SENA

O processo enzimático tem algumas diferenças importantes: 

Aqui a (1) matéria-prima não é o sagú, mas sim a fécula da mandioca (MANIKUERA), também conhecida como polvilho doce, que é lentamente diluída em água até que o mosto se gelatinize (T-Y-PûERA MBO'YÚ–SARA - lit. "fase de hidratação"). 

Nesta fase exclusiva do processo enzimático(2), o amido de mandioca é hidratado homogeneamente (MBOARURU).


Depois disso vem a adição de enzimas como a B-Amilase (SABẽ APó).

Note que aqui também o processo é diferente, pois no processo japonês, as enzimas são produzidas no local pela ação do koji, enquanto que no processo enzimático as enzimas já estão prontas e simplesmente são adicionadas ao mosto.

Daí para frente os processos se igualam, acontece a (4) fermentação (HAGUINO) na dorna (KAUBA), a (5) filtração ( Mbeîu mogûaba ), a clarificação (KûARA) e as (7) finalizações (MONDYKABA), como o engarrafamento (Ybyraygá pupé) e a pasteurização (que em tupi Antigo poderia ser dito como PASTEUR RUPI KAûĩ REREKÓ).

Agora que você conhece os processos de produção do cauim, poderá aproveitar melhor essa deliciosa iguaria que aos poucos está chegando ao mercado.

5 – Produzir o Cauim Tiakau não configura apropriação cultural?

Resposta: Não, produzir o Cauim Tiakau não configura apropriação cultural por alguns motivos importantes:

Herança Ancestral: Luiz Pagano, idealizador do projeto, é descendente de Tibiriçá por meio de Antonia Quaresma, filha de João Ramalho e Bartira, em uma linhagem familiar que abrange 16 gerações, que vai de Camacho, Barros, Caldeira até os Correa de Morais; composta por mamelucos, portugueses, italianos e diversas outras nacionalidades e etnias que compõem o tecido social de São Paulo e do povo paulistano. Isso estabelece uma conexão direta e legítima com a cultura e tradição indígena.

Como dizia Dona. Zuzu Correa de Morais Pagano, avó de Luiz, "para encontrar um Tupi hoje, basta olhar para um paulistano de tradição familiar antiga".

Genograma Descenente de Tibiriçá até Luiz Pagano

Pesquisa Independente: As técnicas utilizadas para a produção do Cauim Tiakau não foram obtidas diretamente de comunidades indígenas. O processo envolveu uma pesquisa profunda, incluindo viágens ao Japão para estudar o koji e o saquê, elementos essenciais para o desenvolvimento do produto de forma comercial e respeitosa.

Colaboração com Comunidades Indígenas: O projeto foi desenvolvido com a possibilidade de que, se as aldeias indígenas optarem por produzir sua bebida ancestral de forma comercial, Luiz Pagano oferece consultoria gratuita para implementar unidades de produção nas aldeias, garantindo que o conhecimento e os benefícios econômicos sejam compartilhados com as comunidades de forma justa e transparente.

6-Qual é a diferença entre o Cauim tradicional e o Cauim Tiakau?

Resposta: O Cauim tradicional é produzido com a mandioca mastigada pelos indígenas, utilizando a amilase salivar para converter o amido em açúcares. O Cauim Tiakau, por outro lado, substitui a amilase salivar pelo koji e enzimas específicas usadas no mercado de bebidas alcoólicas, mantendo a essência ancestral, mas adaptando o processo para fins comerciais e sanitários.

7 - Pergunta: O Cauim Tiakau está disponível para venda atualmente?

Resposta: Ainda não. Embora o Cauim Tiakau tenha avançado significativamente, não há uma legislação específica para a comercialização da bebida. No entanto, desde dezembro de 2022, o Cauim já consta no texto preliminar da nova lei de bebidas alcoólicas, e o projeto aguarda a documentação final para iniciar a comercialização.

8 - Pergunta: Como o projeto do Cauim Tiakau se conecta com outras culturas, como a japonesa?

Resposta: Para desenvolver o Cauim Tiakau, Luiz Pagano foi ao Japão estudar o koji e o processo de produção do saquê. Essa pesquisa trouxe elementos técnicos importantes para modernizar o Cauim e adaptá-lo ao mercado comercial, criando uma conexão cultural que respeita as tradições indígenas brasileiras enquanto incorpora técnicas japonesas.

9 - Pergunta: O Cauim Tiakau é semelhante ao saquê?

Resposta: Embora compartilhe alguns aspectos técnicos com o saquê, como o uso do koji, o Cauim Tiakau é único. Ele utiliza mandioca como base e preserva os elementos culturais e sabores específicos dessa raiz brasileira, resultando em um produto diferente e autêntico, que reflete a identidade e cultura brasileira.

10 - Pergunta: Existe um plano para exportar o Cauim Tiakau?

Resposta: Sim, uma vez que a regulamentação e a produção comercial estejam estabelecidas, o plano é expandir a comercialização do Cauim Tiakau, tanto no Brasil quanto no exterior. A ideia é promover a cultura brasileira e valorizar as tradições indígenas, levando esse patrimônio a um público global.

11 - Pergunta: Como posso experimentar o Cauim Tiakau antes que ele esteja disponível comercialmente?

Resposta: Atualmente, o Cauim Tiakau é oferecido em eventos e jantares especiais que visam apresentar e divulgar a bebida. 

Jantar harmonizado de Cauim Tiakau com pratos indígenas, Hotel Toriba, Chef Kalymarakaya e Fabio Eustáquio - Maio de 2019 - Antes do jantar, Luiz Pagano e Hildo Sena deram ao público um pouco de contexto sobre os principais aspectos históricos do Cauim Contemporâneo

Esses eventos incluem harmonizações com pratos brasileiros e proporcionam uma experiência cultural completa. Fique atento às redes sociais e aos canais de comunicação do projeto para saber sobre as próximas oportunidades de degustação.

Palestra e degustação de Cauim Tiakau por Luiz Pagano no Encontro Selvágem, na Cervejaria Tarantino - São Paulo ago/2023

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Para saber mais, visite nossa página www.cauimtiakau.com.br

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Solana Star e o Verão da Lata



Essa é a história verídica de um navio que, ameaçado pela polícia, despeja 22 toneladas de latas contendo maconha no litoral brasileiro em Ubatuba, próximo às praias Grande, do Tenório e das Toninhas, e acaba soando como mentira de pescador, ou mesmo, conto de surfista.

Dizem que o Brasil é o lugar onde tudo acontece.. e é verdade


Tudo começou em agosto de 1987, quando o delegado de polícia federal Antônio Carlos Rayol e Carlos Mandim de Oluveira receberam um comunicado do DEA americano, o Drug Enforcement Administration, informando que um navio que havia partido de Singapura, o Solana Star de bandeira panamenha, com um grande carregamento de maconha se destinava ao Brasil, com destino final em Miami. Eram 22 toneladas de maconha embaladas a vácuo em latas de 1,5kg. 

O mandante da operação foi um criminoso de Aspen, no Colorado, que já havia patrocinado uma outra viágem antes desta, partindo do Panamá e seguindo para as Filipinas, via Vietnã, com um carregamento intorpecentes para Los Angeles.

Como o navio não foi capturado, a operação havia sido bem sucedida e muito lucrativa, o mandante ordenou uma segunda viagem, comandada pelo mesmo capitão de nome Archibald, que desta vez faria uma nova rota. 

Comporu um novo barco na Austrália, um atuneiro chamado Solana Star de 41m x 7m x 3m, capaz de deslocar 540 toneladas, com motor diesel de 1.500 HP e dois auxiliares de 350 HP. Rumou com seu novo barco para Bangkok, via Japão, onde o carregou a mercadoria, maconha acondicionada em latas de suco de toranja, de uma marca de fachada chamada “Berri”, criada especialmente para a operação. 

Uma vez carregado com as latas, dirigiu-se ao sul, pelo mar do Sul da China, com destino ao Rio de Janeiro.

Suco de Toranja Berri - marca fictícia das latas do verão de 1987

Caça Ao Solana Star e Operação Cata-latas

No dia 8 de agosto de 1987, às 10:00hs, saiu do porto do Rio de Janeiro a primeira missão de caça, a bordo de uma fragata da marinha brasileira em parceria com o DEA.  A operação não foi bem sucedida, pois o navio ainda não havia chegado em àguas territoriais brasileiras, estava no meio do atlantico devido a duas tempestades que acometeram o navio no meio do Atlântico.

Novos acontecimentos deram origem a uma nova operação de caça, devido à prisão em Miami do mandante do tráfico quando tentava embarcar em voo para o Rio de Janeiro. A inteligência da DEA indicou que a mercadoria deveria ser transferida para outra embarcação no litoral da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

Mais uma vez o delegado Mandim organizou uma operação policial em 28 de agosto de 1987, desta vez, fizeram uso do contratorpedeiro Sergipe, emprestada pela Marinha do Brasil - novamente a operação não teve sucesso.

Como aquelas latas foram parar nas praias?

O desfecho mais interessante surge com um relato do jornal A Tribuna de Santos no dia 19 de setembro de 1987, dizendo que no Guarujá, quando um varredor de rua que coletava lixo na praia das Astúrias se deparou com uma grande lata fechada, movendo-se para frente e para trás na espuma das ondas. Outras latas começaram a ser encontradas por pescadores no litoral de Guarjuá, Ubatuba e Ilha Bela, mais tarde, levadas pela maré começou a chegar também no Rio de Janeiro. Imediatamente iniciou-se um comércio clandestino das latas e seus conteúdos, promovida principalmente por pescadores que escondiam as latas em caixas de isopor cheias de peixes, sendo uma contravenção muito mais lucrativa do que a pesca.

No dia 14 de setembro, os tripulantes do Solano Star, foram avisados que a Policia Federal e a Marinha do Brasil e o DEA já sabiam da carga de maconha que estava a bordo, com medo de serem presos, os tripulantes - cinco americanos, um haitiano e um costarriquenho, despejaram as cerca de 15 mil latas contendo maconha no mar, e o episódio passou a ser chamado de "Verão da Lata", marcado na história brasileira.

Tripulação do Solana Star joga latas de maconha no mar

A história ganhou destaque na mídia e causou uma corrida entre curiosos e autoridades para ver quem as encontrasse primeiro, o fato de a maconha estar embalada em latas de metal semelhantes às de leite em pó tornou a situação ainda mais inusitada.

Solana Star despejando as latas no mar

Logo a situação ficou muito popular e cômica, alguns diziam que a lata, assim como acontecia com o marinheiro Popeye, mudava a realidade, trazendo poderes especiais à aqueles que as consumisse. Outros disseram que os contidos nas latas eram considerados de qualidade superior a qualquer outra coisa jamais vista. A história ficou tão marcante que inspirou livros, músicas e até mesmo uma mística sobre o assunto, no qual featas eram dadas com um ritual de abertura de latas em homenagem à qualidade do produto era realizado.

Apesar dos esforços das autoridades para apreender as latas e investigar o caso, apenas uma pequena fração foi recuperada pela polícia, pois sua grande maioria foi encontrada por banhistas e pescadores e posteriormente comercializada.

A Polícia Federal conseguiu recuperar 3.292 doses. Caso o produto final tivesse chegado aos traficantes de Miami, estima-se que a operação teria rendido US$ 90 milhões.

Desfecho

Dos sete tripulantes, seis escaparam pelo aeroporto do Galeão dois dias após chegarem ao Rio. Apenas o cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso e condenado a 20 anos de prisão, mas cumpriu apenas um ano no Brasil antes de ser extraditado. O navio envolvido no incidente foi apreendido e posteriormente leiloado, o Solana Star acabou sendo vendido após a conclusão da perícia no caso relacionado ao contrabando de maconha. Seu nome foi alterado para Charles Henri e, finalmente, Tunamar II, quando pertenceu à uma empresa japonesa de pesca de atum. 

O cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso

Estranhamente, o destino da embarcação estava ligado às àguas brasileiras. No dia de outubro de 1994 encontrou seu trágico final, naufragando a 8 milhas náuticas do Arraial do Cabo, no litoral do Rio de Janeiro (22º59'240"S / 41º57'250"O), resultando na morte de 11 tripulantes.

Em 2012, foi lançado o livro “O Verão da Lata: Um verão que ninguém esqueceu”, do escritor Wilson Aquino que aborda o assunto.

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

O Naufrágio do Príncipe de Astúrias em Ilhabela

O Príncipe das Astúrias danifica fatalmente o casco do navio nas rochas da Ponta da Pirabura, o naufrágio aconteceu em menos de 5 minutos

A Maldição da Ponta da Pirabura

Os Tupis que habitavam Ilhabela eram habilidosos navegadores e já conheciam a os mistérios que circundabam a perigosa Ponta da Pirabura. Não se sabe ao certo por que tem esse nome - em Tupi Antigo, "pira" significa peixe, e "bura" borbotão, borbulho, a palavra 'y-bura significa borbotão d'água, água que brota para cima.


Ponta da Pirabura e Praia da Caveira

Portanto o nome Pirabura poderia estar relacionado a fenômenos em que os peixes são jogados para fora da água durante as quebras de onda, possivelmente devido a bolhas ou agitação da água, sugerindo uma conexão direta entre o nome indígena e as características naturais do local.

Os moradores locais da ilha diziam que apenas um navio desafiou a Pirabura e saiu ileso, foi o britanico Western World no ano de 1931, "já perdemos as contas de quantos navios naufragaram naquele lugar, onde a água é profunda e a maré tem uma força descomunal, primeiro foi um navio inglês, depois o Astúrias, o Conca...".

Maenbipe

Não é apenas a Ponta da Pirabura que tem seus mistérios; toda a ilha é um grande enigma. Ilhabela já tinha seus relatos estranhos antes mesmo da chegada dos colonizadores. A primeira referência que temos é como os Tupi a chamavam - Maenbipe, o próprio nome é um mistério.

No texto do livro de Hans Staden é mencionada a Ilhabela, ou Maenbipe

Na sua tradução para o holandês, o livro Hans Staden van Homborgs Beschrijvinghe van America, lê-se: "Eu fui assim sozinho, e ninguém prestou atenção em mim, e poderia ter facilmente escapado da corda, pois eu estava em uma ilha chamada Mayenbipe, a qual está a cerca de 10 milhas de distância de Brikioka, mas mais tarde, por causa dos cristãos capturados, dos quais ainda havia quatro vivos, pois pensei, se eu escapar, eles ficariam irritados" (Ich ginch fo alleen/ende niemant en achte opmp/ ende hadde die repse kwel honnen ontloopen/want ich was op een Eplandt Mayenbipe genaemt/'r welchon trent ro. Mijlen meeglis ban Brikioka is/ maer lieter om de ghevangen Christenen wille/ban ben welchen noch vier levendigh waeren/want ich dacht/ontloope ick paer/so wozdenie toornigh)..

Brikioka era como os Tupi chamavam o trecho que ia de Bertioga a São Sebastião (mbyriky-oka, reduto dos muriquis, macacos grandes e alvos que vivem na região). Já Maenbipe não faz muito sentido com nenhuma palavra do Tupi Antigo, talvez ... (E)ma'ẽ-e'ymumẽ, que em tupi significa "Não deixes de olhar (para mim)". Realmente não tem como não olhar para aquela belezura no meio do oceano.

Talvez Maembipe seja o que os linguistas chamam de "contínuo dialetal", caso em que várias línguas e dialetos relacionados, onde duas regiões próximas falavam idiomas muito parecidos, e distantes falavam de forma mais diferente. 

A tradução que mais me agrada é Mbaembype, de (Mba’e) “algo”, (mbype) “coisa que está perto”, referindo-se a ilha que está tão perto que pode-se nadar até ela, coisa que eu já fiz algumas vezes quando jovem.

Sem levar em consideração a fonética Tupi, alguns estudiosos dizem que o nome tem o significado de “montanha que surge no canal”, ou “local para troca de prisioneiros”, que faz muito sentido pois na tradição de guerra entre falantes do Tupi (Tupi versus Tupinambá) Ilhabela (ou Maenbipe) seria um local neutro, tipo Casablanca dos Tupi.



O Naufrágio do Príncipe de Astúrias

O Príncipe de Astúrias, era uma paquete construído pela Pinillos Izquierdo y Cia., era o maior e mais luxuoso navio feito na Espanha em 1914, tinha um irmão gêmeo, o Infanta Isabel, ambos tinham um comprimento de 150,8 metros de comprimento, casco duplo, boca de 19,1 metros e calado de 9,6m, motor a vapor do tipo Quadruple Expansion Engine de 8000 hp, que desolocava 16.500 toneladas burtas, alcançando velocidade de 18 nós (33 km/h). Lançado ao mar em 30 de abril de 1915, costumava partir de Barcelona todo dia 17 de fevereiro de 1916 rumo a Buenos Aires. 

Diagrama do Píncipe de Astúrias em Corte

É importante notar que o mundo enfrentava sua Segunda Guerra Mundial, embora os submarinos alemães estivessem atacando navios no Oceano Atlântico, não estavam envolvidos neste caso. 

Última Celebração: Foliões se divertindo na escadaria central do Príncipe de Astúrias durante um animado baile de carnaval, inconscientes de que em poucas horas o navio se chocaria com as rochas da Pirabura e naufragaria, marcando o fim trágico de muitas vidas.

O Príncipe de Astúrias estava em sua sexta viágem para a América do Sul, já havia passado pelo litoral do Rio de Janeiro e no sábado dia 4 de março chegava próximo à Ilhablea, um baile de carnaval animava os passageiros do lado de dentro do navio enquanto uma forte tepsetade castigava o lado externo. Águas revoltas agitavam as ondas, raios iluminavam os céus, durante a passagem do sabado para o domingo de Carnaval, dia 5 de março de 1916.

Em verde a rota orginal que o paquete deveria seguir e em vermelho a rota alterada 

De acordo com alguns relatos, o navio mudou misteriosamente de curso, contornando a ilha dos Búzios, e parou nas primeiras horas da manhã para descarregar uma carga misteriosa em outro navio em meio à tempestade.

O naufrágio do Príncipe de Asturias acoteceu em menos de 5 minutos após ter colidido com as pedras da Ponta da Pirabura, a tripulação só conseguiu soltar o bote salva-vidas de número 18, e 17 pessoas imediatamente pularam nele.

Continuando a viagem, o navio passou pela Ponta da Pirabura a uma velocidade de 4 nós (o farol que vemos hoje só foi instalado em 1932). Como no filme Titanic, o primeiro oficial Rufino y Ouzain Urtiaga pergunotu "é terra?" ao avistar as rochas às 04:02hs.

O Capitão José Lotina não estava na ponte na hora do ocorrido, o primeiro oficial Rufnio ordenou ao piloto, Antonio Salazar Linas correr para o telégrafo (engine room telegraph - uma alavanca com diversas posições, que por um sistema de cabos e sinetes, avisava a casa de máquinas o que fazer), e passar instruções a casa de máquinas:

"Toda força à ré, ...todo leme a boreste" (outra forma de dizer "estibordo", o lado esquerdo do navio, sendo o lado direito, onde estavam as pedras chamado de "bombordo), mas não houve tempo hábil para manobrar o navio para longe das pedras, que foram atingidas precisamente às 04:08 hs. 

Ao atingir a lage, um profundo rasgo de aproximadamente 40 metros foi feito no casco do navio, inundando imediatamente os decks inferiores.

Com a inundação na casa das máquinas, a caldeira explodiu provocando um incêndio. Por fim, o navio afundou em apenas 5 minutos. 

A tripulação só conseguiu soltar o bote salva-vidas de número 18 , e 17 pessoas imediatamente pularam nele.

Mesmo só tendo um escaler na água, marinheiros corajosos deixavam os sobreviventes nas pedras da Pirabura, em um trecho onde as ondas estavam mais calmas e voltaram algumas vezes para regatar mais sobreviventes, muitos morreram nas àguas escaldantes da caldeira que se espalhava pelo mar, salvando-se apenas aqueles que rapidamente se afastarm para o alto mar, conforme relata Jeannis Michail Platon, em seu livro Ilhabela Seus Enigmas de 2006.

Dos heróis destaca-se Doña Marina Vidal, espanhola de 26 anos, que mesmo tendo asma, nadou a madrigada toda e salvou 4 pessoas, inclusive o único brasileiro a bordo, o Sr. josé Marins Viana.

Ao final apenas 111 passageiros foram salvas dos 588 registrados a bordo em sua contágem oficial, más há relatos de que alem dessas, havia ainda mais de 800 clandestinos, foragidos da guerra que assolava a Europa, sem contar os foguistas e carvoeiros que não foram listados como parte da tripulação.

No dia seguinte, a embarcação mais próxima que recebeu os pedidos de ajuda, o vapor francês Vega, da Societé General de Transportes Maritimes, chegou ao local do desastre. Seu comandante Augusto Poli ordenou que toda a tripulação participasse do esforço de resgate, que ocorreu durante todo o domingo. 

Espelho do Príncipe de Asturias no Museu de Ilhabela

Oficialmente, 477 pessoas morreram e seus corpos foram regatados e levados ao necrotério do Saboó, em Santos, mas alguns afirmam que o número total de mortos foi muito maior, pois acredita-se que cerca de 800 passageiros clandestinos estavam escondidos nos conveses inferiores. Alguns dias depois, copros insepultos começaram a aparecer na praia das Toninhas em Ubatuba.

Uma força tarefa foi enviada para resgatar corpos que aparecima em toda costa leste da ilha e os enterraram em vários pontos, dentre os quais, a Praia da Serraria e a Praia da Caveira.

Entre as cargas valiosas, as Astúrias tinham em seu romanieo de carga 40 milhões de libras esterlinas em barras de ouro, pertencentes ao governo britânico, em um cofre recém-instalado no navio, obras de arte, entre elas a escultura em bronze "La Carta Magna Y Las Cuatro Regiones Argentina", com destino à Argentina.

Há relatos divergentes sobre o destino do Capitão e de seu primeiro oficial, alguns dizem que eles se suicidaram com tiro na têmpora, existe um código de orgulho náutico quando os comandantes percebem que cometeram erros que tornam o naufrágio iminente.  Outros, no entanto, afirmam que houve uma transferência de carga para um navio menor, que chegou a ser avistado por alguns sobreviventes próximos ao navio naquela noite, talvez para aliviar a carga diante do erro percebido, ou mesmo porque estavam envolvidos em algum tipo de ação criminosa, e fugiram com o fruto do roubo, uma situação muito plausível já que o ouro dos cofres nunca foi encontrado.

Salvatágem do Principe de Assturias

A busca pelo tesouro naufragado do Príncipe de Astúrias sempre instigou a imaginação das pessoas, mas o mar, com sua visibilidade limitada, a profundidade de 30 metros, que requer descompressão e fortes correntes, tornava o trabalho de mergulho muito técnico e extremamente desafiador. 

Desde o naufrágio várias missões de salvatágem (nome dado ao resgate de valores de desastres) foram realizadas, más só a partir da década de 1940, que começaram a ser feitas em parceria com a Marinha do Brasil.

A primeira expedição famosa para tentar resgatar o naufrágio ocorreu em julho de 1951, financiada pelos irmãos Fialdini a bordo do rebocador São Bento. 

A lenda do mergulho, Werner Krauss em seu escafandro

Os mergulhos com escafandro apenas foram suficientes para o resgate de lingotes de chumbo e parte da hélice de bronze. 

Em 1955, foi a vez do empresário Adolpho Melchert de Barros, que contratou a lenda do mergulho, Werner Krauss, o investimento foi tão grande que até um teleférico foi construído para o transporte de peças resgatadas.

A primeira incursão de Krauss foi em 11 de abril de 1955, foi a série de megulhos mais frutífera, com lingotes de estanho, peças da cozinha como pratos e talheres, e até uma cabeça de boneca. Infelizmente, o uso excessivo de dinamite causou danos significativos à estrutura do navio, comprometendo possíveis obras de arte e louças. Para se ter uma idéia, apenas para remover a hélice, foram necessárias 100 bananas de dinamite para separá-la da estrutura.

Em 1974 foi dada a largada para a terceira fase de mergulhos, com Jeannis Michail Platon no comendo, com investimento bem maior do que todos os outros. Para se ter uma idéia, trouxeram até o navio de pesquisas Stena Constructor, famoso por ter sido usado para resgate da Chellenger.

Más o fato é que não havia tesouro! o ouro e outras peças de valor nunca foram encontradas, (ao menos não de forma oficial).

Localização dos Destroços do Príncipe de Astúrias

É bem possível que alguns valores tenham sido encontrados por um grego chamado Wlazios Diamantaraz, que fez vários mergulhos na Ponta da Pirabura e em certo momento desapareceu. 

Os locais também relatam as investidas de um senhor apelidado de "o Gringo", que orientado por um guia espiritual, fez vários mergulhos na região, alguns deles patrocinados por um empresário português. No final, quando o português foi cobrar os frutos de seus mergulhos, disse que "o guia espiritual havia se enganado" e também desapareceu.

Nas missões oficiais apenas duas das quatro estátuas foram resgatadas - uma se encontra hoje na Ilha das Cobras e outra no Parque Palermo, em Buenos Aires.

Os garfos retorcidos em naufrágios de navios a vapor antigos podem ser atribuídos ao contato com a água escaldante da caldeira. O calor extremo poderia facilmente deformar e retorcer os talheres de metal, especialmente se estivessem expostos por um período prolongado durante o naufrágio. Essa explicação parece ser uma das razões mais prováveis para o fenômeno. - Museu de Ilhabela

Recentemente, os destroços do navio foram dinamitados a 15 a 30 metros para abrir passagem para navios na região.

Praia da Caveira

Nos primeiros dias após o naufrágio, vários corpos chegaram às praias do lado leste da ilha, principalmente na bahía dos Castelhanos, dentre elas a Para da Caveira, a 5km do acidente.

Ossadas encontrados em praia de caveiras em Ilhabela

A Praia da Caveira, conhecida como a única praia deserta em Ilhabela, está intimamente ligada ao trágico naufrágio do transatlântico Príncipe das Astúrias, lendas locais afirmam que as almas dos náufragos ainda assombram a praia, afastando os visitantes e contribuindo para sua solidão.

Curiosamente, o nome Praia da Caveira já era conhecido antes do naufrágio por esse nome, confomre anotado em vários mapas que antecedem o naufrágio. Uma lenda conta que um navio negreiro, ao passar atrás da ilha, afundou; todos os tripulantes, escravos, morreram e seus corpos ficaram boiando. Um padre que passava de barco pelo local viu os corpos e os enterrou debaixo de uma enorme figueira, ai então os moradores da Ilha afirmam que, às seis horas da tarde, ao passar perto daquela figueira, ouvem "vozes dos defuntos".

Apesar de sua reputação sombria, suas águas claras atraem mergulhadores que praticam a pesca submarina. Além disso, possui aproximadamente 300 metros de extensão de areias claras que garantem seu aspecto paradisíaco.

Até hoje, existem muitas lendas sobre a Ponta da Pirabura, inclusive a crença em uma força magnética desconhecida na região que desorienta bússolas e afunda navios, conhecida como 'Desvio Magnético'. O chefe da Capitania dos Portos de Santos da época defendia o Capitão Lotina afirmando que o vapor francês 'Vega' também foi parar entre a Ilhabela e a Ilha de Buzios, quando a rota normal deveria passar a 15 milhas a leste das ilhas, na segurança do mar aberto.

terça-feira, 23 de julho de 2024

Cerimônia do Prêmio Mérito Homem Voa 2024

 

A cerimônia do Prêmio Mérito Homem Voa (saiba mais), realizada no último sábado 20 de Julho, aniversário do 151° ano de  nascimento de Santos=Dumont, no Museu Catavento, foi um evento repleto de homenagens e celebrações, destacando a excelência científica e tecnológica no Brasil. A seguir, apresentamos os principais momentos da cerimônia.

Henrique Lins de Barros, decano fundador do Instituto Cultural Santos=Dumont, ao lado de Luiz Pagano, criador do prêmio Mérito Homem Voa, e do homenagiado, Porfessor Migeul Nicolelis. "Muito feliz em ver que algo que começou como um 'precisamos fazer algo para aumentar a autoestima do brasileiro com relação à ciência', hoje, 10 anos depois, se transformou neste evento". Disse Pagano.

A abertura do evento marcou o início de uma noite memorável, a cerimonialista da aeronáutica, representando o Instituto Cultural Santos=Dumont, registrou e agradeceu a presença das autoridades e convidados, cujos nomes foram listados em um anexo específico.

Hinos

A cerimônia seguiu com a execução do Hino dos Aviadores, uma homenagem à aviação brasileira e ao legado de Santos=Dumont, e em seguida, todos os presentes foram convidados a cantar o Hino Nacional Brasileiro.

O anfitrião, arquiteto Ricardo Pisanelli, fez uso da palavra para dar as boas-vindas aos presentes e agradecer a presença de todos. Jacques Kann, diretor executivo da Catavento Cultural e Educacional, destacou a importância da parceria com o Instituto Santos=Dumont.

No foto, o Professor Nicolelis recebe o prêmio das mãos de Alexandre Villares e Alberto Dumont Villares Neto, membros da família de Alberto Santos=Dumont

O Comandante do Quarto Comando Aéreo Regional, Major-Brigadeiro Luiz Cláudio Macedo Santos, ressaltou o legado de Santos=Dumont e a importância do evento. Alexandre Barrozo Amaral Villares, sobrinho-bisneto do Pais da aviação enalteceu a relevância do prêmio e do evento.

Protocolo do Prêmio Mérito Homem Voa

Luiz Pagano, artista e criador do prêmio, explicou o conceito e a importância do Prêmio Mérito Homem Voa, destacando sua simbologia e conexão com a figura de Santos=Dumont. O professor doutor Tarcísio Roberto Barbosa, presidente do Conselho Consultivo do Instituto, apresentou a justificativa para a escolha do homenageado e leu o currículo do professor Miguel Nicolelis.

Considerações do Decano do Instituto

Dr. Henrique Lins de Barros, fundador e decano do Instituto ao lado de Marcos Villares (que não estava presente no evento), fez suas considerações sobre o legado de Santos=Dumont e a importância da ciência no Brasil.

Entrega do Prêmio

O momento mais aguardado da noite foi a entrega do prêmio ao homenageado, professor doutor Miguel Nicolelis. Alexandre Villares e Alberto Dumont Villares Neto, membros da família de Alberto Santos=Dumont, fizeram a entrega do diploma.

Neiva Paraschiva fez suas considerações antes da entrega do certificado de Realizador Mérito Homem Voa, destacando a importância do reconhecimento das contribuições científicas brasileiras.

Palavras do Homenageado

O professor Miguel Nicolelis, visivelmente emocionado, fez um discurso inspirador, expressou sua felicidade por ser comparado a Santos=Dumont,  ambos desafiaram o status quo de seu tempo, mostrando que o que é tido como impossível pode ser realizado. Nicolelis mencionou novamente sua avó, Dona Lygia, que o incentivou na leitura, nos estudos e a conhecer sobre Santos=Dumont.

Para as considerações finais e agradecimentos aos benfeitores, foi chamado o professor Ricardo Jacob de Magalhães, presidente em exercício do Instituto Santos=Dumont. Ele agradeceu a todos os envolvidos e destacou o sucesso do evento.

Encerramento

O evento foi encerrado com uma celebração do legado de Santos=Dumont e a promessa de continuar promovendo a ciência e tecnologia no Brasil. Os presentes saíram inspirados pelas histórias de superação e inovação que encheram a noite de orgulho e esperança.

domingo, 2 de junho de 2024

Tibiriçá, João Ramalho, e Anchieta - Amigos que Fundaram São Paulo

 
Aqui uma cena de antes da chegada dos portugueses, na qual o pajé celebra um ritual de guerra enquanto Tibirçá e Potira jantam e bebem Cauim, ao lado de moradores da aldeia do Inhapumabuçu - A vida na comunidade paulistana era tão Tupi quanto qualquer outra. Com a chegada dos jesuítas criou-se um enorme choque civilizacional de tradições e costumes, principalmente no que diz respeito aos rituais de guerra, ao canibalismo e outos costumes ditos 'gentios', o papel  de lider espiritual das aldeias Tupi  dos pajés, sofreram uma extensa campanha de descrédito por parte das missões jesuitas.  

A vida na aldeia de Inhapuambuçu antes da chegada dos Jesuítas

No convívio entre os padres jesuítas e os indígenas da antiga Aldeia de Piratininga, hoje São Paulo, é comum que surjam diversos preconceitos. A imagem de inimizade entre os indígenas e os portugueses contrasta com a realidade de uma relação baseada em confiança mútua e cooperação. 


Quando exploramos a dinâmica dessas interações, revela-se uma história rica e complexa, que vai além das narrativas históricas convencionais.

A região onde hoje está localizado o centro histórico de São Paulo, também chamada de triângulo histórico, formada pelo riacho Anhangabaú a oeste, seguindo seu curso até encontrar o rio Tamanduateí, que passava ao lado de uma ampla várzea, chamada pelos portugueses de Várzea do Carmo, até encontrar o rio Tietê. A base do triângulo era onde hoje fica a Praça da Liberdade, onde existia o chamado Morro da Forca, que os indígenas chamavam de Inhapuambuçu.

Padre Anchieta descreve bem a geografia e os primeiros dias de convivência com os indígenas no livro Anchieta de Celso Vieira:

"...Erguido pelos índios, o pouso dos jesuítas era uma cabana minúscula, feita de táipa, e coberta de colmo, um tecto imperceptível na lomba do planalto que, entre os ribeiros Tamanduateí e Anhangabaú, se configurava em cidadela triangular, cujos bastiões fossem escarpas. Do viso dessa acrópole rude preeminência de vinte e cinco a trinta metros, desvendava-se todo o horizonte, a várzea dilatada, o curso do Tietê, subindo e srpeando, as veredas transitáveis não abriam mais de quatro portas à cidadela - duas ao norte, duas ao sul, vigiadas as primeiras, no vértice do triângulo, pela fôrça de Tibiriçá (o pripcipal Martin Affonso), defendidas as segundas, na base, pela gente de Caiubi, velho e fiel cacique. 

Olhos d'água brotavam pelas encostas, pelos barrancos de schisto e grez entre os morros contíguos, perdia-se o cabeço dominante na espessura da mata virgem, sob névoas; 

Visualização Topográfica da Acrópole de São Paulo em 1560, formada pela união dos rios Anhagabaú e Tamanduateí, tendo coo base do triângulo o Morro do Inhapuambuçu, com cerca de 30m de altura.

Ao poente, verdejavam terras umbrosas de caça e fruto com os ,seus pinheirais, as suas colméias, bandos de garças róseas ou níveas à orla das lagoas.

O abrigo dos religiosos media quatorze passos de comprimento por dez ou doze de largura: tinham eles aí, conjuntamente, igreja, escola, dormitório, enfermaria, refeitório, casinha e dispensa. Mas não invejavam a pompa dos castelos reais, lembrando que um estábulo fora bastante à divindade infantil de Jesus, um crucifixo à redenção do mundo. Logo depois, com auxílio dos irmãos e dos íncolas, o padre Afonso Braz encetou, dirigiu a construção do colégio e do tempio, arquitectura lavrada em pedra vermelha de limonito. No dia de Todos os Santos, em 1556, os jesuítas inauguraram processionalmente a sua nova igreja.

E à sombra do templo, confiantes, já se aglomeravam as casas de táipa dos indígenas. Durante a, noite, como se .abrigassem nessa estreiteza e penúria vinte homens ou mais, entrechocavamse as redes suspensas do travejamento. Sem agasalho, os irmãos regelados tiritavam sob a invernibrava, entorpecidos já pelo sono, ou se comprimiam, aquecendo-se uns aos outros, macilentos na sua roupeta, derredor do braseiro escassamente nutrido". 

Quando pensamos nos padres jesuítas no Brasil, geralmente vem à cabeça velhos de batina tentando forçar os indígenas a fazerem coisas que não querem. Mas esta é uma visão extremamente distorcida dos fatos, a história dos jesuítas no Brasil foi muito mais legal do que as narrativas históricas nos contam.

“Esses apóstolos eram conquistadores desarmados e também, como Nóbrega, estadistas sem alvará régio. Servido pelos arroubos de uma alma poética, e posto em contacto com aquela humanidade bárbara, o misticismo de Anchieta fez dele uma espécie de Orfeu cristão, encantador e domador de feras.”cita Celso Vieira cem sua obra Anchieta”.

Para se ter uma ideia das dificuldades, imagine quantas pessoas nos dias de hoje se perdem na mata atlântica de São Paulo e do Rio de Janeiro, uma pequena fração restante da floresta de todo o território brasileiro, mas ainda assim, de enorme tamanho, inconcebível para nos urbanos.

Alguns que se aventuram a andar por essas trilhas de hoje, se perdem e passam dias na mata sem encontrar sequer um local ou um palmiteiro clandestino, muitos não são nem encontrados e acabam morrendo em meio aos elementos naturais que não domina. 

Agora imaginem esse mesmo cenário, quando a toda a área continental  brasileira ainda não estava desbravada, com Tapuias, Carijós e Tamoios, etnias altamente beligerantes, que conheciam muito bem suas regiões, todos tão antropófagos quanto os Caetés que devoraram o Bispo Sardinha ou os Tupinambás, que mantiveram Hans Staden na aflição de ser devorado por vários meses.

Muitos podem dizer que os textos antigos mencionam os Carijós como povos afáveis, que prenderam a criar aves e eram bastante aptos à conversão. De fato eram os menos agressivos, no entanto, também eram guerreiros e praticavam o canibalismo, Seu melhor exemplo é que ficou conhecido como “o martírio dos os irmãos Pedro Correia e João de Souza”, que numa viagem de São Paulo a Cananéia acabaram vitimas dos Carijos. 

Anchieta enfrentava todas essas adversidades com uma coragem e fé inabaláveis. Ele compartilha um sonho inspirador, no qual a Virgem Maria o assegurava de que não morreria até que sua missão no Brasil estivesse completa. 

Em um relato de Simão de Vasconcelos, descreve-se uma situação dramática: No trecho do Livro III da Chronica da Companhia de Jesu, Padre Nobrega e seus companheiros enfrentam perseguição por parte dos servos de Deus que tramam contra suas vidas. 

Eles tentam escapar em uma canoa, mas são descobertos e ao o tentarem alcançar a aldeia, são auxiliados por um índio que os leva para a casa do Principal Pindobuçu. No entanto, quando os adversários se aproximam da casa.

Sem hesitar, Anchieta descide colocar Nobrega nas costas e empreender uma corrida morro acima por quilômetros, numa trilha íngreme. Foi um gesto de força, destemor e solidariedade, que demonstva não apenas sua determinação incansável, mas também seu compromisso inabalável com a missão evangelizadora no Brasil colonial. 

Más devido à fragilidade das costas de Joseph, acabaram caindo na água.

A imagem de Anchieta está sempre associada a um velho de cabelos brancos. Ao contrário do que é mostrado nos livros de história, a maior parte de seus feitos ocorreu entre os 20 e 30 anos. O Padre Anchieta era um jovem de olhos azuis, com muita força, (aqui aparece correndo com Nóbrega nas costas, conforme relatado por Simão de Vasconcelos) nascido em 19 de março de 1534, filho de pai português e mãe descendente de Guanche das Canárias, ele mesmo também era fruto da mistura entre colonizadores e colonizados.

A força de Anchieta estava no espírito, não em seu corpo - qundo noviço, Anchieta ajudava de 8 a 10 missas por dia, às vezes mais, e todo esse esforço físico e mais um acidente em que uma escada caiu sobre sua coluna, fizeram os biógrafos concluirem que Anchieta tinha uma a saúde debilitada, com uma forte escoliose que lhe causava dores frequntes. 

Anchieta era o perfeito exemplo de como um homem de grandes estudos conciliado a extrema vivencia de campo, consegue fazer a diferença.

Tibiriçá (batizado Martin Afonso) e Anchieta ainda enfrentaram o canibalismo em São Paulo de Piratininga

"...Ainda no livro Anchieta, Celso Vieira descreve terríveis acontecimento me São Paulo de Piratininga:

Não raro, embocando a inúhia, um chefe tamoiô soprava a discórdia, e ao encontro da turba-multa, que se aproximava de Piratininga, saíam os catecúmenos. Em uma dessas refregas, intimidados pela fôrça dos contrários, já os cristãos desfalecem, quando a mulher do capitão da aldeia, benzendo-se, exorta os seus à peleje e recomenda o gesto simbólico. Ao sinal da cruz, foge o inimigo, salvando-se todos os guerreiros cristãos, excepto dois, que não se haviam persignado. Nas sombras da noite, porém, os vencidos tornam como as hienas, desenterram os cadáveres, que êles supõem dos vencedores, largados no campo de batalha, donde os arrastam sofregamente para a sua taba. 

Farejando a nudez terrosa dos corpos ainda sangrentos, bebem, dançam. Mas através da neblina, como através de um sudáirio, transluz vagamente o dia, sob o palor da manhã funérea, com espanto, os canibais reconhecem na lívida face dos mortos arrancados á sepultura os seui próprios amigos ou parentes· ...."

Aqui é importante mencionar o contexto do evento.

Neste trecho, Celso Vieira descreve um terrível acontecimento em São Paulo de Piratininga, no qual uma mulher, esposa do capitão da aldeia, incentiva os cristãos a enfrentarem uma turba hostil. Durante o confronto, os cristãos são inicialmente intimidados, mas ao fazerem o sinal da cruz, o inimigo recua. No entanto, durante a noite, os derrotados retornam e desenterram os cadáveres dos cristãos, supostamente deixados para trás no campo de batalha, arrastando-os para sua aldeia.

O texto em português arcaico pode oferecer alguns desafios ao leitor; o termo "embocar a inúhia" é uma expressão antiga que significa assumir uma atitude de hostilidade ou agressividade, especialmente ao desafiar ou confrontar alguém. Nesse contexto, o "cheif é tamoiô" está incitando a discórdia e confrontando a turba que se aproxima de Piratininga.

Em 29 de agosto de 1553, Anchieta ofereceu o batismo católico a 50 'catecúmenos', indígenas locais, a maioria crinaças,  que já haviam optado por adotar a cultura dos padres e abandonar seus rituais locais, incluindo a antropofagia como parte de um intrincado código de guerra entre etnias beligerantes para se tornarem "indígenas conversos" ao cristianismo.

Tibiriçá (batizado Martin Afonso), Nobrega e Anchieta interrompem um Ritual de Antropofagia na São Paulo de Piratininga - Anchieta desamarra o Guainá enquanto Martim Afonso, Tibiriçá convertido, chuta os vasos de Cauim e assustam as Velhas necrófagas desdentadas.

"Outras vezes, inopinadamente, sobrevinha o refluxo da alma colectiva, naquela estância devota, aos apetites canibalescos e às práticas inumanas. Tendo apresado, em guerra, um valente e polpudo guaianá*, resolveram matá-lo e comê-lo os índios conversos de Piratininga. Não tardaria o sacrifício, para o qual estava já revestido e empenachado o sacrificador, quando surgiram no terreiro o pâdre Nobrega e o irmão Anchieta, despertados pela grita dos catecúmenos em festa. Mas bradaram em vão contra o pecado mortal da antropofagia, cometido à porta do templo: nada queria ouvirlhes o principal Martin Afonso, outra vez Tibiriçá, dirigindo os preparativos da cerimonia. 

Velhas necrófagas, desdentadas, amontoavam lenha para a fogueira derredor do guaianá, disposto a morrer corajosamente, prosseguiam descantes, libações e rondas. Então, num soberbo impulso de humanidade, Anchieta e Nobrega, rompendo através do terreiro, desligaram o índio cativo, afugentaram as bruxas, extinguiram o fogo crepitante, despedaçaram as panelas de barro e as talhas de vinho. Tibiriçá, o principal, bateu o arco e os pés no meio da horda. Seriam dalí expulsos os religiosos, que assim perturbavam a desafronta dos guerreiros da tribo. Mas venceu ainda nesse recontro ele evangelisadores e carniceiros a eloquência do irmão Anchieta, domando os instintos ferozes: no dia seguinte, arrependido, Tibiriçá, outra vez Martin Afonso, e todos os seus índios violentos cairam de novo aos pés dos missionários.

De quando em quando, a tragédia relampeava sôbre o catolicismo de Piratininga, dava aos jesuítas a surpresa das emoções teatrais. Certo índio fôra convidado pelo irmão a procurar com êle um grande pagé, que em 1557 fazia o espanto dos sertões, arrebanhando tribos ingênuas e medrosas. Sob o olhar do feiticeiro, dardejante como o de um fakir, os mais impetuosos na guerra estremeciam; um rôlo de fumo, que lhe sais se da bôca, transmitia o poder dos espíritos malfazejos.

Êsse tremendo pagé, inimigo dos cristãos, ameaçava Piratininga, e como O índio tentado pelo irmão já entrevisse a luz verdadeira, já escutasse os padres, não aceitou o convite.

Ao anoitecer, tonto de vinho** e ódio, o selvagem repelido esfaqueia três vezes o outro. Cuidando que houvessem rixado pela mulher do primeiro deles, a sogra investe contra a nora. Mordem-se as duas como feras. Do fundo escuro da taba precipita-se um moço, querendo aparta-las, mas a; velha enfurecida lhe erava no estômago duas flechas. Tràgicamente, ao vê-lo morto, foge para o negrume da selva, brandindo aceso um tição, clamando. 

Volta pouco depois, sem gritos, pede com humildade e tristeza que a matem, para não atrair sôbre os filhos a vingança da parentela do morto. Na manhã seguinte, à beira da sepultura, que êle próprio rasgára, o seu primogênito enlaça e enforca serenamente a velha índia, depõe os dois cadáveres na mesma cova, abaixo o da, criminosa, acima o da vítima,e o esquecimento cái sôbre os despojos, lúgubre, com a mancheia final de ter,ra. É a paz entre vivos e mortos, inquebrantável. Só então, satisfeito com o matricidio, repousa CI gênio cruel e vingador da tribo". 

- Carta, de 1,o de junho de 1560.
- Cartas quadras, de maio a setembro de 1554. 

*Os índígenas guaianás, também conhecidos como guaianases (do tupi antigo gûaîanã), foram um agrupamento indígena sul-americano que povoou regiões entre São Paulo de Piratininga e o Uruguai até o final do século XVI.

**O "vinho" mencionado por Vieira no texto era o Cauim, uma bebida alcoólica fermentada feita de mandioca, que os indígenas preparavam para ocasiões festivas e se embriagavam com ela. Em um dos poemas de Anchieta escrito em tupi, ele parece ser mais permissivo com o consumo de bebida alcoólica, porém, mesmo assim, seu consumo não é relatado após 1560. 

Nesse poema em Tupi antigo, Anchieta nos transmite a relação do Cauim com os indígenas de Piratininga.

Xe rekó iporangeté, 
Naipotári abá seytýka, 
naipotári abá imombýka. Aipotakatú teñé opabi tába mondýka.

Mbaé eté kaú guasú kaûĩ mojebyjebýra. 
Aipó sausukatupýra. 
Aipó añé jamombeú, 
Aipó imomorangimbýra!

Serapoã ko mosakára ikauinguasúbae. 
kaûĩ mboapyareté, 
aé maramofiangára, 
marána potá memé.

A tradução seria:

Meu estilo de vida é muito agradável, 
Não quero que seja constrangido 
Não quero que seja abolido, pretendo alvoroçar todas as tabas - aldeias

Boa coisa é beber o cauim até vomitar, 
isso é apreciadíssimo, 
isso se recomenda, 
isso é admirável!

É aqui que se mostram os verdadeiros os "moçacaras" beberrões
Aquele que bebe o Cauim até se esgotar,
Esse sim é o valente'
O ávido por batalhas.

Ao estudante de Tupi Antigo, vale pontuar algumas notas:

1- Xe rekó pode ser traduzido como 'o meu agir ', 'o meu modo de ser/existir' (erekó  - v. tr.  - fazer estar consigo);

2-Vocabulário usado por sequência:
Kaûĩ - cauim (bebida)
Naipotari - não quero
Mombuca- arrebentar, furar 
mondýka - queimar
Teñe - ainda que, não importa, de fato, muitíssimo 
Opab- todas (opabi tába) todas as tabas
Moiebyr (ou moieby) (etim. - fa.zer voltar) (v. t r.) - vomitar:
Aipó - isso
Sausukatupýra - é apreciadíssimo
Sñé - isso
Jamombeú - é recomendado
Imomorangimbýra - é admirável
Ikauinguasúbae - bebem até se esgotar
Mboapy (v. tr.) - esvaziar, esgotar: Oimboapy abá kuiaba ...mboapyareté - até que se esgote
Maramofiangára - é para a guerra
Marána - guerra
potá - é ávido por
Memé - luta

3-Maçacaras" ou  "mosakara" [são homens importantes da aldeia, ou homem branco nobre] 


A Primeira Família Miscigenada

Foi na Aldeia do Inhapuambuçu (local elevado que se vê ao longe em Tupi antigo) que se formou a primeira família miscigenada do Brasil, o indígena Tibiriçá e seu genro português, o misterioso João Ramalho, casado com Potyra, vindos de uma vila mais próximo a Serra do Mar , chamda Santo André da Borda do Campo.

Os Tupi viviam uma vida cheia de tradições incríveis! Eram mestres na arte plumária, na cestaria, e seus rituais com caju, pesca e mandioca eram realmente impressionantes. 

A história desses tempos antigos foi passada oralmente, já que os povos da região não tinham escrita. Mas, através dos estudos dos jesuítas, verdadeiros cientistas de batina, os arqueólogos e até mespo pela toponímia, estamos descobrindo mais e mais sobre o idioma e a cultura desse período .

A chegada de João Ramalho mudou bastante a dinâmica social da aldeia, misturando duas culturas diferentes e iniciando um processo de intercâmbio cultural.

* Inhapuambuçu - “y”  rio lago 

i(nh)apu'ãm-busú o grande cume ou y(nh)apu'ãm-busú 

apuana (s.) - altura, elevação (de voz etc.); (adj.: apftan) - elevado, alto (fal. de voz): Xe nhe'engapuan. - Eu sou de voz alta, eu levan to a voz. (VLB, 1, 133)

-.-.-

Essa questão nos leva a um capítulo fascinante de nossa história, segundo relatos de viajantes como Lery e Staden, as tradições Tupi eram marcadas pela beleza da arte plumária, da cestaria, por rituais incríveis envolvendo o caju, a pesca e o cultivo da mandioca, uma beligerância peculiar na qual primos etnológicos distantes se envolviam em embates sangrentos por vezes encobertas por um complexo código de guerra, que geralmente terminava em rituais de antropofagia e embriaguez com Cauim, uma bebida fermentada de mandioca.

Tibiriça e Potyra, antes de serem conversos,  certamente viveram uma vida Tupi tal qual tdos os outros Tupi.

Como as histórias dos antepassados de nossos fundadores foram transmitidas apenas pela tradição oral (os povos originários da região que corresponde ao Brasil não praticavam a escrita nem a leitura) todos os acontecimentos do Inhapuambuçu desde os tempos antigos se perderam no tempo.

Capítulo 1: Como os Tupi chegaram a São Paulo?

A Aldeia do Inhapuambuçu teve sua localização escolhida com base em sua topografia, hidrografia, matas e aspectos geomânticos favoráveis, tornando-se não apenas o local ideal para a criação de uma vila há 2.000~3.000 anos, um centro português de catequese jesuítica, como também para a fundação da Vila de São Paulo de Piratininga, que se tornaria a maior e mais importante metrópole da América Latina.

No entanto, muito do que aconteceu nessa antiga metrópole Tupi se perdeu, a dificuldade na recuperação desses relatos pré-colonização, principalmente por ter grande parte de seu conteúdo passado por gerações na tradição oral, é irremediável.  Tal falta de registro levanta questões sobre como viviam os povos antigos nessa região. No entanto, novos estudos arqueológicos, bem como aprofundamento de aspectos toponómicos estudados pelo professor Eduardo Navarro e seus alunos da USP vem trazendo incríveis novas revelações, que discorreremos no texto que segue.

Tupinambá - Aquarela sobre pergaminho mostra índios brasileiros, o tupinambá pode ser visto com o lindo manto de penas, feito com fibras naturais, penas vermelhas de guarás e azuis de ararunas

.-.-.

A chegada dos Tupi à Acrópole de São Paulo de Piratininga, marcado pela confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, berço para o desenvolvimento da cultura Tupi na região. No lugar onde hoje temos o Páteo do Collégio, próximo ao povoamento de Tibiriçá,  uma montanha careca sagrada que dava nome a aldeia, o * Inhapuambuçu, que em idioma Tupi Antigo (doravante só trataremos como ‘TA’) i(nh)apu'ãm-busú o grande cume ou y(nh)apu'ãm-busú o grande ponto do rio) - saiba mais.

A vida na aldeia era profundamente influenciada pelo entorno geográfico, onde as matas proporcionavam recursos abundantes para os Tupi, a interação harmoniosa com a natureza refletia-se em sua religiosidade, intrinsecamente ligada aos elementos naturais. Os Tupi viam os rios, as matas e os animais como entidades sagradas, e seus rituais reverenciavam a interconexão entre a humanidade e o ambiente ao redor.

A maior parte das aquarelas de Debret foram feitas para retratar o Rio de Janeiro, no entanto, para meu prazer há algumas em São Paulo - uma delas chama especial atenção por retratar uma pedra calva no que era a Vila de Inhapuampbuçu

Um exemplo disso é o Anhagá, um dos motivos pelos quais os Tupi moravam perto do rio Anhangabaú. O rio ficava num vale que era alimentado pelo córrego do Itororó, que descia da maravilhosa floresta do Ka'a Guatá (hoje conhecida como Avenida Paulista), esse rio que passava por onde é hoje a Avenida 23 de Maio, desembocando no córrego do Anhangabaú, que também recebia águas da pouco conhecida nascente de Santa Ifigênia, ou Iacuba, com águas estremamente ácidas e não potáveis,  originadas do ribeiro que nascia no atual Largo do Paissandu, chamadas de Iacum-Guaçu e Acu pelos Tupis, tudo isso cerdado por linda vegetação com caça abundante, protegida pelo importante D’us Tupi chamado Anhangá, o cruel protetor das caças e da natureza.

O Anhangá é comumente retratado como um veado branco, de tamanho atroz, com olhos vermelhos da cor de fogo. Ele é o protetor da natureza e persegue todos aqueles que caçam de forma indiscriminada, desrespeitam a natureza e pune quem caça filhotes ou matrizes que estão nutrindo suas crias e poluem suas águas.

O vale do rio Anhangabaú era sagrado, os habitantes de Piratininga faziam cultos e festas para deixar o deus mais feliz e menos vingativo.

A chegada de João Ramalho à aldeia trouxe consigo uma mudança significativa na dinâmica social, cujas repercussões jamais seriam esquecidas, a coexistência de duas culturas distintas começou a moldar o tecido social da comunidade, desencadeando um processo complexo de intercâmbio cultural.

A espiritualidade Tupi desempenhou um papel fundamental na estrutura da sociedade, unindo aspectos divinos ao cotidiano, a compreensão profunda da natureza como divindade influenciou não apenas rituais religiosos, mas também práticas cotidianas, como a caça, a pesca e a agricultura.

As interações dos Tupi, da aldeia do Inhapuambuçu com todos os outros povos de aldeias vizinhas, tinham uma história ancestral muito extensa, que se mistura a grande expansão Tupi.

Mais sobre a grande Expansão Tupi

Podemos começar a entender a ocupação Tupi em São Paulo de Piratininga a partir da grande migração, que ocorreu entre 2000 e 3000 anos atrás, A chamada Grande Expansão Tupi, um processo histórico entre os séculos XIII e XVI, marcado pelo deslocamento dos grupos Falantes do proto-idioma formador do tronco Tupi-Guarani por vastas áreas do território brasileiro. Essa expansão deu origem a diferentes culturas ao longo do caminho. O antropólogo Roger Bastide denominou esse fenômeno como "A Grande Expansão Tupi" - saiba mais


Os membros do tronco lingüístico Tupi-Guarani ocuparam inicialmente o litoral Atlântico, desde o cabo de São Roque até o Trópico de Capricórnio, abrangendo extensas áreas do planalto meridional e seus arredores. Os dados linguísticos indicam o sudoeste da Amazônia, na bacia do alto rio Madeira, como o centro de dispersão dos povos Tupi.

Métraux, em seu estudo, destacou a animosidade entre diferentes grupos Tupinambá e Guarani, que frequentemente resultava em conflitos ritualísticos, a economia desses grupos era baseada na agricultura, com destaque para a mandioca como planta cultivada. As aldeias eram localizadas em topos de morro, com estruturas defensivas em algumas.

O "Modelo Cardíaco" de Lathrap
O modelo de dispersão mais aceito, com origem no alto Xingu, usando das trilhas ancestrais para se espalharem pelo Brasil, posto que não usavam da navegação para este fim 

Quanto ao deslocamento pelas continentais extensões do Brasil, diversos modelos teóricos foram propostos: O Modelo Hidrográfico enfatiza as bacias hidrográficas como rotas de expansão; O Modelo Linguístico de Schmitz sugere uma origem amazônica dos Tupi; O Modelo “Cardíaco” de Lathrap compara a expansão Tupi ao sistema circulatório, centrado no Xingu; O Modelo de Brochado associa grupos Tupi a diferentes áreas geográficas.

Sítios arqueológicos localizados na Amazônia

Recentemente, descobertas arqueológicas na Bahia, como uma urna cerâmica pré-colonial, têm contribuído para a compreensão da história e presença dos Tupi-Guarani, enquanto modelos teóricos continuam a oferecer diferentes perspectivas sobre sua movimentação na América do Sul.

Achados Recentes

Restos mortais de Indigenas Tupi foram encontrados dentro de artefato de cerâmica com desenhos tradicionais em rituais de sepultamento da etnia -  Foto: Bruno Concha/Secom - reprodução CNN

No começo de 2022, uma equipe de arqueologia na Bahia fez uma descoberta extraordinária: encontraram uma urna cerâmica pré-colonial que pode ser a sepultura de um indivíduo tupi-guarani. 

Segundo arqueólogos que trabalham na obra da Avenida Sete de Setembro, desenhos no interior do vasilhame de cerâmica comprovam sua data e origem Tupi

O artefato foi desenterrado durante escavações na avenida Sete de Setembro, em Salvador, próximo ao relógio de São Pedro. No interior do vasilhame, havia um corpo sepultado, sugerindo que possivelmente se tratava de um homem indígena que viveu entre os séculos XIV e XVI na região. Essa importante descoberta, juntamente com mais de 12 mil outros artefatos históricos encontrados no local, será estudada no Centro de Antropologia e Arqueologia de Paulo Afonso, em Salvador, contribuindo para a compreensão da história e presença dos indígenas nessa área.

A Acrópole Paulistana

Os Tupi que chegaram a São Paulo tinham que vencer constantemente a elevação do maciço litorâneo, subindo e descendo a Serra do Mar, originando uma escarpada serra e desviando os rios para o interior, criando características únicas. Os indígenas superaram essas condições, criando 'peabirus'  (TA "pe" – caminho; "abiru" - gramado amassado),  eram trilhas de terra pisada que convergiam na região do triângulo histórico de Piratininga e levavam a distantes lugarers da America do Sul, como a antiga cidade dourada de Cuzco e aldeias amazônicas.

Apesar do isolamento do litoral, essa área tornou-se um ponto crucial, conectando o interior à costa Atlântica por meio de inúmeros peabirus, abrangendo rotas para o Vale do Paraíba, o interior Paulistano e Santa Catarina. Essa configuração geográfica conferiu ao triângulo histórico de São Paulo um valor imenso.

Quanto a relação com geografia, segundo Ab’Saber, entre 23 e 12 mil anos atrás, houve um "hiato de tempo seco" que propiciou a formação das 'stone lines', um fenômeno responsável pela formação de planaltos e montanhas, que definiram o relevo, a formação de serras e matas características, propicia para caça de animais pequenos, pesca abundante e grande variedade vegetal. A cerca de 10 a.C., o clima úmido retornou, com períodos sazonais de chuvas, delineando pequenas mudanças climáticas ao longo do tempo.

Troppmair destaca que essas mudanças climáticas propiciaram o surgimento de pinheiros, como a araucária, durante os longos períodos de esfriamento, principalmente nas margens do rio Pinheiros e em locais de altitude, como nas serras e altiplanos.

Diversas formações vegetais, como campos de várzeas, barrancas de terraços fluviais e ilhotas de campos cerrados, mencionando a toponímia que preserva vestígios desses antigos campos.

A formação vegetal propiciava locomoção e pesca, especialmente durante as cheias dos rios. A região, nomeada Piratininga, significava em TA "peixe seco", indicando a morte de peixes à beira dos rios após as vazantes de inundações constantes, características de rios de planaltos e várzeas. 

Moradores de Inhapumabuçu caminham pelo rio Tamanduateí e presenciam a chegada de tamanduás durante a vazante do rio. Nessas épocas de seca, os peixes morriam nas margens (piratininga no TA), atraindo formigas e consequentemente, tamanduás apareciam para devorá-las.

Essa rica vegetação não apenas facilitava a locomoção, mas também favorecia a pesca, especialmente durante as cheias dos rios. O relato destaca a frequência dessas inundações nos rios do planalto, como Tamanduateí, Pinheiros e Tietê. Este último teve seu nome alterado de Anhembi para Tietê, com significado arcaico de "rio muito bom, rio a valer, honrado". Tais inundações eram consideradas como agentes de fertilidade para a terra.

Ademais a abundância de animais de caça nos campos, é evidenciada pela toponímia Tupi ao dar o nome dos rios Anhembi, referindo-se ao rio das anhumas, Tucuruvi, conhecido como o rio do gafanhoto verde, e Tamanduateí, que indica um rio com peixes secos mortos, atraindo formigas e, por fim, tamanduás. Destaca-se ainda o Itororó, o rio da nascente, que surgia na Avenida Paulista, percorrendo até o encontro com as águas do Anhangabaú, ao longo da Avenida 23 de maio.

Peabirus como estradas e Rios como auto-estradas

Como vimos anteriormente, os deslocamentos Tupi eram feitos através dos peabirus, há relatos que João Ramalho e Tibiriçá andavam de 50 a 80Km por dia. Outra forma bastante eficiente era feita também por rios, os Tupis, como relata André Prous, que avaliava os Tupi como eram excelentes navegadores “a impressionante extensão da cultura Tupi-guarani, (...) pode ser em parte explicada por sua vocação de navegadores, particularmente, fluviais”.

Mapa de alguns Peabirus importantes da cidade de São Paulo

Os Peabirus Tupi em São Paulo formam uma rede de topônimos que, ao serem analisados, revelam trajetos e significados geográficos. 

Partindo para o Sul, encontramos locais como Pirapora (local onde o peixe pula), Sorocaba (lugar da erosão), Itapetininga (caminho seco de pedra), Itapeva (no lageado) e Itararé (no sumidouro). Esses nomes indicam um percurso rico em características naturais.

Ao seguir para o sertão das Minas, surgem Airuoca (morada da ararinha), Baependi (rio da coisa pontuda), Itumirim (cachoeira pequena), Itutinga (cachoeira branca) e Itaúna (pedra preta), Sabará  ou Itaberaba (pedra qe brilha), revelando uma variedade de elementos geográficos.

Na rota em direção a Goiás, deparamo-nos com Mogi Mirim (rio da cobra, o pequeno), Mogi Guaçu (rio da cobra, o grande), Jaguari (rio da onça), Uberaba (rio brilhante), Araguari (rio do vale do sol) e Paranaíba (rio da Pindaíba, espécie de palmeira). Esses topônimos sugerem uma vinculação estreita entre a nomenclatura e a natureza circundante, possivelmente influenciada pelos habitantes paulistas falantes do Tupi.

Essa prática de nomeação, herdada dos indígenas, destaca-se como uma forma de marcar o caminho e, mais recentemente, tem sido valorizada como parte do resgate histórico e cultural dessas regiões. O ato de nomear, como afirmado por Bofil Batalla, não apenas proporciona conhecimento, mas também é uma forma de criar e preservar a identidade cultural desses povos

Tupi enfrentavam limitações geográficas devido a interações com outros povos, como os Bilreiros. Apesar de delinear territórios, essas fronteiras eram permeáveis devido à mobilidade migratória e à pressão de grupos belicosos. Essa dinâmica refletia a instabilidade dos territórios tribais, sujeitos a mudanças frequentes.

Os grupos Tupi, ao se estabelecerem em determinada região, experimentavam as limitações do solo, já que, ao derrubar a vegetação para a agricultura, afetavam a fertilidade do solo, após algumas temporadas de plantio, quando o solo perdia sua produtividade, os Tupi buscavam novas áreas para cultivar.

Essa prática indicava uma adaptação constante às condições do ambiente, evidenciando uma relação afetiva com a terra, mas também a disposição de mudar quando necessário. 

Com base nos achados arqueológicos, as aldeias Tupi, especialmente em áreas mais populosas, seguiam um padrão específico. Geralmente, essas comunidades escolhiam locais elevados nas encostas dos morros, oferecendo uma visão privilegiada de um rio navegável principal. Próximo a essas aldeias, encontrava-se um córrego menor para fornecimento de água potável, enquanto o rio principal ficava a uma distância considerável para evitar problemas causados por cheias frequentes.

Esse padrão era consistente com as observações feitas por Soares de Sousa nas aldeias Tupinambás na Bahia, destacando a busca por locais altos, bem ventilados e próximos a fontes de água para lavagem e abastecimento. Staden, por sua vez, menciona que as aldeias ficavam em terras próximas a rios, geralmente consistindo em até sete casas organizadas em torno de um pátio utilizado para rituais. 

Em áreas mais conflituosas, eram construídas paliçadas de proteção, chamadas "ybira" (algo que ja aconteceu, ou já morreu, em TA).

Fernandes elenca seis pontos cruciais para a instalação de uma aldeia, incluindo acesso fácil à água potável, ventilação adequada, disponibilidade de lenha, proximidade de zonas piscosas, terras férteis e presença de mata para caça. Quanto à população, cronistas variam na estimativa, sugerindo entre 50 a 80 pessoas por casa familiar, totalizando cerca de 500 moradores por aldeia.

Os Tupi realizavam deslocamentos próximos de aldeias a cada três a quatro anos, as vezes não se afastando mais do que 500 metros, correspondendo à durabilidade do material utilizado nas construções. Mudavam-se geralmente na mesma região, indicado pelos locais de sepultamento, proporcionando uma certa estabilidade. O distanciamento médio entre aldeias, conforme registros, variava de cinco a dez quilômetros. Em Piratininga, as aldeias eram frequentemente instaladas ao longo dos rios, formando um conglomerado que facilitava a entreajuda em situações de ataque, organizando-se como uma rede conectada por relações de parentesco e alianças guerreiras.

Piratininga, a primeira aldeia que Martim Afonso colonizou em 1532, foi onde  estabeleceu um núcleo português, derivando seu nome do rio Tamanduateí, então chamado de Piratininga. Em 1550, o Pe. Leonardo Nunes (o "Abarebebé", ou "padre voador" em TA, nome dado em função da rápida velocidade e dinamismo que ele desempenhava nas trilhas na matas) encontrou várias outras aldeias no planalto, uma delas habitada por um principal, provavelmente Tibiriçá, indicando a existência de muitas outras aldeias na região.

O termo 'Piratininga' certamente não se refer a acrópole, pois em Tupi Antigo significa local do peixe seco' ou seja, planicies alagadas que durante as vazantes matava e secava os peixes no sol. 

Enquanto alguns sugerem que poderia ser próximo ao Tietê, outros, como Afonso de Freitas que escreveu o livro Os Guayanás de Piratininga, propõem um local mais alto, longe das enchentes, associado à construção posterior do Convento da Luz, Freitas foi o mais enfático poponente da distinção entre a região de Piratininga da aldeia de Tibiriçá, pós Santo André da Borda do Campo, chamada Inhapuambuçu.

As Tês Aldeias de Piratininga

Durante o ataque à missão em 1562, Anchieta menciona que os familiares de Tibiriçá estavam distribuídos em três aldeias, com Ururay sendo a única identificada. Não há confirmação se essas aldeias estavam no Tamanduateí ou no Tietê.

Anchieta menciona também Tamandiba como sendo uma liderança importante da aldeia, mas não há referências claras sobre outras aldeias no Tamanduateí. 

O local atualmente conhecido como Ipiranga, às margens do rio Vermelho, poderia ter sido uma aldeia Tupi, pois se encaixa nos padrões de ocupação Tupi e serviu como pouso português para quem chegava do litoral.

Outra fonte de informação sobre o tamanho e importância das aldeia é dada por John Manuel Monteiro, "Quanto ao número e tamanho das aldeias tupiniquim existentes durante o século XVI, os relatos dos contemporâneos, infelizmente, pouco nos dizem.12 Tudo indica, no entanto, que o principal assentamento tupiniquim na época da chegada dos europeus era o do chefe Tibiriçá, certamente o mais influente líder indígena da região. 

Uma segunda aldeia importante no período era a de Jerubatuba, sob a chefia de Cauibi, supostamente irmão de Tibiriçá. Esta última localizava-se em torno de doze quilômetros ao sul de Inhapuambuçu, próximo ao futuro bairro de Santo Amaro. 

Em 1553, o aventureiro alemão Ulrich Schmidel, tendo passado alguns dias na aldeia, descreveu-a como "um lugar muito grande. Finalmente, a terceira aldeia que figurava com certo relevo nos relatos quinhentistas, Ururaí, também tinha como chefe um irmão de Tibiriçá, chamado Piquerobi. Localizado seis quilômetros ao leste de Inhapuambuçu, este assentamento, mais tarde, tornou-se a base do aldeamento jesuítico de São Miguel".

A Dinâmica de Relacionamentos na Aldeia de Inhapuambuçu

Eram esses personagens que no início do século XVI viviam juntos em suas rotinas e conflitos, cujas decisões tomadas naquela aldeia naquela época, mudaram completamente a dinâmica das relações do povo brasileiro.


O relacionamento entre José de Anchieta, Tibiriçá e João Ramalho marcou um período de abertura à cultura europeia na aldeia Tupi do Inhapuambuçu, com constantes tensões, especialmente sobre a adoção das novas práticas religiosas e culturais em detrimento das praticas espirituais da cultura Tupi. 

Luis Felipe Baêta Neves, relata três formas corporais de comportamento dos Tupis que eram consideradas especialmente repugnantes aos olhos dos jeuitas:

"São o incesto, o canibalismo e a nudez. Estes três 'comportamentos' são vistos como demonstrativos da barbárie em que viveria o gentio, como demonstrativos da boçalidade em que viveriam, como índices significativos da sua animalidade. (...) O incesto (e - pecado menor - a poligamia) é o desconhecimento de qualquer interdição quanto ao 'uso' de outro corpo. 

O canibalismo é o desconhecimento de qualquer interdição quanto à ingestão de outro corpo. A nudez é o desconhecimento de qualquer interdição quanto à exibição do corpo".

O plano de aculturamento dos jesuítas contra a cultura Tupi e suas "perversões" baseou-se fundamentalmente na produção de interdições a estes comportamentos através da concentração e fixação dos índios nos 'aldeamentos', comunidades criadas pelos missionários da ordem com o único proposito de catequisar os indógenas.

Antes disso, os missionários eram obrigados a visitar os índios em suas aldeias e pregar a eles nos horários tradicionalmente utilizado das missas e os proferidos pelos Karaibas (nesse contexto se referea a homens brancos sábios) na madrugada.

Mesmo assim, grupos de resistência como formado por Jaguaranho e Piquerobi, nunca aceitaram a cultura imposta pelos jesuítas e defenderam seu estilo de vida até suas mortes no dia 09 de julho de 1562.

O último pajé que pisou na acropole de Piratininga, que aparece em algumas literaturas sem cunho de pesquisa científica com o nome de Piatã*, se entristecia ao perceber que Tibiriçá seria possivelmente o último grande representante da cultura Tupi. A cultura daquele povo não conhecia a escrita e muito do que acontecia nos rituais de Piratininga se perdeu.

Claude d'Abbeville relata um caso em que fica evidente a identificação dos pajés e karaiba com a posse de habilidades extraordinárias (como era o caso dos brancos com suas armas, livros e outros produtos ocidentais), bem como o papel das crianças na incorporação dos valores europeus:

"Perdeu muita importância o ofício de pajé depois que chegamos ao país, tanto mais quanto em nossa companhia havia um jovem que sabia fazer peloticas com as mãos e muitas prestidigitações. 

Incumbiu-o o sr. de Rasilly do transporte de nossas bagagens, juntamente com outros criados, na visita que fizemos à Ilha do Maranhão. Logo que os maranhenses viram as peloticas dêsse ra- paz, puseram-se a admirá-lo e a chamá-lo pajéaçu. Mostru-lhes então o sr. de Rasilly que tudo se devia a uma certa habilidade e, comparando-o com os pajés, demonstrou que êstes não passavam de pelotiqueiros e embusteiros. Resultou disso muitos abandonarem suas crenças; e finalmente até as crianças zombavam dos pajés. 

Entre outros citarei o menino João Caju, a quem já me referi várias vêzes, pegando em ossinhos e cousas semelhantes indagava do sr. de Rasilly: Morubixaba de açã omanô? 'Dói-vos a cabeça, senhor?, depois do que soprava e esfregava o lugar da dor imaginária e mostrava o que trazia na mão, dizendo ser o objeto a causa da moléstia. Fazia dêsse modo rir a companhia, provo- cava a admiração dos velhos e desmoralizava os pajés que passavam a ser considerados mentirosos e embusteiros" .

Aos poucos Tibiriçá encerrava sua vida cultural como Tupi para se tornar brasileiro, integrando gradualmente aspectos da cultura europeia. Essa transição, embora inevitável diante das pressões culturais da época, representou uma perda significativa para o legado cultural Tupi.

Nesse contexto, a figura de Tibiriçá se destacou como um elo entre duas culturas, refletindo a complexidade das transformações sociais na época da colonização. Sua escolha de se tornar brasileiro simboliza a fusão de influências culturais que contribuíram para a formação da identidade única do Brasil.

Existem relatos dos chamados Tupi-Rerekoara, "os Protetores Tupi" (TA), conhecidos como "os últimos remanescentes de Îagoanharó", crença que acompanhou os primórdios do Cristianismo, paralelamente à catequização realizada pelos Jesuítas em Brasil.

Trata-se de uma autêntica seita ritualística brasileira, secreta e antiga, que permanece oculta e cuja fundação foi atribuída ao pajé Piatã, Jaguaranho, filho de Piquerobi, irmão de Tibiriçá.

Diz a tradição que, descontente com a aliança entre Tibiriçá e os portugueses, Jagoanharo alinhou-se com Guarulhos, Guaianás e Carijós, para permitir a traição de Tibiriçá e consequente expulsão dos portugueses da vila de Inhauambuçu, atual região do triângulo histórico de São Paulo , bem como a destruição do Pátio do Colégio (ver - o cerco de Piratininga).

Subjugada pela força superior da aliança Tupi-Portuguesa, a coalizão indígena foi derrotada.

E é nesse ponto que este relato difere dos textos do nosso cânone histórico, pois relata que Tibiriçá, como bom cristão recente, decidiu poupar a vida do irmão e do sobrinho, e soltá-los na Serra da Pirucaia, sem que os portugueses soubessem. - É importante dizer que Tibiriçá era conhecido por uma pintura característica, com olhos nas nádegas, o que o tornava imune à traição, pois conseguia ver quem o atacava por trás (do Tupi Antigo - tebira - nádegas e esá - olho).

É dito ainda que muitos membros importantes de nossa sociedade continuam ativos nas sombras, seja na manutenção de nomes Tupi para localidades brasileiras, na preservação de aliemtnos e bebdais originárias, bem como na realização de rituais secretos.

Fato ou boato, é muito importante dizer aqui que o uso do nome Piatã* para se referir ao pajé de Tibiriçá, bem como a menção dos Tupi-Rerekoara como um grupo secreto que guarda as tradiçoes Tupi se tornam aceitáveis, pois é uma forma de consolidar informações históricas, mesmo que seja referidos por fontes duvidosas e que haja variações nos registros, é sempre útil mencionar que a reconstrução precisa dos detalhes desses acontecimentos antigos pode ser uma tarefa muito desafiadora.

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O Padre José de Anchieta desempenhou um papel significativo nas missões pelo litoral paulista e em outras regiões do Brasil. Na aldeia de Tibiriçá, ele não só se dedicava à educação e catequização dos indígenas nos aldeamentos, como também os protegia dos abusos dos colonizadores portugueses. Participou ativamente nas negociações entre portugueses e indígenas, oferecendo-se como refém para garantir a paz.

Além disso, Anchieta esteve envolvido em missões no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, lutando contra os franceses na baía da Guanabara e auxiliando Estácio de Sá. Dirigiu o Colégio dos Jesuítas no Rio de Janeiro, fundou a povoação de Reritiba (atual Anchieta) no Espírito Santo e foi nomeado Provincial da Companhia de Jesus no Brasil.

Seus últimos anos foram dedicados a dirigir o Colégio dos Jesuítas em Vitória, mas conseguiu se retirar para Reritiba (hoje Anchieta, no estado do Espírito Santo) antes de seu falecimento, sendo enterrado em Vitória. Os restos de Anchieta foram posteriormente transferidos para o Colégio dos Jesuítas da Bahia, em Salvador, e finalmente para Roma.

Arqueologia em São Paulo

A arqueologia urbana tem complicações diversas, muitas pesquisas de arqueologia são empacadas pela impossibilidade de escavar em baixo de grandes edifícios.

As Várias Reconstruções do Pátio do Colégio

A história de São Paulo é um percurso de notável transformação, que partiu de uma humilde cabana, chamada de "Paupércula Domo" pelo padre jesuíta Anchieta, passou por várias transformações, em diferentes épocas, até ser transformada no Pátio do Colégio atual, construção icônica que marca o ponto central das crenças e valores da cidade.


Pátio do Colégio em 1827

... o mesmo Pátio do Colégio, 100 anos depois em 1926

... e por fim, o Pátio do Colégio em vias de completar 200 anos desde a priemra mudança de seu aspecto incial de 1554, nos dias de hoje, em 2024

O contexto arqueológico de São Paulo é diversificado, abrange desde sítios pré-coloniais no Complexo do Jaraguá até locais históricos como o Pátio do Colégio, marcado pelo jesuitismo colonial. O acelerado desenvolvimento urbano da cidade revela desafios, com descobertas ocasionalmente realizadas sem a supervisão técnica de arqueólogos, como na Praça da Sé e na Liberdade.

A esquerda escavação do Sítio Jaraguá I; a esquerda vestígios arqueológicos encontrados da Rua dos Aflitos até a Galvão Bueno no bairro da Liberdade, em plena região de Inhapumbuçu e abaixo o Patio Victor Malzoni, na Avenida Faria Lima: vão central espalhado de onde se vê o reflexo da Casa Bandeirista 

A cidade, fundada em 1554, apresenta estratigrafias que refletem diferentes períodos, desde a colonização até a Era do café e a República, e o desenvolvimento das instituições acadêmicas e das Sociedades de Arqueologia fortaleceram a pesquisa arqueológica em São Paulo, tornando-a uma das cidades mais escavadas do Brasil.

Apesar dos avanços, a necessidade de equilibrar o desenvolvimento urbano com a preservação do patrimônio histórico é evidente. A descoberta de mais de 180 sítios escaváveis e catalogados destaca o potencial de encontrar ainda mais vestígios, mas requer um cuidado especial para conservar esse rico legado cultural, considerando o constante crescimento da cidade.

A Casa Bandeirantista e o Prédio do Google

Para poder realizar as obras de construção do edifício Pátio Victor Malzoni, hoje onde fica a sede do Google em São Paulo, a incorporadora Tishman Speyer comprometeu-se profundamente com os aspectos históricos da cidade de São Paulo. Localizado na esquina da Avenida Faria Lima com a Rua Horácio Lafer, o terreno escolhido para o empreendimento encontrava-se em frente ao recém-inaugurado edifício Pátio Victor Malzoni, pertencente ao Grupo Victor Malzoni. Esse edifício foi construido com todo cuidado para preservar a Casa Bandeirista, uma das raras construções do século 18 preservadas em São Paulo, tombada pelos órgãos de patrimônio e prestes a ser aberta para visitação.

A proximidade desse local histórico impôs à Tishman Speyer a responsabilidade de conduzir uma ampla pesquisa histórica sobre a área do terreno antes de iniciar a construção. Esse processo, que durou meses, incluiu prospecções comandadas pela empresa A Lasca Arqueologia, visando verificar a presença de objetos e vestígios importantes para a memória da cidade.

Nos 10.000 metros quadrados destinados ao canteiro de obras, foram identificadas três áreas de interesse arqueológico. A escavação revelou fundações de uma antiga casa, fragmentos de louça e uma área de descarte de lixo, destacando a riqueza das ocupações passadas na região. No entanto, a descoberta mais notável foi um anel de rubi, adicionando um toque de fascínio e mistério à narrativa arqueológica desse empreendimento.

Essas descobertas não apenas enriqueceram a compreensão da história da área, mas também ressaltaram a importância de equilibrar o desenvolvimento urbano com a preservação do patrimônio. O comprometimento da Tishman Speyer em considerar os aspectos históricos durante o processo de construção demonstra um passo significativo na integração do crescimento da cidade com o respeito à sua herança cultural.

Escavações no Inhapuabuçu

Ná área que se estende da Rua dos Aflitos até a Rua Galvão Bueno têm aflorado vestígios arqueológicos de uma história pouco conhecida, trata-se de um terreno de 400m² onde funcionou a primeira necrópole da cidade de São Paulo, o Cemitério dos Aflitos, em atividade desde de 1775 e desativado em 1858, quando foi construído o cemitério da Consolação. 

Ao lado fica a Capela de Nossa Senhora dos Aflitos, ainda hoje em atividade e a única lembrança, até então, do uso do território como cemitério. Desde a publicação da Lei nº3.924 de 1961, todos objetos arqueológicos são de propriedade da União.

O Patio do Colégio Original Não Existe Mais 

Infelizmente, só recentemente tivemos a iniciativa de registrar acontecimentos históricos com precisão e acertividade, investindo no trabalho de arquelogos e historiadores para recontarmos nossa história.

Uma curiosidade que pouca gente sabe é que Pátio do Colégio, o maior local de significância histórica em São Paulo, fundado pelos Jesuítas em 1554 foi demolida em 1954, durante as celebrações do IV Centenário de São Paulo. 

Acima foto das obras nos anos 1970 - Vista do Pátio do Colégio em 1887. A fonte, em primeiro plano, foi demolida em 1932 por Militão Augusto de Azevedo e ao lado, unicos remanescentes da obra original

Os Jesuítas, os fundadores da cidade de São Paulo nem semprre tiveram bons relacionamento com a Coroa portuguesa, enfrentaram duas expulsões de São Paulo: a primeira em 1640, devido à defesa da liberdade dos índios, e a segunda em 1760, acusados de conspirar contra o rei de Portugal. Após esses eventos, o Colégio foi entregue à Coroa Portuguesa, que instalou o governo de São Paulo no local até 1912.

A Igreja do Bom Jesus, parte do conjunto do Pátio do Colégio, permaneceu inalterada pelas reformas, mas foi interditada em 1891 devido às más condições de sua estrutura. Autorizou-se a demolição em 1896, após o desabamento do teto durante uma tempestade.

Em 1954, durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, toda a edificação foi demolida, e o terreno foi cedido novamente aos Jesuítas. Eles iniciaram, então, um projeto de reconstrução do edifício do colégio, concluído em 1976, e da Igreja do Bom Jesus.

A reconstrução do Pátio do Colégio gerou controvérsias, com apoiadores destacando sua importância histórica e religiosa. Contudo, o Condephaat se opôs, argumentando que réplicas comprometeriam o valor histórico original. Em 1975, o órgão solicitou o tombamento do local como sítio arqueológico, devido à presença de elementos originais, como uma parede de taipa de pilão e a fundação de pedra da antiga igreja, ambos tombados pelo Conpresp em 2015.

Em 1977, o Condephaat emitiu um segundo parecer, enfatizando que nenhuma reconstrução ou réplica deveria sobrepor-se à obra original, retirando seu valor histórico. Apesar disso, o projeto de reconstrução foi executado, resultando na presença atual do "falso histórico" no Pátio do Colégio.

Durante a reconstrução, uma parede de taipa de pilão de 1585 foi descoberta e se encontra em exposição no complexo do Pátio do Colégio, que abriga o Museu Anchieta, o auditório Manoel da Nóbrega, a Igreja Beato José de Anchieta, que possui o fêmur do religioso, uma biblioteca, a Cripta Tibiriçá, o Café do Pátio, entre outros.

A Arqueologia do Cauim em São Paulo

A redescoberta do Cauim Tupi do Inhapuambuçu, bebida originaria de mandioca fermentada, é tratada como um mistério pouco explorado nas pesquisas arqueologicas de cerâmicas e nos relatos de produção em Inhapuambuçu, antes e durante a chegada dos portugueses, Cauim dos Tupi de São Paulo envolve uma narrativa muito fragmentada e esquecida em sua tradição oral, que desaparece na mesma velocidade com que desaparecem seus locutores.

Mulheres preparando o Cauim - Hans Staden, 1557

Se o Tupi Antigo é uma língua extinta, que renasce aos poucos nas aldeias com o lindo trabalho do professor Eduardo Navarro, o Cauim do Inhapuambuçu, que também está morto, ressurge nas pesquisas de Luiz Pagano.

Comparação entre a cerâmica tupiniquim, portuguesa e paulista. Referências: Cerâmica tupiniquim (fotos de Francisco Silva Noelli): nha’ẽpepó (cortesia do Museu Histórico e Arqueológico de Peruíbe), cambuchí, nha’ẽ (cortesia do Museu Nacional do Rio de Janeiro); Cerâmica comum medieval/pós-medieval portuguesa: panela, jarro e prato (Gomes 2012); frigideira (Bugalhão & Coelho 2017); Cerâmica paulista (fotos de Francisco Silva Noelli): panela (coleção Marianne Sallum); jarra, frigideira de esquentar fumo (cortesia do Museu Casa do Barão, São Vicente); prato (reelaborado de Scheuer, 1976)

Cauim e Rituais Funerários

Os Tupi encontraram no cauim sua ligação mais forte com o mundo espiritual, para grande parte das aldeias anteriores a chegada dos colonizadores, as práticas funerárias eram realizadas em artefatos cerâmicos anteriormente utilizados para o cauim.

A antropóloga Silvia Carvalho propõe que, o ato de enterrar alguém em vasos de cerâmica feitos para depositar cauim tem o simbolismo de transformar o guerreiro que não morreu em batalha em alimento antropofagico, fim que teria se fosse derrotado em ccmapo de batalha (aiba mais abaixo sobre os codigos de guerra Tupi) 

Vicente César, ao estudar os grupos Tupi, rompe com a ideia de que os enterros em urnas são exclusivos desses grupos, identifica registros de sepultamento primário em urnas para diversos grupos, incluindo Caiuá, Carijó, Guarani, entre outros, associados ao uso prévio dessas urnas para cauim.

Além disso, César menciona diferentes formas morfológicas de urnas, como bacia, cones unidos, panela e semi-ovais, indicando uma diversidade de práticas. No Sul do Brasil e regiões próximas, as urnas, geralmente maiores que as do Norte, estão associadas aos Guarani e aos Tupinambá. Carvalho é referenciada, sugerindo uma proposta adicional sobre o ato de sepultamento em vasos cerâmicos, possivelmente fornecendo mais informações sobre essa prática.

"Também da mesma forma que Carvalho, Mano defende que o sepultamento em urnas tem implicações rituais que se relacionam com o universo mágico-religioso- guerreiro dos Tupi-Guarani. O chefe ou guerreiro que não terminasse seus dias sacrificado pelos inimigos era inumado em um grande vaso de cauim ou chicha, para que ele mesmo fosse devorado pelos deuses canibais no céu, tomando-se assim um imortal. 

As urnas/panelas seriam um meio de transposição para a consumação canibal pelos deuses, para que o morto se tornasse imortal. Assim, o sepultamento em urnas teria relação com concepções a respeito de deuses canibais e com o universo simbólico da antropofagia (Mano, 2009)."

A falta de dados estatísticos sobre a prevalência de sepultamentos secundários e a má preservação dos remanescentes humanos complicam a análise. Além disso, a descrição incompleta nas fontes pode ocultar outros aspectos do funeral ou atividades associados ao sepultamento.

Dez classes de vasilhas foram identificadas por Brochado, Monticelli e Newman:

Vasilhas foram identificadas por Brochado, Monticelli e Newman

Herta Löell Scheuer, nos anos 1960, ao definir a "cerâmica atual popular de São Paulo," revelou a influência indígena na produção cerâmica, ressaltando a continuidade das formas tradicionais.

Geralmente as cerâmicas da tradição Guarani são corrugadas e as da tradição Tupi são pintadas. Pesquisas arqueológicas em locais como o sítio Ruínas do Abarebebê e museus em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, somadas aos relatos de Scheuer, construíram uma base sólida de dados sobre o assunto.

Sallum et al. (2018) realizaram pesquisas em Peruíbe, evidenciando a produção de cerâmica Tupi desde o final do século XVII, destacando a persistência de práticas por mais de 300 anos no litoral ao sul de São Vicente.

Carneiro da Cunha & Viveiros de Castro (1985) levantaram a possibilidade de relações pré-coloniais dos Tupi com povos não Tupi, discutindo a ideia de vingança como uma "técnica de memória" que poderia influenciar a não modificação da cerâmica pré-colonial.

Enquanto grande parte das pesquisas sobre o consumo de bebidas fermentadas foca em regiões amazônicas, recentes estudos arqueológicos, especialmente no contexto brasileiro, destacam o papel central dos potes na compreensão das transformações sociais ao longo do tempo relacionadas ao consumo dessas bebidas.

A esquera, vasos Guarani para preparo e consumo de fermentados. Abaixo Cerâmicas paulistas de Iguape, Cananeia, Sorocaba e Porto Feliz: cortesia do Museu Casa do Barão, São Vicente: a) pichorra; c) panela; d) nhaninha; e) boião; f) torrador; g) frigideira para esquentar fumo; cortesia do Museu Ferroviário de Sorocaba: b) panela de mutirão; cortesia do Museu Histórico e Pedagógico das Monções: h) cuscuzeiro

Essa pesquisa não busca uma explicação única para as mudanças na arqueologia amazônica, mas sim destaca as possibilidades de transformação proporcionadas pelo consumo de fermentados. Explora, ainda, aspectos cognitivos, de saúde e sociabilidade, diferenciando-se de outras substâncias alteradoras da mente. A análise abrange diversas fontes de fermentação, incluindo grãos, tubérculos, frutas e mel, ressaltando a presença provável desses fermentados na "revolução cognitiva" humana nos últimos trinta mil anos. 

Os Gestos Funerários

A seguir, descrevemos outros gestos funerários de grupos Tupi e Guarani, com informações compiladas de diversas fontes, incluindo Métraux (1947, 1979, 2012 [1928]) e Noelli (1993).

Sepultamento de um Pai de Família Tupinambá - Thevet 1878

Gestos de Preparação do Corpo:

Os Tupi untam o corpo do morto com mel e empenam com penas coloridas de pássaros. Utilizam uma carapuça de penas na cabeça e outros enfeites usuais.
Amarram os membros com fibras de algodão, às vezes cobrindo completamente o corpo. Colocam o corpo na cova em posição de cócoras, ou enrolam em suas redes.

Gestos de Escavação da Cova:

A cova entre os Tupinambá é escavada pelo parente masculino mais próximo, que também carrega o corpo. A cova é descrita como redonda e profunda, similar a um grande tonel de vinho.

Gestos de Sepultamento Primário Fora de Urna:

Métraux (1947) descreve o "sepultamento em câmara funerária" entre os Tupi, onde fazem uma cova na casa do falecido, evitando o contato do corpo com o chão.
Enfeitam o corpo na rede com arco, flechas, espada e maracá.
Realizam um fogo próximo à rede para aquecer o morto.
Colocam comida e água próximas ao corpo.
Cobrem o conjunto com madeira, evitando o contato desta com o corpo.

É importante mencionar que existe uma falta de informações claras sobre sepultamento secundário entre os Tupi, indicando a complexidade na interpretação dessas práticas que costmavam variar de aldeia para aldeia.

Sepultamento segundo Staden 1557

Aldeias que Viraram Semarias,  que viraram Bairros

João Ramalho, um dos Primeiros Sesmeiros

Após acompanhar Martim Afonso de Souza ao planalto de Piratininga em 1534, João Ramalho recebeu sua sesmaria, fundando a povoação de Santo André da Borda do Campo (hoje São Bernardo do Campo), onde existia a aldeia indígena Tupis, pejorativamente chamados de Tupiniquim. A vila foi elevada a vila em 8 de abril de 1553, pelo governador-geral Tomé de Sousa, e João Ramalho foi nomeado alcaide e guarda-mor do campo. Mais tarde, em 1 de julho de 1553, foi nomeado capitão.

João Ramalho também foi vereador em 1553 e 1558. Ele dedicou recursos pessoais para fortificar a vila, construindo trincheiras e quatro baluartes. No entanto, apesar de seus esforços, Santo André estava em declínio, contando com menos de 30 moradores brancos. Infelizmente, não existem registros arqueológicos da aldeia, pois as construções eram feitas de adobe e pau a pique, se incorporando completamente à natureza em alguns poucos anos.

Em 1560, João Ramalho foi obrigado a transferir todos os moradores para São Paulo de Piratininga, por ordem de Mem de Sá, novo governador-geral do Brasil, o que levou à extinção de Santo André. Contrariado, mudou-se para São Paulo.

Ramalho também foi nomeado Capitão da Gente em 1562, para combater os índios carijós no Vale do Paraíba, e salvou a vila de São Paulo de um ataque indígena em 9 de julho de 1562, junto com Tibiriçá.

João Ramalho morreu por volta de 1580 em São Paulo, deixando diversos descendentes, sendo considerado o principal tronco das famílias paulistas (inclusive o redator desse texto) e tem uma rua com seu nome no bairro das Perdizes, além de ser homenageado em 14 cidades da Grande São Paulo.

Ao tentar localizar a vila ramalhense, o Dr. Juiz Piza, utilizando a certidão passada pelo juiz ordinário de São Paulo em 12 de junho de 1674, a pedido do Padre Luiz Craveiro, com o título de concessão, ato de demarcação e posse da sesmaria de "Tapuarorira" (hoje bairro de Pinheiros e Bussocaba), doada em 10 de outubro de 1532 a Pero de Gois, por Martim Afonso de Sousa. A partir de 1584 essa sesmaria passou a pertencer a Fernão Dias, um dos responsáveis pela expulsão provisória dos jesuítas do local, pois como bandeirante não concordava com a postura jesuíta contra a escravização dos índios.

Padre Craveiro, com base nas confrontações e características descritas na escritura da sesmaria, tentou situar a mencionada área no planalto. Ele deduziu que Santo André, estando perto do campo, provavelmente o de Gipavé, deveria estar próximo ao caminho de Piratininga, no trecho que vai do rio Grande ao Pequeno, ou ao Zanzalar.

Brás Cubas

Em 1532, Martim Afonso de Souza concedeu a Brás Cubas uma sesmaria que ia do sopé do Monte Serrat, em Santos, subindo a serra e fazendo fronteira com a Borda do Campo. Sem dados geográficos mais detalhados, é difícil determinar onde ficam o Rio Grande e o Rio Pequeno. Mas, ao que parece, Cubas não teria se interessado por essas terras, por serem distantes da Vila de São Vicente, à qual, para alcançar, teria que pagar direito de passagem a outros colonos.

Em 1536, ele retornou para Portugal a fim de requerer a posse da Ilha Pequena (atual Ilha Barnabé). Esta ilha, chamada pelos indígenas de Jeribatiba, era uma sesmaria doada a Henrique Montes, falecido em 1533.

No ano seguinte, o pai de Brás Cubas, João Pires Cubas, veio para São Vicente e instalou-se na Ilha Pequena, enquanto seu filho continuava em Portugal. Nas novas terras, plantou cana-de-açúcar e arroz. Porém, os constantes ataques dos indígenas e outros contratempos impediam a prosperidade do empreendimento dos Cubas.

Sesmaria dos Jesuítas

Com a capitania da Capitania de São Vicente gerando pouca receita, os sesmeiros locais parecem fazer um mal trabalho e para piorar os jesuítas também solicitavam uma sesmaria, para gerar recursos para o colégio. Martim Afonso de Souza concede sete a oito léguas para o Colégio de Piratininga de uma extensa propriedade delimitada pelo caminho dos Pinheiros (atual Rua da Consolação), Emboa(atual Avenida Doutor Arnaldo) e o córrego Água Branca . Foi subdividido em três áreas: Pacaembu de Cima, Meio e Baixo.

O nome "Pacaembu" vem do TA, com o significado de "riacho de pacas", através da combinação de paka (paca) e 'yemby (riacho).

Outras Semarias

Paulo Prado e Pedro Taques também tentaram identificar os lugares onde antigas aldeias, como Itanhaén, (1561) Ipiranga, Ibirapuera, Jeribatiba e Barueri, estavam localizadas. 

Paulo Prado, por exemplo, sugeriu que o antigo lugarejo de Santo André da Borda do Campo poderia estar na bifurcação de estradas que seguia em direção ao Ipiranga e à aldeia de Tibiriçá, e outra que rumava para Ibirapuera (Santo Amaro atual) e continuava para o sudoeste. 

Essas aldeias, como mencionado por Pedro Taques e outros historiadores, deram origem às sesmarias de figuras como Pedro da Silva, Bartolomeu Cardoso e Amador de Medeiros. 

Um exemplar da carta de sesmaria doada a Amador de Medeiros, transcrita no livro Tombo do Mosteiro de São Bento, ·ns. 38 e 39, onde se lê: "...como tudo indica de uma cruz que está no caminho que vai de Santo André a São Paulo que quebrou uma pedra de corisco, que se diz que João Ramalho a colocou ali... "' Ele é, portanto, o fundador do primeiro núcleo civilizado. 

No planalto ele aparece agora, como um bom católico, colocando o símbolo de Cristo, à beira do caminho que liga Piratininga ao povoado Ramalhete.

As aldeias de Ipiranga, Ibirapuera, Jeribatiba e Barueri, serviram como pontos de referência para a concessão de outras sesmarias na região. Essas aldeias indígenas estavam estrategicamente localizadas em pontos-chave, como bifurcações de estradas e caminhos que conectavam diferentes áreas.

Aldeias

Ururay:
Significado: "rio do jacaré de papo amarelo."
Moradia de Piquerobi, irmão de Tibiriçá.
Abandonada após desavenças provocadas pela chegada dos jesuítas em Piratininga.

Penha:
Descobertas arqueológicas sugerem uma possível aldeia Tupi com uma igaçaba contendo um esqueleto completo.
Fragmentos de cerâmica Tupi encontrados próximo à igreja matriz indicam ocupação pré-contato.
Potencialmente uma aldeia pré-histórica defensiva no alto de uma colina, oferecendo boa visão do vale do rio Tietê.

Itaquaquecetuba:
Significado: "local onde há muita pedra que corta."
Transferência dos indígenas de São Miguel de Ururay por volta de 1620, possivelmente devido à pressão do Pe. João Álvares.
Referência em um roteiro de Antonil para chegar às Minas em 1710.

Mapa de algumas aldeias Tupi em São Paulo - estrapolações de suas limitações territoriais 

Carapicuíba:
Em 1580, os indígenas pediram sesmaria nesta área, indicando possível ocupação.
O pedido foi feito ao capitão-mor Jeronymo Leitão, nas terras dos jesuítas em Pinheiros.

Estas aldeias ao longo do Tietê representam uma parte significativa da presença Tupi na região, marcada por deslocamentos, disputas e adaptações ao longo do tempo.

Jurubatuba:
Significado: Lugar onde há muito jerivá (palmeira).
Localização: Médio rio Jurubatuba-açu (atual rio Grande), próxima à represa Billings.
Estratégica para descida à costa; moradores a abandonavam temporariamente para ir "ao mar fazer sal."
Casa de Cay Obi, liderança que acolheu os jesuítas; seu filho, Cayobi, contribuiu para a fundação da missão de São Paulo.

Guarapiranga:
Possível localização às margens do rio Guarapiranga (rio da garça vermelha), afluente do rio Pinheiros.
Referências escassas; indígenas transferidos para Ururay.

Ibirapuera I:
Significado: "aldeia cercada por paliçada."
Localização: Margem direita do rio Pinheiros.
Possível aldeia fortificada; construção de paliçadas comum em regiões vulneráveis a ataques inimigos.

Ibirapuera II:
Referência em documentação do início do século XVII.
Localização: Margem esquerda do rio Jerubatiba.
Possível ligação com a construção de um engenho de ferro dedicado a Nossa Senhora D'Assunção.
Deslocamento do nome, já que o Parque do Ibirapuera é comemorativo e não autêntico.

A presença dessas aldeias ao longo do Jurubatuba revela uma estratégia indígena adaptativa, marcada por escolhas geográficas e defensivas em relação aos recursos naturais e a possíveis conflitos.

Aspectos Esprituais

Alem do já visto Anhangá, o panteão Tupi pré colonização, conforme abordado por autores como Métraux, Vainfas e Pompa, destaca heróis civilizadores e entidades que moldam a cultura mestiça, os mitos, principalmente recolhidos por Thevet, revelam criadores e heróis como Monã, associado à criação da terra, animais e homens. 

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singularidade de entidades e se Maíra seria uma única entidade com diversos nomes. A visão de criadores Tupi, segundo Métraux, é mais transformadora do que criadora, sendo heróis civilizadores responsáveis por completar a obra. Monã, associado à criação, é descrito por Thevet com influência cristã, enquanto Métraux destaca a possibilidade de interpretação errônea. 

A imortalidade atribuída a Monã e heróis civilizadores não é estranha aos Tupi, como evidenciado pelos Kaapor no Maranhão. Essa visão religiosa contribui para entender a identidade cultural dos povos mestiços, sendo perpetuada pelos nomes dados pelos conquistadores.

As várias manifestações de Maíra

O universo espiritual Tupi, conforme abordado por autores como Métraux, Vainfas e Pompa, destaca heróis civilizadores e entidades que moldam a cultura mestiça. Os mitos, principalmente recolhidos por Thevet, revelam criadores e heróis como Monã, associado à criação da terra, animais e homens. A dificuldade na recuperação desses relatos levanta questões sobre a singularidade de entidades e se Maíra seria uma única entidade com diversos nomes. A visão de criadores Tupi, segundo Métraux, é mais transformadora do que criadora, sendo heróis civilizadores responsáveis por completar a obra. Monã, associado à criação, é descrito por Thevet com influência cristã, enquanto Métraux destaca a possibilidade de interpretação errônea. A imortalidade atribuída a Monã e heróis civilizadores não é estranha aos Tupi, como evidenciado pelos Kaapor no Maranhão.

A  Ocupação Portuguesa

Martim Afonso precisava retornar a Portugal, e portanto resolveu doar as sesmarias a Pero de Góes e Rui Pinto como estratégia de apoio à vila que formara no planalto. 

Semarias eram concessões de terras feitas pelo rei de Portugal no período colonial brasileiro, visando incentivar a ocupação e cultivo dessas terras. Os beneficiários recebiam as terras sob a condição de torná-las produtivas, promovendo o desenvolvimento agrícola e a colonização. As sesmarias contribuíram para a divisão do território brasileiro entre particulares, mas também geraram conflitos e desigualdades em relação aos povos indígenas e comunidades locais. Essa prática influenciou significativamente a estrutura fundiária do Brasil.

Muitas das sesmarias foram baseadas em antigas ocupações Tupi. 

No contexto quinhentista português, sesmarias eram terras que não estavam sendo cultivadas e poderiam ser concedidas a colonos para explorar. A prática sesmarial implantada por Dom Fernando em Portugal, visava uma espécie de reforma agrária, confiscando terras ociosas.

No Brasil, as sesmarias doadas a Pero de Góes e Rui Pinto eram extensas e se estendiam pelo litoral até áreas no interior, indicando a intenção de ocupar e explorar essas terras. 

Em 1553 os Jesuítas passa a usar a aldeia de Maniçoba, na região de Itu, marcou o local para o primeiro povoamento na "boca do sertão", ponto inicial para a expansão rumo ao interior.

Se o beneficiário não as utilizasse em dois anos, o donatário poderia redistribuí-las. As descrições detalhadas dessas sesmarias revelam a vastidão e diversidade geográfica dessas concessões.

Mapa de algumas sesmarias de São Paulo

Pero de Góes, no entanto, não se dedicou à ocupação de suas terras, pois, em 1535, recebeu a capitania de São Tomé ou Paraíba do Sul. Martim Afonso também buscou estabelecer um núcleo populacional no planalto, próximo à aldeia do cacique Tibiriçá. No entanto, as informações sobre esse primitivo núcleo são escassas, e a localização exata tem sido objeto de debates e controvérsias entre historiadores.

Capítulo 2 - O Inhapuambuçu de João Ramalho e Tibiriçá

João Ramalho desempenhou um papel significativo no processo de colonização e povoamento do planalto paulista durante o período colonial. Ele foi um dos moradores do primitivo núcleo estabelecido por Martim Afonso de Sousa, próximo à aldeia do cacique Tibiriçá. A intenção de Martim Afonso era criar um povoado na região, e João Ramalho, que se tornara amigo do cacique, estava envolvido nesse empreendimento.

De acordo com registros, João Ramalho foi mencionado como um dos moradores desse núcleo inicial. No entanto, há divergências entre historiadores sobre sua residência no planalto, pois, por ocasião da doação da sesmaria de Pero de Góes em Piratininga, o escrivão Pedro Capico indicou que João Ramalho e Antônio Rodrigues, línguas (intérpretes) da região, já moravam lá há quinze a vinte anos. Isso sugere que, na época da doação da sesmaria, João Ramalho e Antônio Rodrigues estavam estabelecidos no litoral, não no planalto.

Quanto à localização exata do núcleo fundado por Martim Afonso e a possível residência de João Ramalho, há debates e controvérsias. Alguns sugerem que ele pode ter se instalado em dois locais, um próximo à aldeia de Tibiriçá e outro mais tarde, onde se encontraria a fazenda São Bernardo, próxima à Borda do Campo (atual Santo André).

João Ramalho desposou uma das filhas do cacique Tibiriçá, indicando uma possível instalação próxima a essa aldeia. Ele foi uma figura importante na interação entre os colonizadores portugueses e os povos indígenas, contribuindo para a formação de uma sociedade mestiça na região.

Na Ata de 09 de setembro de 1542 da Câmara de São Paulo, extraída do livro de Madre de Deus, quando o padre Jesuíta Leonardo Nunes passou pelo Planalto de Piratininga em 1550, disse que havia cristãos mesclados entre os indios, a preocupação do missionário era evitar que os portugueses continuassem na vida "pagã", longe dos sacramentos cristãos, e por isso, foi escolhido um novo local, à borda do campo, próximo ao caminho que levava para o litoral, ficando mais próximo de São Vicente.

Leonardo Nunes afirma que encontrou os "hombres blancos", em Piratininga, na aldeia de Tibiriçá, e diz que insistiu para que "se tornassen a los christianos", isto é, que voltassem a São Vicente, ou que se agrupassem a outros que se dispunham a fundar uma vila. Ele relata: "E por que estavam esparzidos e o campo era muito grande, por bem de todos me rogaram que lhes ajuntasse e fizesse hua vila e lhe puzesse nome Santa Maria de Jesu. Assim o fiz, ajuntei-os e pus-lhes o nome que eles quiseram e fiz-lhes a igrejinha". 
João Ramalho e Tibiriçá conversando aos pés do morro careca do Inhapuambuçu

Convém lembrar que João Ramalho e os moradores do planalto foram convocados a retornar a São Vicente, por ocasião do alvará de 1542. Eram vistos como "força" autônoma e não como moradores de um povoado. Por isso, tinham que voltar, "sob pena de mil réis pela primeira vez as tragam do dia que lhes foor notificado e hum mez (...) e quanto à Força do campo [de Piratininga] seraa do dia da notificaçam a dous mezes". Apesar do prazo mais dilatado, nunca atenderam a esta ordem, permanecendo no campo.

Diante deste novo apelo vindo do Pe. Nunes, aceitaram construir uma capela sob a invocação de Santo André. Foi esta igrejinha que Tomé de Sousa encontrou, no princípio de 1553, quando por ali passou.

A vinda do governador foi um marco importante para os portugueses de São Vicente, pois, nesta ocasião transformou Santo André da Borda do Campo em vila, determinando a construção de um baluarte e estabelecendo João Ramalho como capitão-mor, como escreveu ao rei:

"hordeney outra villa no começo do campo desta villa de São Vicente de moradores que estavaão espalhados por elle e os fiz cerquar e ayuntar pera se poderem aproveitar todas as povoações deste campo e se chama a villa de Santo André porque honde a cituey estava húa ermida deste apostollo e fiz capitão della a Iohão Ramalho, naturall do termo de Coimbra, que Matim Afonso ya achou nesta terra quando ca veyo". 

A Guerra entre o catolicismo e a religião Tupi

Um dos episódios de maior ruptura com as tradições familiares indígenas para abraçar a fé católica imposta pelos jesuítas foi o chamado Cerco de Piratininga. A união entre portugueses e Tupi ja a muito vinha ferando desconfiança entre os nativos, principalmente os tipinambás do litoral, que se aliavam aos franceses, a prática da escravidão pelos colonizadores intensificava as hostilidades.

Pintura "A defesa de Piratininga", do artista Lopes de Leão, é a representação mais próxima do que foi o Cerco de Piratininga em 1562 — Foto: Acervo Lopes de Leão

Em 1562, João Ramalho foi nomeado chefe militar de São Paulo pelos jesuítas,  que, ao serem informados sobre a escalada das tensões e o ataque iminente, liderado por seu próprio sobrinho, Jaguaranho, filho de Piquerobi.

Jaguaranho, liderando tribos rebeldes, atacou em 9 de julho de 1562, cercando a vila onde ficava o colégio jesuíta enquanto que João Ramalho liderava a resitência. Jaguaranho, ao vencer as defesas iniciais, decidiu arrombar as portas da igreja para sequestrar as mulheres índias e mamelucas que rezavam, bem como atacar os padres, que agora, se encontravam vulneráveis. Foi flechado no estômago e morreu no local, fato que reverteu a vantagem dos invasores que continuaram a batalha até 10 de julho, com vitória dos portugueses e aliados.

Durante a batalha, Tibiriçá, no auge de seu conflito pessoal, matou seu prórpio irmão Piquerobi com um golpe de espada. Ao ver a trágica cena, um indígena de sua propria aldeia que lutava junto dos atacantes do cerco, assustado com o ato do cacique, desesperadamente pediu perdão, dizendo que aceitava a escravidão - Tibiriçá, sem hesitar matou a ele e outros traidores, encerrando a revolta com ferocidade.

Este episódio tumultuado culminou com a morte de pai e filho durante a construção da igreja, o líder insurgente Jaguaranho aliado a seu pai Piquerobi, confrontados por Tibiriçá, morreram no mesmo dia, 9 de julho de 1562.

O cerco de Piratininga desempenhou um papel crucial ao desvelar as tensões religiosas e as complexidades culturais entre os indígenas Tupi e a influência dos jesuítas. Tibiriçá, inicialmente catequizado e renomeado Martim Afonso, se viu em um dilema durante o assédio, questionando a religião católica imposta pelos missionários. O discurso marcante de um karaíba durante uma tempestade, atribuindo a intervenção divina ao "Filho de Deus", evidencia a resistência e a busca por autonomia religiosa por parte dos líderes indígenas.

A conversão de Tibiriçá, considerado o cacique maior, para o cristianismo, provocou descontentamento entre os pajés, que possivelmente intensificaram seus assédios, essa mudança reflete não apenas uma disputa religiosa, mas também ambiguidades dentro de Tibiriçá, dividido entre as crenças karaíba e abaré. A guerra contra os Papaná, onde Tibiriçá interrompe o combate para sacrificar prisioneiros, revela as complexidades dessa transição cultural e religiosa.

Enquanto isso, em outro cenário, a guerra entre os Tupi e a resistência aos Tupinambás, apoiados pelos franceses, estabeleceu uma aliança entre portugueses e Tupi, liderados por João Ramalho. A mobilização para enfrentar os inimigos revelou as dificuldades na união de forças, com a falta de apoio esperado e a escassez de colonos não indígenas na região de Inhapuambuçu. A necessidade de incentivar a chegada de novos colonos, inclusive "degradados", ressaltou a importância da colaboração e integração entre diferentes grupos para enfrentar os desafios em comum.

Esses eventos históricos marcam os primeiros passos na formação da cultura brasileira, representando a interação e a fusão de culturas tão diversas. 

Um episódio crucial na guerra de deuses e na complexa dinâmica entre as crenças Tupi e a influência dos missionários. Na guerra contra os Papaná, liderada por Tibiriçá, a interferência dos padres, representantes da catequese cristã, evitou o sacrifício dos prisioneiros, gerando conflitos internos na comunidade indígena. Este embate reflete não apenas a disputa pelo controle religioso, mas também o conflito entre tradições Tupi e a imposição da fé cristã.

A recusa de Tibiriçá em acatar a decisão dos padres, mesmo enfrentando críticas de familiares cristãos e líderes como Cayobi, destaca a resistência dos indígenas à conversão. Ao renunciar à fé cristã, Tibiriçá volta ao seu nome anterior, Tibiriçá, sinalizando uma vitória dos karaíba e o retorno às tradições indígenas.

O confronto entre as crenças Tupi e a catequese cristã, evidenciado pelo episódio, destaca a importância da guerra na cultura Tupi, como enfatizado por Gandavo. Esta resistência à conversão e a manutenção de práticas tradicionais indicam a persistência das crenças indígenas frente aos esforços missionários, como mencionado por Anchieta:

Com toda a energia, retiraram as cordas que amarravam o oposto de quem o carregava e as esconderam na casa [da missão]; a espada de madeira [borduna], própria para esse fim, embora não conseguissem retirá-la, impediram que chegasse às mãos do principal [Tibiriçá] a quem se destinava. Ele sentiu muito isso e dirigiu grandes afrontas aos Irmãos, que eram maus e mentirosos e que deveriam ir embora, pois não o defenderam dos opostos - Carta ao Pe.Diego Laines, 31.05.1560 (CAP, 126-127).

Quem eram os Tupinambás, primos inimigos dos Tupis

Graças aos livros de Lerry Thevet e Hans Stadens, sabemos como era a sociedade dos Tupis (Tupinambás, Tupiniquins, etc. ). Esses relatos começam com a aventura de Hans Staden, no ano 1553, que ao realizar uma caçada sozinho em Bertioga, foi capturado por indígenas que o trataram com muita violência - Staden logo percebeu que a intenção dos indígenas era a de devorá-lo em um sofisticado banquete, servido com o mais fino Cauim.

Apos passar por vários momentos de terror, Staden sobreviveu ao contato com os canibais, voltou a Europa, quando escreveu sobre essas verdadeiras desventuras quase inacreditáveis no ano de 1556, fazendo do Brasil e seu provo um dos lugares mais incríveis e assustadores do mundo de sua época.

Aqui vemos as 'Kaûĩ apó sará' (mulheres que preparam Cauim); O processo começa fervendo a mandioca em uma panela chamada yapepó (à direita), depois as jovens virgens mastigam e a cospem numa ugaçaba (no centro embaixo), no final o mosto, já com ação de enzimas salivares é despejado para fermentar em uma panela especial chamada cambuchí (no centro, na frente, repare que a pnela parece com um fruto do cambucí). No lado esquerdo vemos as 'Kunhã Maku' (mulheres que servem o cauim).

A veracidade dos relatos de Staden são autenticados no ano seguinte no livro do francês André Thevet, de religião católica e posteriormente pelo calvinista Jean de Léry. Thevet teve sua experiência obtida ao fazer parte do grupo denominado França Antártica no Brasil, que após passar dez semanas vivendo na Baía da Guanabara, regressou à França por estar doente. No ano seguinte, publicou a obra intitulada ‘As singularidades da França Antártica (1557)’: uma fonte relevante por ser uma das primeiras obras a fazer menção ao Brasil em pleno descobrimento, no entanto, escrito com ênfase no fantástico ao transparecer a presença do imaginário medieval.

Já Jean de Léry que veio para o Brasil em 1558, juntamente com um grupo de quatorze pastores calvinistas, e cinco donzelas para habitar a França Antártica fez um realto bem mais acurado. No decorrer de sua estadia os conflitos ideológicos entre católicos e protestantes, fez que ele tivesse uma visão muito mais critica ao trabalho de Thevet, que após dezenove anos do seu retorno, publicou seu diário denominado ‘Viagem à terra do Brasil (1577)’, uma obra muito mais elaborada que tinha o declarado intuito de desmentir equívocos e mentiras contidas no livro de Thevet.

Essas três importantes obras ilustradas que renasceram na decada de 1920 Totem e tabu, de Freud, o manifesto Cannibale, de Francis Picábia, lançado em 1920, e o livro L’Anthropophagie rituelle des Tupinambás, de Alfred Métraux, que inspiraram os modernistas de 1922, Tarsila, Oswald e Mario de Andrade, fizeram que nós conhecêssemos a cultura, idioma e hábitos dos povos Tupis com rigor científico em estado de arte.

Banquetes que demandavam por refinada etiqueta, como as européias e éticas de guerra, com rituais semelhantes aos dos Samurais japoneses

O Brasil daquela época era ocupado por tribos irmãs e beligerantes, a guerra era uma atividade constante, Potiguares eram inimigos de Tabajaras, que por sua vez eram inimigos de Caetés, rivais dos Tupinambás, os quais, guerreavam constantemente contra os Tupiniquins. Essas guerras eram regidas por códigos atentamente observados e seguidos a risca por todos esses ‘primos’, falantes de variações do mesmo idioma, o Tupi Antigo.

O ato da guerra era sagrado e tinha como o momento culminante do embate, o apogeu ritualístico definitivo e verdadeira consagração da vitoria, a Antropofagia. Os ARAPURUS (comedores de gente) tinham rituais muito bem coreografados e a dinâmica do ritual canibalístico era muito elaborada, existem relatos de outros atos canibilísticos ao redor do mundo, mas foi aqui, nos litorais brasileiros que essa pratica teve a sua aplicação mais requintada.

2.1 – A guerra

Enquanto os portugueses estavam preocupados com a exploração dos recursos da nova colônia, os povos indígenas estavam totalmente dedicados aos atos de guerra intertribais. No ano de 1565 os portugueses resolveram tomar uma posição mais forte e uma batalha foi travada entre portugueses, aliados ao Tupiniquins contra os franceses, aliados dos Tupinambás. Poucos anos mais tarde a maior parte dos franceses foi expulsa da região da Gauanbara, que tinha Villegagnon, um cavaleiro católico de Malta como líder, junto aos Tupinambás da resistência. Essa derrota só foi possível com a ajuda dos Tamoios, sob a liderança de Aimberê, dando origem assim ao Rio de Janeiro.

Em meio a essa guerra toda, guerreiros de tribos inimigas eram capturados e ai então os Abá-Porus faziam a festa

2.2-O Prisioneiro de Guerra

A seguinte sequência de fatos pode ser perturbadora para o leitor, aconselha-se discrição.

No exato momento em que o inimigo era capturado, o guerreiro responsável pela captura virava seu dono, e passava a ter responsabilidade direta sobre seu cativo até o final de todo o processo, que culminaria com com sua canibalização. Os prisioneiros eram amarrados pelos pés e mãos, o que impossibilitava sua caminhada, para se locomoverem, eles tinham que dar ‘pulinhos’, situação que se ridicularizava bastante o capturado.

Aos pulos os prisioneiros eram conduzidos até a aldeia dos vencedores, ao passar pela entrada principal, eram recebidos com animosidade e ainda mais humilhação, os residentes jogavam restos de comida e pedriscos e se dava o seguinte dialogo:


Artefatos dos Tupinambá, a muçurana, a corda que o prisioneiro carregava dentro da aldeia enrolada na cintura - o numero de nós representava o numero de luas até a data de seu sacrificio, o enduape, ornamento com penas gigantes, provavelmente de emas, que era usado nas costas e a ibirapema, budurna, especie de maça utilizada para dar o golpe ritual na nuca do refém.

O captor dava a ordem ao prisioneiro: -“Enhe'eng tembi'u” (Fale, comida); O prisioneiro então respondia: “Aîur-ne pe rembi'urama” (Estou chegando eu, sua comida);

As pessoas da tribo, jogando pedriscos e restos de comida no prisioneiro completavam: “Opererek îandé rembi'u oîkóbo” (Aí vem chegando nossa comida).

Nos próximos dias, o prisioneiro recebia o tratamento equivalente ao de um primo distante, era hospedado na oca do captor, era bem alimentado, a zombaria cessava 'em parte' e o anfitrião oferecia, alimento, rede e até mesmo sua filha ou sua esposa para que este se satisfizesse sexualmente. Nos primeiros dias, ele recebia também uma longa corda com nós para ser usada ao redor do corpo e pescoço, chamada de MUÇURANA. A Muçurana tinha uma quantidade de nós que representava o numero de ciclos lunares até sua execução. O prisioneiro jamais tentava fugir, pois isso seria a maior vergonha para ele e sua tribo. Na bizarra hipótese da fuga do prisioneiro, as pessoas de sua própria tribo não o aceitariam de volta e o conduziam vergonhosamente a aldeia dos captores para seu destino que já estava determinado pelo condigo de conduta da tradição oral mais antigo que se conhecia.

Os Tupis, tal qual os samurais prezavam a morte digna, o tumulo mais honroso para um guerreiro era o estomago de seu inimigo - Ter suas entranhas devoradas por vermes e insetos era repugnante e desprezível.

2.3- O Banquete

No dia anterior ao banquete, todos bebiam o Cauim, bebida fermentada de mandioca produzida exclusivamente pelas mulheres pelo processo de mastigação e cusparada (a amilase salivar transformava amido em açúcar, que por sua vez era fermentado por leveduras exógenas, criando assim uma bebida de graduação alcoólica não superior a 8,5%), e tinha inicio uma grande festa.
Capa de penas de guará e de papagaio, pertencia à tribo de índios Tupinambá. Após a chegada do europeu em 1500, grande parte destas preciosidades foram saqueadas. O destacado Manto Tupinambá, que já foi confundido com o manto de um imperador azteca e foi levado daqui pelo governador holandês de Pernambuco, no século 17. Hoje pertence ao Museu Nacional de Arte da Dinamarca.
Na manhã seguinte, o prisioneiro tomava um banho e depois era ornado com penas, casacas de ovos, e outros adereços, eram também feitas pinturas vermelhas de urucum e pretas de jenipapo. Uma pantomima sempre acontecia nesses rituais - permitia-se que o prisioneiro fugisse até a entrada da aldeia quando era recapturado, numa encenação ritualística, e voltava amarrado com a Muçurana pela cintura, trazido por dois guerreiros, um de cada lado da corda e trazido para frente do executor enquanto a tribo toda gritava e se alvoroçava, aumentando assim o clima da festividade ao seu êxtase.

O Executor que também havia se banhado e submetido a uma pajelança com ervas e unguentos, após a longa cauinagem da madrugada, trajava-se de forma ritualística, com plumas pinturas e um maravilhoso MANTO GUARÁ vermelho feito com pele de lobo-guará, ornado com plumas de arara e tucano. Um dos momentos mais acalorados da festa era quando o executor se colocava na frente do prisioneiro, o absoluto silencio se fazia e acontecia outro dialogo:

O executor perguntava: -“Ere-îuká-pe oré anama, oré iru abé?” (mataste nossos companheiros e nossos parentes?)
O prisioneiro então relatava seus feitos heróicos: - “Pá, Xe r-atã, a-iuká, opabe a-‘u. Xe anama xe r-eõ-nama resé xe r-epyk-y-ne. Xe anama e’i-katu pe îukabo” (Sim, eu sou forte, matei-os e comi-os todos, minha família, por minha morte vingar-me-á, minha família irá matar vos).

Após o dialogo, o executor empunhava uma pesada arma, assemelhada a uma enorme maça, com um peso na ponta, ornada com plumas, que previamente fora preparada com orações e libações, chamada ‘IBIRAPEMA’, a manejava com destreza em movimentos marciais coreografados, encaminhava-se para traz do prisioneiro e acertava a base do crânio com muita força.

A morte era rápida, o crânio era despedaçado em sua base.

As mulheres mais velhas rapidamente colocavam um embolo em seu anus para evitar que os fluidos saíssem, recolhiam seus miolos e demais fragmentos espalhados pelo chão e tentavam recolher a maior parte possível de sangue. O corpo permanecia de pé, amparado pelas Muçuranas, fazendo com que seu sangue não fosse espalhado pelo chão, havia uma propósito muito nobre para todo esse sangue.

O sangue colocado em vasos de barro cozido e era bebido ainda quente por todos, as mulheres passavam em seus seios e davam o peito aos bebês, seu corpo era colocado com muito respeito dentro de um caldeirão já com água fervente, para facilitar a retirada da pele, ai então o corpo era desmembrado, cortado pelo dorso e levado para a defumação (moqueágem). Após alguns minutos o corpo era virado, abria-se o ventre e os miúdos eram misturados a farinha e o mingau era dado para as crianças, só os grandes guerreiros podiam comer um mingau preparado com a pele ao redor do crânio, e os órgãos sexuais eram devorados pelas mulheres. A língua e os miolos eram comidos por pré-adolescentes de 12 a 16 anos de idade.

Logo apos a execução, o executor era arranhado pelo líder tribal com dente de onça, de forma que a escarificação já cicatrizada servia-lhe como honraria – Quanto mais escarificado, melhor guerreiro era. Todo esse ritual era acompanhado de musica de flauta feita com os ossos dos prisioneiros abatidos anteriormente.

Ao final de 4 horas, o ritual acabava e os habitantes da tribo se recolhiam aos aposentos para dormir, a final de contas, ficaram acordados a noite toda para o grande evento.

Capítulo 3 - Como compilei essas informações pouco conhecidas?

Descrever um possível cenário sobre a vida dos indígenas Tupi antes da chegada dos colonizadores portugueses em São Paulo não é tarefa fácil, muito do que aconteceu se perdeu no tempo, principamente por conta da tradição oral, toda a herança cultural do provo era passada de gerações para gerações e naa era anotado.

No entanto, grande parte do que sabemos hoje nos chega por meio dos escritos dos próprios causadores do desaparecimento dos Tupi em São Paulo, a Ordem Jesuíta. É correto afirmar que os jesuítas, em comparação com outras ordens da Igreja Católica, eram tidos como 'cientistas de batina'. O fundador da ordem, Inácio de Loyola (1491 ~1556), formado no prestigiado Collège Sainte Barbie, mesmo sem ser conhecido por realizações científicas, estabeleceu uma ordem que valorizava a educação e o conhecimento, durante a colonização brasileira, os jesuítas desempenharam um papel significativo na documentação da vida dos povos indígenas e na elaboração da gramática tupi, mostrando um interesse científico em entender e registrar a cultura local.

Outros relatos de valor nos chegam por meio das Atas da Câmara de São Paulo, da documentação oficial, como testamentos, inventários e cartas das datas das sesmarias, bem como também muitos erros, como o de Frei Gaspar da Madre de Deus, Memórias para a história da capitania de São Vicente , que chamou os Tupi/Tupiniquim de Guaianas

Procurei não ser influenciado por visões ufanistas, como a dos heróis bandeirantes de Alcântara Machado, bem como orientações políticas de F. Fernandes e Darcy Ribeiro, bem como relatei baotos e contos fantasiosos, por fazer parte de nossa cultura material - a idéia foi fazer um texto cientificamente neutro.

A pesquisa ateve-se basicamente à chegada dos primeiros colonizadores, por volta de 1532, indo até 1593, ano da última grande ofensiva Tupi contra o planalto paulista e de datas anteriores.

Embora grande parte destes textos sejam marcados pela visão missionária da época e por disputas teológicas, sobretudo os do Rio de Janeiro, todos eles deixaram descrições de grande valor etnográfico. Jean de Léry (1534-1611), que esteve cerca de três anos no Rio de Janeiro, entre 1557 e 1560, conviveu, sobretudo, com os Tupinambá do Rio de Janeiro, mas teve também um pequeno contato com os Guaianá.

Segundo Lévi-Strauss Léry tomou-se um paradigma, antecipando de vários séculos a Malinowski. Chega mesmo a afirmar que não somente "viu os indígenas como nunca foram vistos, mas também elaborou seu livro numa ordem que seria depois a das monografias clássicas".

Em relação às cartas jesuíticas há o estudo crítico de Pécora (1999) e de Cristina Pompa (2003) que fazem uma separação entre as cartas oficiais (ânua e quadrimestral) e as cartas de circulação intera, chamada de hijuelas. Embora esta autora considere que as primeiras eram uma espécie de "difusão e 'propaganda' dos resultados da catequese para o mundo externo (incentivando as vocações)", sobretudo às escritas para os superiores gerais, como Inácio de Loyola e Diego Laynes", acredito que a realidade dos fatos aparecem nas entrelinhas, mesmo quando elaboradas dentro de um modelo clássico adotado pela Companhia de Jesus".

Como observa Puntoni, "os cronistas e os autores das cartas anuas (e os jesuítas em geral), por exemplo, não procuravam descrições objetivas, mas sim a tradução da imensa alteridade observada em termos familiares". É o que afirma Pompa, quando diz que as cartas jesuíticas estão longe de ser efeito espontáneo tanto da realidade objetiva dos indigenas do Brasil, quanto da reação subjetiva do impacto desta realidade em certa mentalidade católica européia".

Mesmo que a obra de André Thevet (1504-1592) não tenha a dimensão vivencial dos relatos de Staden e Léry, traz informações etnográficas importantes, sendo o cronista que melhor recuperou a mitologia tupinambá. Um texto importante e pouco conhecido no Brasil é o manuscrito que se encontra na Biblioteca de Paris, intitulado Histoire d'André Thevet Angoumoisin, cosmographe du Roy, de deux voyages par lui faits aux Indes australes et occidentales". Este escrito e as interessantes informações de La Cosmographie Universelle revelam que o autor esteve duas vezes no Brasil, por um período de quase três anos (1553 e entre 1555-1556), embora seu detratores afirmem que estivera apenas por alguns meses. Por este seu texto, que dá muitos informes sobre os indígenas do Sudeste, como os Guaitaká, Guaianá e Tupinambá, vê-se que soube muito bem utilizar de seu interprete normando para recolher os dados que traz nas suas obras como os mitos até hoje usados na antropologia.

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