segunda-feira, 28 de abril de 2025

RPG dos Heróis da Bruzundanga - Gamificação Para Aculturamento do Cauim Tiakau

Visconde de Quaresma servindo Cauim Carauna em sua mansão, réplica idêntica do Museu do Ipiranga no Rio de Janeiro

Uma aventura tupi-canibal para divulgar o Cauim Tiakau

RPG e Gameficação

O objetivo deste artigo é analisar os efeitos da gamificação como estratégia de aculturação para o Cauim Tiakau, utilizando um jogo de RPG baseado nos Heróis da Bruzundanga, bem como apresentar o jogo e sua dinâmica. 

A trama se passa em um futuro alternativo do Brasil, masi exatamente no ano de 2093, onde e quando a cultura tupi é amplamente valorizada e o país alcançou um nível elevado de prosperidade.

A gamificação no marketing é uma abordagem eficaz que transforma interações cotidianas com a marca em experiências divertidas e engajadoras. Ela consiste em aplicar elementos de design de jogos — como pontos, distintivos e desafios — às atividades de marketing, estimulando o envolvimento e a fidelização.

Dentro do jogo, há uma etapa especial de degustação de cauim, na qual os participantes experimentam a bebida enquanto aprendem sobre seu processo de produção tradicional com nomenclaturas em tupi antigo. Esse momento é integrado à narrativa de forma a reforçar o contexto histórico e cultural da bebida, promovendo a valorização das raízes indígenas brasileiras.

 


Base de Estratégia

Para criar a dinâmica do jogo, foi necessário um extenso processo de estudo e pesquisa. Não apenas resgatei minha experiência prática com jogos de RPG, que tive na virada dos anos 2000, como também mergulhei no estudo dos principais teóricos de gamificação aplicada ao marketing. Essa base teórica e prática foi essencial para estruturar uma experiência que fosse, ao mesmo tempo, divertida, envolvente e alinhada aos objetivos de aculturação e valorização cultural do projeto Cauim Tiakau.

Aqui estão três autores cujos trabalhos em gamificação se aproximam bastante da proposta do Cauim Rerekoara, especialmente por envolverem narrativas envolventes, experiências culturais imersivas e interação social significativa:

1. Gabe Zichermann

Obra principal: Gamification by Design

Relevância: Zichermann é um dos principais nomes da gamificação. Ele destaca o uso de jogos para engajar pessoas emocionalmente, algo essencial no seu projeto, que une storytelling, identidade cultural e participação ativa.

2. Jane McGonigal

Obra principal: Reality is Broken

Relevância: Jane defende que jogos podem ser usados para melhorar o mundo real. O seu jogo, que resgata o cauim e a história dos povos originários, está diretamente alinhado com essa ideia de experiência transformadora com impacto cultural.

3. Sebastian Deterding

Obra principal: Diversos artigos sobre gameful design e experiências significativas

Relevância: Deterding se aprofunda em como criar experiências com significado e imersão. Ele defende que jogos precisam ter coerência com o contexto cultural e emocional do jogador, algo que você já aplica ao conectar o jogo com os Heróis da Bruzundanga e o cauim.

Além do live action (veja post anterior), um jogo de RPG com os personagens pode ser uma opção para divulgar a cultura tupi, o cauim e prinicpalmente o idioma tupi antigo. Os idiomas indígenas como a língua geral paulistana, a língua brasílica, o nheengatu, entre outras variações do tupi antigo, eram as mais faladas em todo o território brasileiro, enquanto a língua portuguesa era minoritária, falada apenas por europeus, até a proibição das línguas indígenas pelo Marquês de Pombal,  em seu diretório de 3 de maio de 1757. 

Este diretório buscava não apenas corrigir o inócuo decreto de 7 de junho de 1755, que havia transferido a jurisdição temporal para os próprios chefes indígenas, mas também determinar visivelmente a expulsão dos jesuítas, particularmente visados ​​por este documento. Uma vez confirmado e convertido em lei pelo decreto de 17 de agosto de 1758, o ensino do português e do tupi nas missões jesuíticas foi proibido.

Dessa forma, a produção do Cauim, o estudo do idioma Tupi Antigo, bem como todas as formas de resgate cultural, tornaram-se, desde então, ferramentas de valorização cultural e autodeterminação nacional.

Tabuleiro do Jogo
Objetivo do Jogo

Este é um jogo de RPG com fins de gamificação e degustação para promover o Cauim Tiakau, uma bebida ancestral renascida com propósito.
No final da partida, o jogador vencedor recebe como prêmio uma garrafa de Cauim Tiakau.

Formato

Jogadores: de 12 a 50 participantes
Duração: aproximadamente 1 hora
Estilo: Role-Playing Game (RPG) com cartas e narrativa interativa
Temática: sátira política, misticismo tupi e combate simbólico entre civilização e barbárie

Materiais

50 Cartas de Personalidade
Cada carta apresenta 4 atributos com pontuação de 1 a 20:
Potência em Batalha
Capacidade de Defesa
Inteligência
Equilíbrio Emocional

3 Cartas de Roteiro (com a trama central da sessão)
10 Cartas de Ação (eventos aleatórios que alteram o jogo)
Muitas peças de GO (utilizadas como valor monetário — chamadas de “Contas”)
Cada jogador começa com 10 Contas

Fase 1: Preparação

Cada jogador recebe uma Carta de Personalidade, dividida entre Protagonistas (heróis) e Antagonistas (vilões) em número equilibrado.

Caso o jogador não goste da carta, pode trocar uma única vez.

As personalidades são explicadas na apresentação inicial.
Apresenta-se o contexto histórico e cultural do Cauim Tiakau, Os Bruzundangas e associação com obras de Lima Barreto, sua origem e importância.

Divide-se a sala em dois grandes grupos: Protagonistas e Antagonistas.

Fase 2: Apresentação do Roteiro

Exemplo de roteiro para a primeira partida:

Trama – A Toxina da Infância Eterna
A Bruzundanga vive o caos. Após um golpe de estado, os fanáticos da ordem secreta Tupi Rerekoara tomam o poder. Eles revivem práticas canibais, tomam o judiciário e impõem uma toxina misteriosa que impede a puberdade — criando uma população de adultos infantilizados e controláveis.

Os heróis Assum Preto, Mani e Quaresma são convocados para investigar o plano, iniciando uma jornada que revelará segredos profundos sobre poder, ancestralidade e manipulação de consciências.

Fase 3: Escolhas Táticas

Os jogadores se organizam em grupos de acordo com suas cartas:

Ex: Quem tirou Quaresma (carta 03) lidera os protagonistas.
Quem tirou Yara (carta 09) lidera os antagonistas.

Cada grupo decide em conjunto quem revelará a próxima Carta de Ação.

O grupo dos antagonistas escolhe seu exército secreto (Ex: Exército Formiga Fujoshi).

Aqui, os grupos escolhem secretamente quanto pagarão a Fujoshi, em valores que podem variar de 2 a 10 CONTAS. As disputas sempre serão vencidas pelo exército que pagar mais. Se o grupo que se sente oprimido decidir pagar mais a Fujoshi, poderá fazê-lo. Quem paga mais sempre vence.

O personagem “Manda Chuva” contrata Quaresma, pagando 5 Contas.

O pagamento pode vir do próprio bolso ou por meio de doações de aliados.

Cartas das Personalidades Principais


CARTA DA DEUSA MANI – 1
A personagem mais poderosa do jogo - “Mani, a força da natureza tupi em um corpo humano. Quando usa roupas perde seus poderes porque é a manifestação suprema de tudo o que é natural”. 


CARTA DO ASSUM PRETO – 2
“Tal como o pássaro de Luiz Gonzaga, Assum Preto tornou-se muito mais sensível e perceptivo após o acidente quântico que lhe custou a visão.

CARTA DO VISCONDE QUARESMA - 3
“Líder dos Heróis da Bruzundanga. Parente bem menos ingênuo do conhecido Policarpo Quaresma, ele tem um QI acima de 300 pontos e ama o Brasil tanto quanto seu ancestral”.

CARTA DE KALUANA DE ROUAN – 4
“Embaixador tupinista francês dos Heróis da Bruzuandanga na França, grande apreciador de cauim, más corre o boato de que é adepto do canibalismo”.

CARTA DE HUTEKLE BEN TAD - 5
“Assessor do serviço de inteligência e segurança de Sua Excelência o Manda-Cuva da Bruzundanga”. 

CARTA DE SUA EXCELÊNCIA O MANDA-CHUVA – 6
“O presidente da Bruzundanga, tratado por ‘manda-chuva’ e engajado na política através do sogro que o queria em um bom cargo para aos filhas”.

CARTA DA CEO DA FUJOSHI - 7
É a carta mais poderosa dos antagonistas. “Não se deixe enganar, apesar dos seus 16 anos, Fujoshi tem um QI tão alto quanto o de Quaresma. Seu lema é “A tecnologia militar não tem lado, más tem preço””. 

CARTA DO SR. LELÊ CULÊ - 8
“Sr. Lelê Culê, Ministro dos Títulos Soberanos da Bruzundanga e também é supeito de ser o contador dos Tuque-Tuque Fit-Fit.

CARTA DE YARA TUPI REREKOARA – 09
“Líder radical dos monges tupinistas, guardiões ancestrais do legado tupi, ressuscitam práticas canibais e se infiltram silenciosamente nas engrenagens do poder. 


CARTA DE INHAPUAMBUÇU - 19
"Morro sagrado dos tupi, com vida e personalidade próprias. Base do triângulo histórico de São Paulo, entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí, atual bairro da Liberdade”.

CARTA DE ANHANGÁ - 20
“Deus tupi da caça e da natureza. De tamanho atroz, com olhos vermelhos da cor do fogo, ele vive no Vale do Anhangabaú”. 

CARTA DE ABAREBEBÉ – 21
Abarebebê é um padre jesuíta, piloto de caça cujo nome em tupi significa “o padre voador”, membro da família do histórico padre Leonardo Nunes”. 

CARTA DO DR. ABAPURÚ – 22
“Médico carismático que se tornou famoso na mídia por criar vacinas para diversas doenças desconhecidas. Suspeito de ser o homem por trás do ‘vírus da puberdade’”. 

CARTA DE HALAKANA BEN THORECA – 23
“Bióloga, cientista e freira, especializada na recuperação clonal de animais extintos. Ela ama seus mamutes, más ainda fornece a carne deles para a Tuque-Tuque Fit-Fit”.

CARTA DE TUQUE-TUQUE FIT-FIT – 24
“Sua Alteza Real, o Príncipe é uma figura mítica, muitos acreditam que ele criou métodos para alcançar a longevidade ao custo de vidas de escravos e de mamute”.

CARTA DE FELIXHIMINO BEN KARPATOSO – 25
“O homem mais rico da Bruzundanga. Um charlatão elegante que fala lindamente sobre finanças, mas não entende muito bem o assunto e cita autores estranhos e fictícios”.

HENGRÁCIA  BEN MANUELA KILVA – 26
Dona Hengrácia é esposa do Sr. Karpatoso que vem da roça e inventou para si mesma um título falso de nobreza, tal como Napoleão”.

JEFFERSON ARAMA – 27
Dizem que ele é filho de Mani e Assum Preto, muito inteligente, más também mimado e temperamental. Acostumado a se o centro das atenções por causa de sua beleza e poderes de semideus”. 


Cartas de Ação


CARTA CAUIM TIAKAU - 10
"Você ganhou poderes especiais dos Tupis. Todas as suas pontuações são dobradas (x 2) e você se torna imune à eliminação."
(Essa carta deve ser guardada até o final.)

CARTA TUKANAIRA MELVIN - 11
"Você ganhou poderes especiais dos Tupis. Todas as suas pontuações são aumentadas pela metade (x1,5). Elimine um jogador do jogo (inclusive a si mesmo, se desejar - Essa carta deve ser guardada até o final)."

CARTA IMPOSTO AO MANDACHUVA - 13
"Pague 3 Contas ao Manda Chuva. Se você o apoiou desde o início, receba 1 Conta como bônus."

CARTA DECOY DA MANI - 12
"Você foi enganado pela feiticeira Yara. Pague 3 Contas a ela."
Condições de Vitória.

CARTA BATALHA DE INSETOS - 16
“Batalha entre termites e formigas, vence quem pagou mais. Se o perdedor quiser pagar mais à Yara para ter um exército melhor, agora é a hora. Quem perder paga 3 Contas para o vencedor.

CARTA ASSUM TORANDO - 17
“Assum Preto te ajudou a vencer essa batalha, pague Três CONTAS a ele”.

CARTA EU SOU SUA COMIDA - 18
"Você foi capturado pelos Tupi Rerekoara. Será devorado e degustado com Cauim. Você está fora do jogo”.


CARTA NOBREZA DO PALPITE - 28
"Você se casou com a filha de alguém inportante de Bruzundanga, ganhou um título, um bom cargo de dobrou seu número de Contas".

CARTA VIAGEM DE QUARESMA - 29
"O Visconde de Quaresma teve que ir à uma reunião urgente em São Paulo, Pague sua passágem no valor de 2 Contas". 

CARTA COMPRAS DE MANI - 30
"Mani decidiu ir às compras na cidade de Bosomsy, na Bruzundanga, como é preciso agradá-la, você pagou suas compras no valor de 3 Contas". 

CARTA AULA DE TUPI 1 - 31
"Faça a pergunta e dê a resposta conjugando o verbo "comer. Se a sua pronúncia for boa, você ganhará 2 Contas". 

Pergunta: 
Mba'epe ereimonhang ko'yr é?
O que fazes agora?

Resposta:
ixé a-karú Eu como
endé ere-karú Tu comes
a'e o-karú Ele/ela come
oré oró-karú Nós comemos (exclusivo)
îandé îa-karú Nós comemos (inclusivo)
peẽ pe-karú Vós comestes
a'e o-karú Eles/elas comem

CARTA AULA DE TUPI 2 - 32
"Escolha um parceiro de jogo para fazer este diálogo, se a pronúnica for boa, ambos ganharão 1 Conta". 

Pergunta:
Marã pe ereikó, sé iru gûé (ió)?
Como você vai, irmão?

Resposta:
Xe kuarukasy nde resé.
Tenho a dor da tarde por sua causa (estou com saudade de você).

CARTA AULA DE TUPI 3 - 33
"Valendo uma Conta, adivinhe qual palavra vem depois da sequência de "tybas"(reuniões, ajuntamentos em tupi antigo)". 

Comanadatuba - ajuntamento de favas
Ibituba - cadeia de montanhas
Mandiotuba - mandiocal
Ananituba - plantação de abacaxi...

Caraguatatuba - anjuntamento de? 
Resposta:
 caraguás

CARTA FESTIVAL DO ANHANGÁ - 34
"Você foi escolhido para patrocinar as comemorações do Dia do Anhangá no Vale do Anhagabaú, no dia 17 de Julho. Pague 2 contas". 

CARTA CAIU A OCA - 35
"Você tinha um espião e ninguém sabia, infelizmente  ele foi pego. Pague a fiança de 2 Contas para que ele não dê com a língua nos dentes". 

CARTA OPORASEI - 36
"Oporaseî pysaré, oîempaîe angaipaba" - Dançaram a noite toda praticando feitiçaria — com isso você sairá vitorioso em todas as suas disputas. Guarde esta carta. 

Condições de Vitória

O jogo termina após a revelação de todas as Cartas de Ação ou quando o facilitador disser "última rodada".
O jogador com maior pontuação total ajustada (considerando atributos, Contas restantes e efeitos especiais) vence e recebe a garrafa de Cauim Tiakau.

sábado, 19 de abril de 2025

Cominatória: um filme dos Heróis da Bruzundanga


Mesmo com nosso primeiro Oscar para o filme Ainda Estou Aqui, com Fernanda Montenegro, acho que o cinema brasileiro ainda tem muito a evoluir — especialmente quando se trata de criar universos próprios, com personagens que inspirem orgulho, reflexão e pertencimento. Foi com esse sentimento que nasceu Cominatória, o filme live-action do meu HQ - Os Heróis da Bruzundanga com imágens criadas por IA mediante meu etilo artístico.

Na Bruzundanga (bem como no Brasil desta ficção), falam-se dois idiomas: o português e o tupi antigo e a bebida nacional brasileira é o cauim, exportado para todo o mundo. O cauim preferido de Mani é o Cauim Caraúna dos Tupi, o mais tradicional.

No livro Os Bruzundangas de 1922, Lima Barreto não menciona explicitamente um idioma diferente falado no país fictício da Bruzundanga. Na verdade, ele escreve como se o idioma fosse inguagem satírica, que bem pode ter sido o Protuguês, que imita a pomposidade e o burocratês das elites, criando um estilo que soa estranho e quase estrangeiro, exatamente para fazer uma crítica direta ao Brasil de sua época.

A Bruzundanga é uma alegoria do Brasil — e os personagens, instituições e costumes representados na obra são espelhos dos que existiam no país real. O autor usa essa nação inventada para satirizar a corrupção política, a incompetência administrativa, o bacharelismo exagerado e os vícios das elites brasileiras.

Em Bosomsy, capital de Bruzundnga, as pessoas se vestem como samoiedas, mesmo sendo um país tropical e muito quente. Carros voadores avançados de 2093 dividem as ruas e os céus com carros da década de 1950, demonstrando a distribuição desigual de renda.

Como sabem, Heróis da Bruzundanga é baseado nos livros de Lima Barreto — Triste Fim de Policarpo Quaresma e Os Bruzundangas. Em vez de simplesmente adaptar suas páginas, quis reimaginar aquele universo satírico e visionário com uma estética futurista e tropical, mantendo a alma crítica e irônica do autor. 

Líder dos Tupi Rerekoara escraviza os cidadãos doentes e ingênuos de Bruzundanga

Mani, Assum Preto e Quaresma não são apenas personagens. São símbolos de identidade e esperança em meio ao caos da Bruzundanga — um país que, mesmo fictício, nos diz muito sobre o Brasil real dos anos 1920, bem como dos dias de 2020.

Mais do que um filme, Cominatória é um convite para sonharmos com um cinema mais ousado, autoral e nosso.

Por Que Cominatória

"Cominatória" é uma palavra que vem do latim comminari, que significa "ameaçar". No português, ela tem dois sentidos principais:

Jurídico: é um tipo de advertência ou ameaça legal de punição ou penalidade, geralmente usada em sentenças. Ex: "pena cominatória" é uma multa que será aplicada se alguém não cumprir uma ordem judicial.

Visconde Quaresma, o descendente mais inteligente de Policarpo Quaresma, em encontro com os Mandacuva de Bruzundanga em 2094

Literário/Poético (menos comum): pode ser usada para indicar algo ameaçador, forte ou impositivo — como uma ação decisiva ou uma ruptura.
No contexto do seu filme Cominatória, o título carrega um peso simbólico interessante: pode sugerir um ultimato dos heróis contra a Bruzundanga corrompida, ou até uma ameaça de transformação — um chamado à mudança radical. Forte, dramático e provocador. 

Nos anos que antecedem o século 22, os carros respeitarão a estética que Prestes Maia inspirou nas ruas de São Paulo — por isso, o carro mais importado em Bruzundanga é o Modelo São Paulo 4000 de Luxe, Marca preferida de carros de Quaresma.

Trama

Num tempo de caos institucional, a Bruzundanga mergulha em trevas após um golpe de estado liderado pelos Tupi Rerekoara — uma ordem radical de monges tupinistas, guardiões ancestrais de uma cultura esquecida. Fanáticos por uma visão deturpada do legado Tupi, ressuscitam práticas canibalísticas e se infiltram silenciosamente nas engrenagens do poder, tomando o judiciário e passando leis que desafiam os valores mais básicos da civilização.

Mani, a força da natureza tupi encarnada em um corpo humano, não usa roupas porque é a manifestação suprema de tudo o que é natural, tem poderes sobre-humanos e conversa com diferentes consciências (animais, plantas e até minerais).

Chamados inicialmente para resolver um caso “menor” por Lelê Culê, Ministro dos Títulos Soberanos da Bruzundanga, suspeito de ser o contador dos Tuque Tuque Fit Fit, os Heróis da Bruzundanga — o gigante Assum Preto, a enigmática Mani e o perspicaz Quaresma — descobrem um plano sinistro de proporções globais: os Tupi Rerekoara desenvolveram uma toxina que inibe a infância e impede a puberdade dos adultos. A consequência? Uma sociedade inteira de corpos crescidos, mas com a ingenuidade de crianças — vulneráveis, manipuláveis e eternamente dependentes.

Tal como o pássaro da letra de Luis Gonzaga, Assum Preto ficou muito mais sensível e perceptivo após o acidente que lhe custou a visão - todos seus ímpetos parecem ter crescido a novas dimensões, seu lado de cangaceiro selvagem não foi exceção. 

O roteiro mistura sátira política, ficção distópica e ação alucinante, revelando como a Bruzundanga, apesar de tão antiga quanto o planeta, nunca encontrou sossego para os seus verdadeiros filhos.

Formigas Versus Cupins (Termitas)

A Fujoshi (テクノロジー腐女子) é uma mega corporação bélica e tecnológica do final do século 21, especializada na produção de soldados aumentados — híbridos entre humanos e máquinas — criados para operar em ambientes extremos e guerras prolongadas. Seu slogan não oficial é conhecido em todos os fronts de batalha: “Tecnologia não tem lado, más tem preço.”

General Termita, com tecnologia Fujoshi - luta pelos interesses do Brasil e Da Bruzundanga

Na linha de frente dos conflitos da Bruzundanga, a Fujoshi fornece seus icônicos Soldados Termitas aos aliados do regime, guerreiros implacáveis com exoesqueletos reforçados, armaduras segmentadas e capacetes de tecnologia avançada que permitem visão total em todo o espectro eletromagnético — do infravermelho ao ultravioleta. Eles se destacam em combate urbano, subterrâneo e infiltrado, inspirados na organização das verdadeiras colônias de cupins (Termitas).

Ao mesmo tempo, por trás das sombras diplomáticas, a empresa também abastece os Soldados Formigas, enviados aos exércitos inimigos. Suas armaduras prateadas e brancas refletem a luz do dia, simbolizando a frieza com que marcham para o campo de batalha. A eficiência da tropa é amplificada por sensores integrados, módulos de força sincronizada e comandos neurais coordenados via rede de comunicação tática da própria Fujoshi.

Exército "Colonia" de Fromigas - também de tecnologia Fujoshi - inimigos da Bruzundanga

No centro de tudo está o enigmático Sr. Fujoshi, CEO e idealizador do conglomeado de empresas. Ele opera como um maestro das guerras modernas, decidindo quais exércitos recebem as últimas atualizações — e quais ficam com o que sobra. Suas decisões não seguem ideologias, apenas contratos.

Enquanto a guerra devasta a Bruzundanga, a Fujoshi prospera — alimentando os dois lados, promovendo um equilíbrio instável onde o verdadeiro vencedor é sempre o fornecedor.

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Quaresma, Assum e Mani retornam para enfrentar não apenas um exército, mas uma ideia — a de que a paz é uma mercadoria e a infância, uma toxina a ser eliminada.

A São Paulo de 2093 mudou muito com a prosperidade gerada pelas reformas políticas e econômicas de Quaresma (na imagem vemos seu carro no Vale do Anhangabaú), mas seu centro histórico ainda tem suas características preservadas, até mesmo o morro do Inhapumabuçu foi restaurado em seu local original, no bairro da liberdade, a pedido dos tupinistas da seita Tupi Rerekoara.

Em meio ao caos, ecoa a lembrança de um velho patriota:

“Veio-lhe então à lembrança aquela frase de Saint-Hilaire: se nós não expulsássemos as formigas, elas nos expulsariam. [...] a fazer esforços de sagacidade, para descobrir os redutos centrais, as ‘panelas’ dos insetos terríveis. Então era como se os bombardeassem; o sulfeto queimava, estourava em tiros seguidos, mortíferos, letais.”

— Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915.

O Cauim

Encerrando essa jornada cinematográfica por uma Bruzundanga reinventada — entre soldados aumentados, tradições subvertidas e heróis improváveis —, celebramos também aquilo que nos torna únicos. Nesses países de outra realidade, mas bem próxima da nossa, o mundo se delicia com uma iguaria brasileira sem igual: o cauim. Com tantas variedades quanto as etnias que o produzem — cauim dos Waurás, dos Tupi, dos Yanomami — são mais de 300 tipos diferentes que se multiplicam por várias marcas e categorias, que carregam histórias, num universo de ritos e sabores próprios. As vésperas do seculo XXII essas marcas singulares conquistam o paladar global com a mesma reverência dedicada ao saquê japonês ou aos vinhos franceses e italianos. 

T’ereikokatu!

domingo, 15 de dezembro de 2024

A Entrada de Rouen : Uma pista sobre como viviam os Tupis no Brasil

 
A festa brasileira em Rouen, foi um espetáculo realizado em 1550 com o proposito de mostrar o Brasil para os franceses, que envolveu uma representação teatral de inídgenas e atores em decorrência da celebração da Royal Entrée do rei Henrique II. Quanto a localização exata de onde ocorreu o evento, essa ruina da porta de entrada da cidade dá a pista - no livro de Denis consta que que foi próximo a porta da entrada da Muralha de Lemecier, tudo indica que o local do evento tenha sido L'île Lacroix - vide mapa abaixo mostrando a porta de entrada da cidade em ruinas, ponto de referência para a precisa localização.

Relatos sobre o modo de vida dos Tupis são raros e fragmentados, pois sua tradição oral foi quase completamente apagada ao longo dos séculos pela colonização e pela destruição de suas culturas. No entanto, registros deixados por viajantes e cronistas europeus, como Hans Staden, Jean de Léry, José de Anchieta e Ferdinand Denis, oferecem pistas valiosas, ainda que mediadas por perspectivas externas e frequentemente distorcidas pela incompreensão ou pelo exotismo.

Entrée du roi Henri II à Rouen le premier octobre 1550

Entre esses registros, destaca-se o relato de Ferdinand Denis, escrito em 1850 sobre la Sumpuouse Entrée  (suntuosa entrada), com base num livreto de Maurice Sève, publicada em Rouen em 1551. O texto registra a “entrada” realizada em homenagem ao rei de França Henrique II e à rainha Catarina de Médicis, em 1550. As entrées  eram celebrações, muitas vezes de caráter teatral ou religioso, em homenagem a acontecimentos ou personalidades de que se utilizava a realeza para exibir seu poderio e riqueza. 

Mapa da cidade de Rouen com a porta que aparece na gravura


Esse evento tinha a difícil missão de superar a entrada anterior, o casamento do rei Henrique II e à rainha Catarina de Médici, que havia ocorrido em Lyon em 1549. Foi uma celebração teatralizada que buscava mostra a sociedade européia como era o diferente estilo de vida do outro lado do Mar Tenebroso (Oceano Atlântico).


Nestes baixos-relevos esculpidos em pau-brasil encontrados hoje em um hotel particular na rue Malpalu 17 , psteriormente expostos no Museu de Antiguidades de Rouen, podemos ver as parte das 300 pessoas que participaram do evento, incluindo 50 indigenas brasileiros levados para a França exclusivamente para participação da entrada real.


É importante dizer neste momento que a cidade de Rouen, embora economicamente melhor que outras cidades da França, também apresentava um grande grau de pobreza e miséria, tendo sofrido com epidemias e infestações de ratos, as ruas tinham esgotos abertos e as pessoas eram sujas e pobres. Nesse contexto, os indígenas foram vistos com pessoas livres que tinham uma vida boa, limpos, fortes e saudáveis.

Trecho da Île Lacroix, Rouen, nos dias de hoje - aqui vemos o trecho onde o evento pode ter ocorrido, conofrme mostrado na gravura, com as torres e edifícios medievais, muitos dos quais ainda hoje presentes.

A antropofagia, chamada pejorativamente de canibalismo, talvez tenha sido outro fator importante que explica por que a maioria dos relatos sobre a vida Tupi não chegou até nós. Este hábito muito perturbador associado ao código de guerra Tupi foi visto com horror pelos franceses de ontem e de hoje. Aqueles que não se limitaram a essas questões morais, como o aventureiro Hans Staden e o calvinista Jean de Léry, encontraram uma defesa cultural para tal ato e o relataram detalhadamente em obras que refletem suas impressões pessoais e o choque com as práticas culturais indígenas.

Mesmo assim, esses textos reconhecem qualidades dos Tupis, como sua hospitalidade, senso de comunidade e respeito mútuo. É nesse contexto que se insere a observação de Montaigne em Os Canibais: ao narrar um suposto diálogo entre indígenas e o rei francês, ele destaca o espanto deles diante das desigualdades sociais europeias, algo inexistente entre os Tupis.

O episódio de Rouen é inspirado nas histórias contadas pelos matelots normands (marinhieors da normandia) vindos de Rouen, Honfleur, Dieppe, bem como de comerciantes que se arriscavam indo a terras distantes para explorar principalmente o Pau-Brasil, chamado na época de araboutan pelos franceses e ybirapitanga pelos Tupis. 

Mestres do teatro da época criaram as schiomachias e as naumachias, apresentações de origens gregas e latinas, historicamente usadas para descrever combates simbólicos ou reais em contextos espetaculares, especialmente na Roma Antiga.

Schiomachia, chamada pelos franceses de  scyumachia, vem do grego skiá (sombra) e máchē (luta), significando "luta de sombras". O termo refere-se a combates fictícios, simulados ou simbólicos, como encenações teatrais ou treinos de combate. Essas lutas podiam ser coreografadas para entreter o público sem causar ferimentos reais. Já naumachia, formada pelas palavras gregas naus (navio) e máchē (luta), significa "luta naval" e descreve recriações de batalhas marítimas realizadas em arenas ou grandes reservatórios de água - mais um indicativo de que o evento frances ocorreu na L'île Lacroix, pois tinha todos os meios naturais para facilitar a apresentação.

Entre esses viajantes que contribuíram para compor o roteiro de entrada suntuosa, estavam diversos tradutores de tupi antigo, jovens da região da Normandia que aprenderam o idioma com fluência. Eles não apenas apreciavam a convivência com os nativos, mas também adotaram muitos de seus costumes, como o hábito de furar a bochechas e os labios para usarem os piercings (chamados de botoques), pinturas corporais, e  e o uso de "canitares" (conhecidos por nós como "cocares" e chamados de "akangatara" pelos Tupi). Fumar tabaco e outras ervas pode ter sido o único desses costumes adquiridos dos tupis que sobreviveu ao tempo, sendo transmitido por gerações até os dias atuais.


Os intérpretes de Rouan, figuras importantes para os comerciantes que os ajudavam nas negociações de pau-brasil com os Tupis, adotaram os hábitos e maneirismos dos Tupis, vemos aqui um deles com canitar, arco e piercings nos lábios e bochechas.

Os indígenas foram levados para o exterior e eram vistos como exóticos e alienígenas, muitas vezes pareciam ser considerados troféus exóticos da “terra dos papagaios”. Um dos casos mais famosos foi o casamento de Catharina Paraguassu, em Saint-Malo, em 1528, com Diogo Álvares, o famoso Caramuru, naufragado português que viveu entre os índigenas na atual Salvador, na Bahia. história verdadeira que tem tons de mito.

Villegagnon provavelmente estava na plateia observando maravilhado as coisas deste novo mundo, uma bela cultura que se revelava a qual serviu de inspiração para criar a França Antártica. Poucos foram tão inspirados pela cultura ancestral brasileira quanto os franceses; seus interesses, segundo Lery, iam além do comércio brasileiro de pau-brasil e de outros interesses financeiros.

Nicolas Durand de Villegagnon, intrigado com relatos sobre o Novo Mundo, teria assistido a eventos na França que apresentavam encenações e recriações das culturas indígenas, incluindo rituais e costumes dos povos da América. Inspirado por essas demonstrações, ele concebeu a ideia de fundar uma colônia francesa nas terras brasileiras, que viria a se chamar França Antártica. Sua visão era criar um refúgio para huguenotes (protestantes calvinistas) e expandir a presença francesa na América, o que o levou, em 1555, à Baía de Guanabara, onde tentou implementar esse ambicioso projeto colonial.

Atores entravam em cena no papel de conquistadores portugueses, comerciantes de Rouen e até prostitutas, ao lado de marinheiros normandos vestidos de tupis e tabajaras, que se misturavam com nativos reais, ao lado de araras, papagaios e macacos selvagens, que percorriam as árvores europeias que foram transformadas em árvores brasileiras, com decorações e autênticas frutas penduradas nos galhos, numa celebração cheia de cor e tropicalidade.

Este evento ficou famoso e sobrevive até hoje graças ao texto Os Canibais de Montaigne, parte de seu livro Os Ensaios. A festa teve um aspecto inusitado e grandioso pelas proporções e pela riqueza de seus detalhes. Foi uma representação em grande escala de um cenário brasileiro, com fauna e flora originais, onde trezentos homens, incluindo cinquenta indígenas, simularam um confronto entre Tupinambás e Tabajaras.

Tupinambás e Tabajaras não apenas lutaram com vigor, mas também incendiaram tendas e tabas, recriando fielmente a destruição de uma aldeia em meio ao combate.

Na grandiosa encenação da "Entrada de Rouen", Tupinambás e Tabajaras representaram o conflito entre suas etnias com tamanha entrega e realismo que o espetáculo se tornou quase indistinguível de uma batalha verdadeira. Os indígenas, transportados do Brasil para a França, não apenas lutaram com vigor, mas também incendiaram tendas e tabas, recriando fielmente a destruição de uma aldeia em meio ao combate. A fumaça e o fogo subiram aos céus, envolvendo os espectadores em uma atmosfera tão vívida que parecia transcender o teatro, trazendo para Rouen a intensidade das disputas indígenas no Novo Mundo.

A pompa e a teatralidade da “Entrada de Rouen”, por exemplo, estavam longe de representar com fidelidade a vida indígena, mas ainda assim nos dão pistas sobre como os europeus viam – e reinterpretavam – as culturas ameríndias.

Ao final do evento os índios Tupis questionam o Rei Henrique II "como pode tantos homens fortes e armados obedecessem a uma criança (como você)”

Ao final do evento surge um caso interessante que demonstra muito bem as diferentes culturas entre os dois povos e nos faz questinoar.

Em meio aos aplausos o rei convocou três dos indígenas que participavam da pantomima para uma conversa. Ele falou longamente com eles sobre as excelências da cidade de Rouen e do próprio festival. Ele então perguntou o que eles mais gostaram. Eles primeiro responderam que achavam estranho que tantos homens fortes e armados obedecessem a “uma criança” e que não escolhessem um igual entre eles como comandante. Em segundo lugar, mostraram o seu espanto e indignação porque enquanto alguns estavam cheios de todo o conforto e tinham a mesa cheia, outros estavam nas ruas da cidade reduzidos à fome e à pobreza. Terminaram o diálogo com o rei com estas palavras: “e achavam estranho como essas metades daqui, necessitadas, podiam suportar tal injustiça, que não pegassem os outros pela goela ou ateassem fogo em suas casas” como relata Montagne na pagina 157 do livro Ensaios.

A história dos Tupis, como a de muitos povos originários, foi obscurecida pela destruição de sua tradição oral e pela colonização. No entanto, esses fragmentos literários permitem que, mesmo com todas as distorções, possamos buscar uma compreensão mais profunda de como esses povos viviam, suas práticas e crenças, e como resistiram às adversidades impostas por um mundo que os via como curiosidades exóticas ou meros objetos de exploração.

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Referências Bibliográficas

Registro de Lévi-Strauss sobre relato de índios guianenses, em seu livro O cru e o cozido. São Paulo: Cosac Naify, 2010, p. 320.

DENIS, Ferdinand. Uma festa brasileira celebrada em Ruão em 1550. Brasília: Senado Federal, 2011, p. 38. Ver também JONES, Colin. Paris, biografia de uma cidade. 5 ed. Porto Alegre: L&PM, 2013, p.129-130.

MONTAIGNE, Michel. Os ensaios: uma seleção. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, 146.

FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. 2 ed. Rio de Janeiro: J. Olympio; Brasília: INL, 1976, 48.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 93, volume II.

LÉRY, Jean de. Viagem à terra do Brasil. Belo Horizonte: Itatiaia, 2007, p. 121.

CHAUÍ, Marilena. Introdução a Rousseau. In: Coleção Os Pensadores – Rousseau, volume I. São Paulo: Nova Cultural, 2000, p. 13.

MONTAIGNE, Michel. Os ensaios: uma seleção. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.157.

PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.


terça-feira, 29 de outubro de 2024

Perguntas e Respostas sobre o Cauim Tiakau

 

1 - O que é Cauim Tiakau?

Resposta: É a primeira e talvez ainda a única marca Cauim do mercado, desenvolvida por porfissionais da industria de bebida, com carreira pregressa na Pernod Ricard, Red Bull, Veue Clicquot que decidiram trazer qualidade e inovação para a recente categoria Cauim no Brasil. 

2 – O que é Cauim?

Resposta: O Cauim é uma bebida alcoólica produzida a partir da fermentação da mandioca, para fins ritualísticos em aldeias indígenas, por praticamente todas as mais de 250 etnias brasileiras, nossos ancestrais indígenas.

A característica mais interessante da produção dessa bebida é o uso da amilase salivar - sim, os indígenas mastigam a mandioca para promover a quebra do amido em açúcares.

3 – O que é o Cauim do Inhapuambuçu

Resposta: O Cauim do Inhapuambuçu é o cauim que era consumido por Tibiriça, Baritra e João Ramalho, antes da chegado dos portugueses no Brasil. Nossa proposta foi a de recriar esse cauim originário da região do triangulo histórico de São Paulo.

No local onde é hoje a Praça da Liberdade, vindo da rua Tabatinguera, existiram as aldeias de Caiubi e Tibiriçá, o lar dos nossos povos originários. Ao sul existia a Itaecerá, pedra quadrangular, que alegadamente teria sido atingida por um raio, e fora usada como marco por Anchieta, bem como o Morro Careca do Inhapuambuçu. No século 17 esse morro era conhecido como Morro da Forca, area ocupada hoje em dia pelo o Jardim Japonês e o Torii da Liberdade.

O Inhapuambuçu é um local sagrado para indígenas, afro-brasileiros, descendentes de europeus e japoneses, abrangendo praticamente todas as etnias que compõem o povo brasileiro.

4 -  Como o Cauim Contemporâneo é produzido?

Resposta: 


Existem três processos para se produzir o CAUIM (até o momento), que são nomeados em Tupi Antigo - uma espécie de língua franca indígena, generalizadamente falada em quase todo o Brasil até sua proibição pelo Marquês de Pombal, no ano de 1790.

O processo mais antigo conhecido é o Processo Ancestral (REKOAGUERA RUPI - lit. "conforme o costume antigo"), que é usado até os dias de hoje nas aldeias para fins ritualísticos.

Nesse processo a quebra do amido em açúcares é feita com amilase salivar, em Tupi Antigo é dito "Aîpi o-su'u su'u I nomu", literalmente - "com mastigação e cusparada".

Sim, as indígenas mastigam pedaços de mandioca cozidos e ralados, logo após cospem em dornas feias de troncos que se assemelham a canoas, chamadas de Casirirenas, ou em vasos de argila cozida chamada de Cambutis, para passarem por um lento processo de fermentação com leveduras endógenas.

Este método faz parte de um ritual complexo, belo e rico, em que o cauim é um elemento importante e que jamais poderia ser reduzido a uma mera bebida para consumo.

Tal bebida jamais poderia ser usada para fins comerciais, no entanto, o Cauim Contemporâneo pode ser produzido através do Processo Enzimático, desenvolvido por Hildo Sena, ou do Processo Japonês, desenvolvido por Luiz Pagano.

Abaixo descreveremos os dois processos cuja as denominações também são descritas em Tupi Antigo:

PROCESSO JAPONÊS - PAGANO

No processo japonês, a matéria-prima é o sagu de mandioca, também cahamdo de (1) "pérolas de mandioca" (ITAITINGA BEIJU), (2) que, após serem cozidas no vapor, passam por (3) inoculação com Koji  (KOJI APÓ) para iniciar a quebra de amido em açúcares (SABẽ MBEÍU MOE'ẽ). 

Depois, são adicionadas leveduras, iniciando uma (5)fermentação paralela múltipla(HAGINO), na qual as enzimas continuam quebrando o amido em açúcares que são fermentados, tudo ao mesmo tempo.

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PROCESSO ENZIMÁTICO - SENA

O processo enzimático tem algumas diferenças importantes: 

Aqui a (1) matéria-prima não é o sagú, mas sim a fécula da mandioca (MANIKUERA), também conhecida como polvilho doce, que é lentamente diluída em água até que o mosto se gelatinize (T-Y-PûERA MBO'YÚ–SARA - lit. "fase de hidratação"). 

Nesta fase exclusiva do processo enzimático(2), o amido de mandioca é hidratado homogeneamente (MBOARURU).


Depois disso vem a adição de enzimas como a B-Amilase (SABẽ APó).

Note que aqui também o processo é diferente, pois no processo japonês, as enzimas são produzidas no local pela ação do koji, enquanto que no processo enzimático as enzimas já estão prontas e simplesmente são adicionadas ao mosto.

Daí para frente os processos se igualam, acontece a (4) fermentação (HAGUINO) na dorna (KAUBA), a (5) filtração ( Mbeîu mogûaba ), a clarificação (KûARA) e as (7) finalizações (MONDYKABA), como o engarrafamento (Ybyraygá pupé) e a pasteurização (que em tupi Antigo poderia ser dito como PASTEUR RUPI KAûĩ REREKÓ).

Agora que você conhece os processos de produção do cauim, poderá aproveitar melhor essa deliciosa iguaria que aos poucos está chegando ao mercado.

5 – Produzir o Cauim Tiakau não configura apropriação cultural?

Resposta: Não, produzir o Cauim Tiakau não configura apropriação cultural por alguns motivos importantes:

Herança Ancestral: Luiz Pagano, idealizador do projeto, é descendente de Tibiriçá por meio de Antonia Quaresma, filha de João Ramalho e Bartira, em uma linhagem familiar que abrange 16 gerações, que vai de Camacho, Barros, Caldeira até os Correa de Morais; composta por mamelucos, portugueses, italianos e diversas outras nacionalidades e etnias que compõem o tecido social de São Paulo e do povo paulistano. Isso estabelece uma conexão direta e legítima com a cultura e tradição indígena.

Como dizia Dona. Zuzu Correa de Morais Pagano, avó de Luiz, "para encontrar um Tupi hoje, basta olhar para um paulistano de tradição familiar antiga".

Genograma Descenente de Tibiriçá até Luiz Pagano

Pesquisa Independente: As técnicas utilizadas para a produção do Cauim Tiakau não foram obtidas diretamente de comunidades indígenas. O processo envolveu uma pesquisa profunda, incluindo viágens ao Japão para estudar o koji e o saquê, elementos essenciais para o desenvolvimento do produto de forma comercial e respeitosa.

Colaboração com Comunidades Indígenas: O projeto foi desenvolvido com a possibilidade de que, se as aldeias indígenas optarem por produzir sua bebida ancestral de forma comercial, Luiz Pagano oferece consultoria gratuita para implementar unidades de produção nas aldeias, garantindo que o conhecimento e os benefícios econômicos sejam compartilhados com as comunidades de forma justa e transparente.

6-Qual é a diferença entre o Cauim tradicional e o Cauim Tiakau?

Resposta: O Cauim tradicional é produzido com a mandioca mastigada pelos indígenas, utilizando a amilase salivar para converter o amido em açúcares. O Cauim Tiakau, por outro lado, substitui a amilase salivar pelo koji e enzimas específicas usadas no mercado de bebidas alcoólicas, mantendo a essência ancestral, mas adaptando o processo para fins comerciais e sanitários.

7 - Pergunta: O Cauim Tiakau está disponível para venda atualmente?

Resposta: Ainda não. Embora o Cauim Tiakau tenha avançado significativamente, não há uma legislação específica para a comercialização da bebida. No entanto, desde dezembro de 2022, o Cauim já consta no texto preliminar da nova lei de bebidas alcoólicas, e o projeto aguarda a documentação final para iniciar a comercialização.

8 - Pergunta: Como o projeto do Cauim Tiakau se conecta com outras culturas, como a japonesa?

Resposta: Para desenvolver o Cauim Tiakau, Luiz Pagano foi ao Japão estudar o koji e o processo de produção do saquê. Essa pesquisa trouxe elementos técnicos importantes para modernizar o Cauim e adaptá-lo ao mercado comercial, criando uma conexão cultural que respeita as tradições indígenas brasileiras enquanto incorpora técnicas japonesas.

9 - Pergunta: O Cauim Tiakau é semelhante ao saquê?

Resposta: Embora compartilhe alguns aspectos técnicos com o saquê, como o uso do koji, o Cauim Tiakau é único. Ele utiliza mandioca como base e preserva os elementos culturais e sabores específicos dessa raiz brasileira, resultando em um produto diferente e autêntico, que reflete a identidade e cultura brasileira.

10 - Pergunta: Existe um plano para exportar o Cauim Tiakau?

Resposta: Sim, uma vez que a regulamentação e a produção comercial estejam estabelecidas, o plano é expandir a comercialização do Cauim Tiakau, tanto no Brasil quanto no exterior. A ideia é promover a cultura brasileira e valorizar as tradições indígenas, levando esse patrimônio a um público global.

11 - Pergunta: Como posso experimentar o Cauim Tiakau antes que ele esteja disponível comercialmente?

Resposta: Atualmente, o Cauim Tiakau é oferecido em eventos e jantares especiais que visam apresentar e divulgar a bebida. 

Jantar harmonizado de Cauim Tiakau com pratos indígenas, Hotel Toriba, Chef Kalymarakaya e Fabio Eustáquio - Maio de 2019 - Antes do jantar, Luiz Pagano e Hildo Sena deram ao público um pouco de contexto sobre os principais aspectos históricos do Cauim Contemporâneo

Esses eventos incluem harmonizações com pratos brasileiros e proporcionam uma experiência cultural completa. Fique atento às redes sociais e aos canais de comunicação do projeto para saber sobre as próximas oportunidades de degustação.

Palestra e degustação de Cauim Tiakau por Luiz Pagano no Encontro Selvágem, na Cervejaria Tarantino - São Paulo ago/2023

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Para saber mais, visite nossa página www.cauimtiakau.com.br

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

Solana Star e o Verão da Lata



Essa é a história verídica de um navio que, ameaçado pela polícia, despeja 22 toneladas de latas contendo maconha no litoral brasileiro em Ubatuba, próximo às praias Grande, do Tenório e das Toninhas, e acaba soando como mentira de pescador, ou mesmo, conto de surfista.

Dizem que o Brasil é o lugar onde tudo acontece.. e é verdade


Tudo começou em agosto de 1987, quando o delegado de polícia federal Antônio Carlos Rayol e Carlos Mandim de Oluveira receberam um comunicado do DEA americano, o Drug Enforcement Administration, informando que um navio que havia partido de Singapura, o Solana Star de bandeira panamenha, com um grande carregamento de maconha se destinava ao Brasil, com destino final em Miami. Eram 22 toneladas de maconha embaladas a vácuo em latas de 1,5kg. 

O mandante da operação foi um criminoso de Aspen, no Colorado, que já havia patrocinado uma outra viágem antes desta, partindo do Panamá e seguindo para as Filipinas, via Vietnã, com um carregamento intorpecentes para Los Angeles.

Como o navio não foi capturado, a operação havia sido bem sucedida e muito lucrativa, o mandante ordenou uma segunda viagem, comandada pelo mesmo capitão de nome Archibald, que desta vez faria uma nova rota. 

Comporu um novo barco na Austrália, um atuneiro chamado Solana Star de 41m x 7m x 3m, capaz de deslocar 540 toneladas, com motor diesel de 1.500 HP e dois auxiliares de 350 HP. Rumou com seu novo barco para Bangkok, via Japão, onde o carregou a mercadoria, maconha acondicionada em latas de suco de toranja, de uma marca de fachada chamada “Berri”, criada especialmente para a operação. 

Uma vez carregado com as latas, dirigiu-se ao sul, pelo mar do Sul da China, com destino ao Rio de Janeiro.

Suco de Toranja Berri - marca fictícia das latas do verão de 1987

Caça Ao Solana Star e Operação Cata-latas

No dia 8 de agosto de 1987, às 10:00hs, saiu do porto do Rio de Janeiro a primeira missão de caça, a bordo de uma fragata da marinha brasileira em parceria com o DEA.  A operação não foi bem sucedida, pois o navio ainda não havia chegado em àguas territoriais brasileiras, estava no meio do atlantico devido a duas tempestades que acometeram o navio no meio do Atlântico.

Novos acontecimentos deram origem a uma nova operação de caça, devido à prisão em Miami do mandante do tráfico quando tentava embarcar em voo para o Rio de Janeiro. A inteligência da DEA indicou que a mercadoria deveria ser transferida para outra embarcação no litoral da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

Mais uma vez o delegado Mandim organizou uma operação policial em 28 de agosto de 1987, desta vez, fizeram uso do contratorpedeiro Sergipe, emprestada pela Marinha do Brasil - novamente a operação não teve sucesso.

Como aquelas latas foram parar nas praias?

O desfecho mais interessante surge com um relato do jornal A Tribuna de Santos no dia 19 de setembro de 1987, dizendo que no Guarujá, quando um varredor de rua que coletava lixo na praia das Astúrias se deparou com uma grande lata fechada, movendo-se para frente e para trás na espuma das ondas. Outras latas começaram a ser encontradas por pescadores no litoral de Guarjuá, Ubatuba e Ilha Bela, mais tarde, levadas pela maré começou a chegar também no Rio de Janeiro. Imediatamente iniciou-se um comércio clandestino das latas e seus conteúdos, promovida principalmente por pescadores que escondiam as latas em caixas de isopor cheias de peixes, sendo uma contravenção muito mais lucrativa do que a pesca.

No dia 14 de setembro, os tripulantes do Solano Star, foram avisados que a Policia Federal e a Marinha do Brasil e o DEA já sabiam da carga de maconha que estava a bordo, com medo de serem presos, os tripulantes - cinco americanos, um haitiano e um costarriquenho, despejaram as cerca de 15 mil latas contendo maconha no mar, e o episódio passou a ser chamado de "Verão da Lata", marcado na história brasileira.

Tripulação do Solana Star joga latas de maconha no mar

A história ganhou destaque na mídia e causou uma corrida entre curiosos e autoridades para ver quem as encontrasse primeiro, o fato de a maconha estar embalada em latas de metal semelhantes às de leite em pó tornou a situação ainda mais inusitada.

Solana Star despejando as latas no mar

Logo a situação ficou muito popular e cômica, alguns diziam que a lata, assim como acontecia com o marinheiro Popeye, mudava a realidade, trazendo poderes especiais à aqueles que as consumisse. Outros disseram que os contidos nas latas eram considerados de qualidade superior a qualquer outra coisa jamais vista. A história ficou tão marcante que inspirou livros, músicas e até mesmo uma mística sobre o assunto, no qual featas eram dadas com um ritual de abertura de latas em homenagem à qualidade do produto era realizado.

Apesar dos esforços das autoridades para apreender as latas e investigar o caso, apenas uma pequena fração foi recuperada pela polícia, pois sua grande maioria foi encontrada por banhistas e pescadores e posteriormente comercializada.

A Polícia Federal conseguiu recuperar 3.292 doses. Caso o produto final tivesse chegado aos traficantes de Miami, estima-se que a operação teria rendido US$ 90 milhões.

Desfecho

Dos sete tripulantes, seis escaparam pelo aeroporto do Galeão dois dias após chegarem ao Rio. Apenas o cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso e condenado a 20 anos de prisão, mas cumpriu apenas um ano no Brasil antes de ser extraditado. O navio envolvido no incidente foi apreendido e posteriormente leiloado, o Solana Star acabou sendo vendido após a conclusão da perícia no caso relacionado ao contrabando de maconha. Seu nome foi alterado para Charles Henri e, finalmente, Tunamar II, quando pertenceu à uma empresa japonesa de pesca de atum. 

O cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso

Estranhamente, o destino da embarcação estava ligado às àguas brasileiras. No dia de outubro de 1994 encontrou seu trágico final, naufragando a 8 milhas náuticas do Arraial do Cabo, no litoral do Rio de Janeiro (22º59'240"S / 41º57'250"O), resultando na morte de 11 tripulantes.

Em 2012, foi lançado o livro “O Verão da Lata: Um verão que ninguém esqueceu”, do escritor Wilson Aquino que aborda o assunto.

RPG dos Heróis da Bruzundanga - Gamificação Para Aculturamento do Cauim Tiakau

Visconde de Quaresma servindo Cauim Carauna em sua mansão, réplica idêntica do Museu do Ipiranga no Rio de Janeiro Uma aventura tupi-canibal...