segunda-feira, 25 de março de 2024

Lendária Ponta da Pirabura, Naufrágio do Príncipe de Astúrias e Outras Histórias

O Príncipe das Astúrias danifica fatalmente o casco do navio nas rochas da Ponta da Pirabura, o naufrágio aconteceu em menos de 5 minutos

A Maldição da Ponta da Pirabura

Os Tupis que habitavam Ilhabela eram habilidosos navegadores e já conheciam a os mistérios que circundabam a perigosa Ponta da Pirabura. Não se sabe ao certo por que tem esse nome - em Tupi Antigo, "pira" significa peixe, e "bura" borbotão, borbulho, a palavra 'y-bura significa borbotão d'água, água que brota para cima.


Ponta da Pirabura e Praia da Caveira

Portanto o nome Pirabura poderia estar relacionado a fenômenos em que os peixes são jogados para fora da água durante as quebras de onda, possivelmente devido a bolhas ou agitação da água, sugerindo uma conexão direta entre o nome indígena e as características naturais do local.

Os moradores locais da ilha diziam que apenas um navio desafiou a Pirabura e saiu ileso, foi o britanico Western World no ano de 1931, "já perdemos as contas de quantos navios naufragaram naquele lugar, onde a água é profunda e a maré tem uma força descomunal, primeiro foi um navio inglês, depois o Astúrias, o Conca...".

Maenbipe

Não é apenas a Ponta da Pirabura que tem seus mistérios; toda a ilha é um grande enigma. Ilhabela já tinha seus relatos estranhos antes mesmo da chegada dos colonizadores. A primeira referência que temos é como os Tupi a chamavam - Maenbipe, o próprio nome é um mistério.

No texto do livro de Hans Staden é mencionada a Ilhabela, ou Maenbipe

Na sua tradução para o holandês, o livro Hans Staden van Homborgs Beschrijvinghe van America, lê-se: "Eu fui assim sozinho, e ninguém prestou atenção em mim, e poderia ter facilmente escapado da corda, pois eu estava em uma ilha chamada Mayenbipe, a qual está a cerca de 10 milhas de distância de Brikioka, mas mais tarde, por causa dos cristãos capturados, dos quais ainda havia quatro vivos, pois pensei, se eu escapar, eles ficariam irritados" (Ich ginch fo alleen/ende niemant en achte opmp/ ende hadde die repse kwel honnen ontloopen/want ich was op een Eplandt Mayenbipe genaemt/'r welchon trent ro. Mijlen meeglis ban Brikioka is/ maer lieter om de ghevangen Christenen wille/ban ben welchen noch vier levendigh waeren/want ich dacht/ontloope ick paer/so wozdenie toornigh)..

Brikioka era como os Tupi chamavam o trecho que ia de Bertioga a São Sebastião (mbyriky-oka, reduto dos muriquis, macacos grandes e alvos que vivem na região). Já Maenbipe não faz muito sentido com nenhuma palavra do Tupi Antigo, talvez ... (E)ma'ẽ-e'ymumẽ, que em tupi significa "Não deixes de olhar (para mim)". Realmente não tem como não olhar para aquela belezura no meio do oceano.

Talvez Maembipe seja o que os linguistas chamam de "contínuo dialetal", caso em que várias línguas e dialetos relacionados, onde duas regiões próximas falavam idiomas muito parecidos, e distantes falavam de forma mais diferente. 

A tradução que mais me agrada é Mbaembype, de (Mba’e) “algo”, (mbype) “coisa que está perto”, referindo-se a ilha que está tão perto que pode-se nadar até ela, coisa que eu já fiz algumas vezes quando jovem.

Sem levar em consideração a fonética Tupi, alguns estudiosos dizem que o nome tem o significado de “montanha que surge no canal”, ou “local para troca de prisioneiros”, que faz muito sentido pois na tradição de guerra entre falantes do Tupi (Tupi versus Tupinambá) Ilhabela (ou Maenbipe) seria um local neutro, tipo Casablanca dos Tupi.



O Naufrágio do Príncipe de Astúrias

O Príncipe de Astúrias, era uma paquete construído pela Pinillos Izquierdo y Cia., era o maior e mais luxuoso navio feito na Espanha em 1914, tinha um irmão gêmeo, o Infanta Isabel, ambos tinham um comprimento de 150,8 metros de comprimento, casco duplo, boca de 19,1 metros e calado de 9,6m, motor a vapor do tipo Quadruple Expansion Engine de 8000 hp, que desolocava 16.500 toneladas burtas, alcançando velocidade de 18 nós (33 km/h). Lançado ao mar em 30 de abril de 1915, costumava partir de Barcelona todo dia 17 de fevereiro de 1916 rumo a Buenos Aires. 

Diagrama do Píncipe de Astúrias em Corte

É importante notar que o mundo enfrentava sua Segunda Guerra Mundial, embora os submarinos alemães estivessem atacando navios no Oceano Atlântico, não estavam envolvidos neste caso. 

Última Celebração: Foliões se divertindo na escadaria central do Príncipe de Astúrias durante um animado baile de carnaval, inconscientes de que em poucas horas o navio se chocaria com as rochas da Pirabura e naufragaria, marcando o fim trágico de muitas vidas.

O Príncipe de Astúrias estava em sua sexta viágem para a América do Sul, já havia passado pelo litoral do Rio de Janeiro e no sábado dia 4 de março chegava próximo à Ilhablea, um baile de carnaval animava os passageiros do lado de dentro do navio enquanto uma forte tepsetade castigava o lado externo. Águas revoltas agitavam as ondas, raios iluminavam os céus, durante a passagem do sabado para o domingo de Carnaval, dia 5 de março de 1916.

Em verde a rota orginal que o paquete deveria seguir e em vermelho a rota alterada 

De acordo com alguns relatos, o navio mudou misteriosamente de curso, contornando a ilha dos Búzios, e parou nas primeiras horas da manhã para descarregar uma carga misteriosa em outro navio em meio à tempestade.

O naufrágio do Príncipe de Asturias acoteceu em menos de 5 minutos após ter colidido com as pedras da Ponta da Pirabura, a tripulação só conseguiu soltar o bote salva-vidas de número 18, e 17 pessoas imediatamente pularam nele.

Continuando a viagem, o navio passou pela Ponta da Pirabura a uma velocidade de 4 nós (o farol que vemos hoje só foi instalado em 1932). Como no filme Titanic, o primeiro oficial Rufino y Ouzain Urtiaga pergunotu "é terra?" ao avistar as rochas às 04:02hs.

O Capitão José Lotina não estava na ponte na hora do ocorrido, o primeiro oficial Rufnio ordenou ao piloto, Antonio Salazar Linas correr para o telégrafo (engine room telegraph - uma alavanca com diversas posições, que por um sistema de cabos e sinetes, avisava a casa de máquinas o que fazer), e passar instruções a casa de máquinas:

"Toda força à ré, ...todo leme a boreste" (outra forma de dizer "estibordo", o lado esquerdo do navio, sendo o lado direito, onde estavam as pedras chamado de "bombordo), mas não houve tempo hábil para manobrar o navio para longe das pedras, que foram atingidas precisamente às 04:08 hs. 

Ao atingir a lage, um profundo rasgo de aproximadamente 40 metros foi feito no casco do navio, inundando imediatamente os decks inferiores.

Com a inundação na casa das máquinas, a caldeira explodiu provocando um incêndio. Por fim, o navio afundou em apenas 5 minutos. 

A tripulação só conseguiu soltar o bote salva-vidas de número 18 , e 17 pessoas imediatamente pularam nele.

Mesmo só tendo um escaler na água, marinheiros corajosos deixavam os sobreviventes nas pedras da Pirabura, em um trecho onde as ondas estavam mais calmas e voltaram algumas vezes para regatar mais sobreviventes, muitos morreram nas àguas escaldantes da caldeira que se espalhava pelo mar, salvando-se apenas aqueles que rapidamente se afastarm para o alto mar, conforme relata Jeannis Michail Platon, em seu livro Ilhabela Seus Enigmas de 2006.

Dos heróis destaca-se Doña Marina Vidal, espanhola de 26 anos, que mesmo tendo asma, nadou a madrigada toda e salvou 4 pessoas, inclusive o único brasileiro a bordo, o Sr. josé Marins Viana.

Ao final apenas 111 passageiros foram salvas dos 588 registrados a bordo em sua contágem oficial, más há relatos de que alem dessas, havia ainda mais de 800 clandestinos, foragidos da guerra que assolava a Europa, sem contar os foguistas e carvoeiros que não foram listados como parte da tripulação.

No dia seguinte, a embarcação mais próxima que recebeu os pedidos de ajuda, o vapor francês Vega, da Societé General de Transportes Maritimes, chegou ao local do desastre. Seu comandante Augusto Poli ordenou que toda a tripulação participasse do esforço de resgate, que ocorreu durante todo o domingo. 

Espelho do Príncipe de Asturias no Museu de Ilhabela

Oficialmente, 477 pessoas morreram e seus corpos foram regatados e levados ao necrotério do Saboó, em Santos, mas alguns afirmam que o número total de mortos foi muito maior, pois acredita-se que cerca de 800 passageiros clandestinos estavam escondidos nos conveses inferiores. Alguns dias depois, copros insepultos começaram a aparecer na praia das Toninhas em Ubatuba.

Uma força tarefa foi enviada para resgatar corpos que aparecima em toda costa leste da ilha e os enterraram em vários pontos, dentre os quais, a Praia da Serraria e a Praia da Caveira.

Entre as cargas valiosas, as Astúrias tinham em seu romanieo de carga 40 milhões de libras esterlinas em barras de ouro, pertencentes ao governo britânico, em um cofre recém-instalado no navio, obras de arte, entre elas a escultura em bronze "La Carta Magna Y Las Cuatro Regiones Argentina", com destino à Argentina.

Há relatos divergentes sobre o destino do Capitão e de seu primeiro oficial, alguns dizem que eles se suicidaram com tiro na têmpora, existe um código de orgulho náutico quando os comandantes percebem que cometeram erros que tornam o naufrágio iminente.  Outros, no entanto, afirmam que houve uma transferência de carga para um navio menor, que chegou a ser avistado por alguns sobreviventes próximos ao navio naquela noite, talvez para aliviar a carga diante do erro percebido, ou mesmo porque estavam envolvidos em algum tipo de ação criminosa, e fugiram com o fruto do roubo, uma situação muito plausível já que o ouro dos cofres nunca foi encontrado.

Salvatágem do Principe de Assturias

A busca pelo tesouro naufragado do Príncipe de Astúrias sempre instigou a imaginação das pessoas, mas o mar, com sua visibilidade limitada, a profundidade de 30 metros, que requer descompressão e fortes correntes, tornava o trabalho de mergulho muito técnico e extremamente desafiador. 

Desde o naufrágio várias missões de salvatágem (nome dado ao resgate de valores de desastres) foram realizadas, más só a partir da década de 1940, que começaram a ser feitas em parceria com a Marinha do Brasil.

A primeira expedição famosa para tentar resgatar o naufrágio ocorreu em julho de 1951, financiada pelos irmãos Fialdini a bordo do rebocador São Bento. 

A lenda do mergulho, Werner Krauss em seu escafandro

Os mergulhos com escafandro apenas foram suficientes para o resgate de lingotes de chumbo e parte da hélice de bronze. 

Em 1955, foi a vez do empresário Adolpho Melchert de Barros, que contratou a lenda do mergulho, Werner Krauss, o investimento foi tão grande que até um teleférico foi construído para o transporte de peças resgatadas.

A primeira incursão de Krauss foi em 11 de abril de 1955, foi a série de megulhos mais frutífera, com lingotes de estanho, peças da cozinha como pratos e talheres, e até uma cabeça de boneca. Infelizmente, o uso excessivo de dinamite causou danos significativos à estrutura do navio, comprometendo possíveis obras de arte e louças. Para se ter uma idéia, apenas para remover a hélice, foram necessárias 100 bananas de dinamite para separá-la da estrutura.

Em 1974 foi dada a largada para a terceira fase de mergulhos, com Jeannis Michail Platon no comendo, com investimento bem maior do que todos os outros. Para se ter uma idéia, trouxeram até o navio de pesquisas Stena Constructor, famoso por ter sido usado para resgate da Chellenger.

Más o fato é que não havia tesouro! o ouro e outras peças de valor nunca foram encontradas, (ao menos não de forma oficial).

Localização dos Destroços do Príncipe de Astúrias

É bem possível que alguns valores tenham sido encontrados por um grego chamado Wlazios Diamantaraz, que fez vários mergulhos na Ponta da Pirabura e em certo momento desapareceu. 

Os locais também relatam as investidas de um senhor apelidado de "o Gringo", que orientado por um guia espiritual, fez vários mergulhos na região, alguns deles patrocinados por um empresário português. No final, quando o português foi cobrar os frutos de seus mergulhos, disse que "o guia espiritual havia se enganado" e também desapareceu.

Nas missões oficiais apenas duas das quatro estátuas foram resgatadas - uma se encontra hoje na Ilha das Cobras e outra no Parque Palermo, em Buenos Aires.

Os garfos retorcidos em naufrágios de navios a vapor antigos podem ser atribuídos ao contato com a água escaldante da caldeira. O calor extremo poderia facilmente deformar e retorcer os talheres de metal, especialmente se estivessem expostos por um período prolongado durante o naufrágio. Essa explicação parece ser uma das razões mais prováveis para o fenômeno. - Museu de Ilhabela

Recentemente, os destroços do navio foram dinamitados a 15 a 30 metros para abrir passagem para navios na região.

Praia da Caveira

Nos primeiros dias após o naufrágio, vários corpos chegaram às praias do lado leste da ilha, principalmente na bahía dos Castelhanos, dentre elas a Para da Caveira, a 5km do acidente.

Ossadas encontrados em praia de caveiras em Ilhabela

A Praia da Caveira, conhecida como a única praia deserta em Ilhabela, está intimamente ligada ao trágico naufrágio do transatlântico Príncipe das Astúrias, lendas locais afirmam que as almas dos náufragos ainda assombram a praia, afastando os visitantes e contribuindo para sua solidão.

Curiosamente, o nome Praia da Caveira já era conhecido antes do naufrágio por esse nome, confomre anotado em vários mapas que antecedem o naufrágio. Uma lenda conta que um navio negreiro, ao passar atrás da ilha, afundou; todos os tripulantes, escravos, morreram e seus corpos ficaram boiando. Um padre que passava de barco pelo local viu os corpos e os enterrou debaixo de uma enorme figueira, ai então os moradores da Ilha afirmam que, às seis horas da tarde, ao passar perto daquela figueira, ouvem "vozes dos defuntos".

Apesar de sua reputação sombria, suas águas claras atraem mergulhadores que praticam a pesca submarina. Além disso, possui aproximadamente 300 metros de extensão de areias claras que garantem seu aspecto paradisíaco.

Até hoje, existem muitas lendas sobre a Ponta da Pirabura, inclusive a crença em uma força magnética desconhecida na região que desorienta bússolas e afunda navios, conhecida como 'Desvio Magnético'. O chefe da Capitania dos Portos de Santos da época defendia o Capitão Lotina afirmando que o vapor francês 'Vega' também foi parar entre a Ilhabela e a Ilha de Buzios, quando a rota normal deveria passar a 15 milhas a leste das ilhas, na segurança do mar aberto.


sábado, 23 de março de 2024

Solana Star, Verão da Lata, Litoral Paulista e Carioca de 1987 a 1988

 

Essa é a história verídica de um navio que, ameaçado pela polícia, despeja 22 toneladas de latas contendo maconha no litoral brasileiro em Ubatuba, próximo às praias Grande, do Tenório e das Toninhas, e acaba soando como mentira de pescador, ou mesmo, conto de surfista.

Dizem que o Brasil é o lugar onde tudo acontece.. e é verdade


Tudo começou em agosto de 1987, quando o delegado de polícia federal Antônio Carlos Rayol e Carlos Mandim de Oluveira receberam um comunicado do DEA americano, o Drug Enforcement Administration, informando que um navio que havia partido de Singapura, o Solana Star de bandeira panamenha, com um grande carregamento de maconha se destinava ao Brasil, com destino final em Miami. Eram 22 toneladas de maconha embaladas a vácuo em latas de 1,5kg. 

O mandante da operação foi um criminoso de Aspen, no Colorado, que já havia patrocinado uma outra viágem antes desta, partindo do Panamá e seguindo para as Filipinas, via Vietnã, com um carregamento intorpecentes para Los Angeles.

Como o navio não foi capturado, a operação havia sido bem sucedida e muito lucrativa, o mandante ordenou uma segunda viagem, comandada pelo mesmo capitão de nome Archibald, que desta vez faria uma nova rota. 

Comporu um novo barco na Austrália, um atuneiro chamado Solana Star de 41m x 7m x 3m, capaz de deslocar 540 toneladas, com motor diesel de 1.500 HP e dois auxiliares de 350 HP. Rumou com seu novo barco para Bangkok, via Japão, onde o carregou a mercadoria, maconha acondicionada em latas de suco de toranja, de uma marca de fachada chamada “Berri”, criada especialmente para a operação. 

Uma vez carregado com as latas, dirigiu-se ao sul, pelo mar do Sul da China, com destino ao Rio de Janeiro.

Suco de Toranja Berri - marca fictícia das latas do verão de 1987

Caça Ao Solana Star e Operação Cata-latas

No dia 8 de agosto de 1987, às 10:00hs, saiu do porto do Rio de Janeiro a primeira missão de caça, a bordo de uma fragata da marinha brasileira em parceria com o DEA.  A operação não foi bem sucedida, pois o navio ainda não havia chegado em àguas territoriais brasileiras, estava no meio do atlantico devido a duas tempestades que acometeram o navio no meio do Atlântico.

Novos acontecimentos deram origem a uma nova operação de caça, devido à prisão em Miami do mandante do tráfico quando tentava embarcar em voo para o Rio de Janeiro. A inteligência da DEA indicou que a mercadoria deveria ser transferida para outra embarcação no litoral da Ilha Grande, no Rio de Janeiro.

Mais uma vez o delegado Mandim organizou uma operação policial em 28 de agosto de 1987, desta vez, fizeram uso do contratorpedeiro Sergipe, emprestada pela Marinha do Brasil - novamente a operação não teve sucesso.

Como aquelas latas foram parar nas praias?

O desfecho mais interessante surge com um relato do jornal A Tribuna de Santos no dia 19 de setembro de 1987, dizendo que no Guarujá, quando um varredor de rua que coletava lixo na praia das Astúrias se deparou com uma grande lata fechada, movendo-se para frente e para trás na espuma das ondas. Outras latas começaram a ser encontradas por pescadores no litoral de Guarjuá, Ubatuba e Ilha Bela, mais tarde, levadas pela maré começou a chegar também no Rio de Janeiro. Imediatamente iniciou-se um comércio clandestino das latas e seus conteúdos, promovida principalmente por pescadores que escondiam as latas em caixas de isopor cheias de peixes, sendo uma contravenção muito mais lucrativa do que a pesca.

No dia 14 de setembro, os tripulantes do Solano Star, foram avisados que a Policia Federal e a Marinha do Brasil e o DEA já sabiam da carga de maconha que estava a bordo, com medo de serem presos, os tripulantes - cinco americanos, um haitiano e um costarriquenho, despejaram as cerca de 15 mil latas contendo maconha no mar, e o episódio passou a ser chamado de "Verão da Lata", marcado na história brasileira.

Tripulação do Solana Star joga latas de maconha no mar

A história ganhou destaque na mídia e causou uma corrida entre curiosos e autoridades para ver quem as encontrasse primeiro, o fato de a maconha estar embalada em latas de metal semelhantes às de leite em pó tornou a situação ainda mais inusitada.

Solana Star despejando as latas no mar

Logo a situação ficou muito popular e cômica, alguns diziam que a lata, assim como acontecia com o marinheiro Popeye, mudava a realidade, trazendo poderes especiais à aqueles que as consumisse. Outros disseram que os contidos nas latas eram considerados de qualidade superior a qualquer outra coisa jamais vista. A história ficou tão marcante que inspirou livros, músicas e até mesmo uma mística sobre o assunto, no qual featas eram dadas com um ritual de abertura de latas em homenagem à qualidade do produto era realizado.

Apesar dos esforços das autoridades para apreender as latas e investigar o caso, apenas uma pequena fração foi recuperada pela polícia, pois sua grande maioria foi encontrada por banhistas e pescadores e posteriormente comercializada.

A Polícia Federal conseguiu recuperar 3.292 doses. Caso o produto final tivesse chegado aos traficantes de Miami, estima-se que a operação teria rendido US$ 90 milhões.

Desfecho

Dos sete tripulantes, seis escaparam pelo aeroporto do Galeão dois dias após chegarem ao Rio. Apenas o cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso e condenado a 20 anos de prisão, mas cumpriu apenas um ano no Brasil antes de ser extraditado. O navio envolvido no incidente foi apreendido e posteriormente leiloado, o Solana Star acabou sendo vendido após a conclusão da perícia no caso relacionado ao contrabando de maconha. Seu nome foi alterado para Charles Henri e, finalmente, Tunamar II, quando pertenceu à uma empresa japonesa de pesca de atum. 

O cozinheiro americano Stephen Skelton foi preso

Estranhamente, o destino da embarcação estava ligado às àguas brasileiras. No dia de outubro de 1994 encontrou seu trágico final, naufragando a 8 milhas náuticas do Arraial do Cabo, no litoral do Rio de Janeiro (22º59'240"S / 41º57'250"O), resultando na morte de 11 tripulantes.

Em 2012, foi lançado o livro “O Verão da Lata: Um verão que ninguém esqueceu”, do escritor Wilson Aquino que aborda o assunto.

sábado, 17 de fevereiro de 2024

As Surpreendentes Semelhanças na Produção de Cauim Tiquira Sake e Shochu

 

Em minha pesquisa, busco resgatar o que deve ter sido o Cauim do Inhapuambuçu, uma bebida consumida por Tibiriçá na antiga região do Triângulo Histórico de São Paulo (saiba mais) . Para substituir as quebras enzimáticas obtidas por meio da saliva no cauim, a bebida alcoólica de mandioca tradicionalmente feita nas aldeias indígenas, optei por utilizar o koji, em um processo que denominei de "Processo Japonês".

Como as indígenas fazem o Cauim

As enzimas presentes na saliva desempenham papéis específicos no processo de digestão da mandioca, a ptialina, também conhecida como amilase salivar, é uma das principais enzimas envolvidas. Ela atua na quebra do amido, catalisando a hidrólise das ligações glicosídicas, transformando o amido em moléculas menores, como maltose e dextrinas. A amiloglucosidase, complementa a ação da ptialina, convertendo as dextrinas em glicose.

Quando se trata de remover os agentes cianogênicos da mandioca, o processo é mais complexo, antes da mastigação, as indígenas realizam uma série de etapas para reduzir os níveis de ácido cianídrico na raiz. 

Isso geralmente envolve a remoção da casca externa, ralagem e cozimento, promovendo a ação enzimática da linamarase na linamarina e lotaustralase na lotaustralina, uma vez feita a quebra surge o ácido cianídrico, que é muito volátil e se dissipa durante o cozimento, especialmente em temperaturas acima de 27 graus Celsius. 

Não se deve cozinhar a mandioca em temperaturas muito altas, pois isso pode matar as enzimas que quebram as substâncias cianogênicas, permitindo que permaneçam na raiz. As substâncias cianogênicas são dez vezes menos nocivas que o próprio ácido cianídrico, mas também causam danos à saúde.

Feito o cozimento, as indígenas mastigam a massa de mandioca, as enzimas presentes na saliva desempenham um papel vital na pré-digestão do amido da mandioca, enquanto o processo ritualístico de preparação, que inclui etapas como descascar, ralar e cozinhar, ajuda a reduzir os níveis de agentes cianogênicos, tornando a mandioca segura para consumo após a mastigação.

As surpreendentes semelhanças na produção de Cauim, Tiquira, Sake e Shochu

Ao longo da história, muitas culturas em diferentes partes do mundo desenvolveram técnicas semelhantes para a produção de bebidas fermentadas, apesar de estarem separadas por vastas distâncias geográficas. 

Um exemplo fascinante dessa convergência cultural pode ser visto na produção de saquê no Japão e na produção de Cauim modernos e 
da tiquira no Piauí e no Maranhão, aqui no Brasil.

O sake, bebida alcoólica tradicionalmente associada à cultura japonesa, é feito de arroz fermentado. Uma etapa crucial no processo de produção de saquê é a conversão do amido de arroz em açúcares fermentáveis,  tradicionalmente, esta conversão era realizada através da mastigação de arroz por mulheres jovens, cuja saliva continha enzimas capazes de decompor o amido em açúcares fermentáveis, tal como as indigenas fazima, e ainda fazem, no Brasil.

Curiosamente, o processo de produção da tiquira, que também envolvia matigação, foi substituído pelo uso de fungos do gênero Aspergillus para converter o amido de mandioca em açúcares fermentáveis, antes que a fermentação e a destilação possam ocorrer.

Nesse contexto o Cauim tem processo de produção similar ao Sake, inclusive sua substituição de uso de amilase salivar por fungos do gênero Aspergillus para se obter amido convertido em açucares fermentáveis, bem como a tiquira brasileira é similar ao shochu, bebida destilada de arroz ou jagaimo, tuberculo comum no japão que se assemelha a mandioca, pois ambas são os destilados.

De fato, pode-se fazer o Shochu Shochu de diversas matérias-primas, além do shochu de arroz e jagaimo, tem também o shochu de cevada, de açúcar mascavo, shochu de borras, shochu de soba, shochu de castanha e awamori.

Apontamentos para o Diccionario Histórico, Geográfico, Topografia e Estatístico da Província do Maranhão, de César Augusto Marques - mencionando a tiquira 


Como é possível que ambas as culturas, separadas por milhares de quilómetros, tenham desenvolvido métodos muito semelhantes para atingir o mesmo objetivo?

.-.-.

A pouco especulava-se que os japoneses poderiam ter influenciado os produtores de tiquira com seus métodos de produção de saquê, mas vários livros anteriores à chegada dos japoneses ao Brasil mostram que a tiquira já utilizava esse processo de preparo. É o caso de “Apontamentos para o Diccionario Histórico, Geográfico, Topografia e Estatístico da Província do Maranhão”, de César Augusto Marques, que menciona a tiquira como produto alcoólico da mandioca, confirmando que a produção de tiquira já estava estabelecida e que ja havia grande consumo da bebida no Maranhão de 1864 (ano da pulbicação do livro), e que o conhecimento de tal bebida se dava a 1647, como se lê abaixo:

"...Tiquira. Producto (sic) alcoolico da mandioca. Calcula-se o seu producto annual em 8:000 frascos...Em 1649 foi instituida a Compania geral de comercio, a que foram concedidas muitas immunidades e privilegios, e entre elles o monopolio da venda de vinho, que prodziu o alvará de 19 de setembro de 1649 mandando cumprir a carta régia de 21 de fevereiro de 1647 para a exticção no Brasil das bebdias do chamado vinho de mel, aguardente de canna e cahcaça. Cremos, diz Varnhagen T.2o pag. 39. que désta perseguição se pode salvar no termo de Icatú, do Maranhão, o fabrico de tiquira ou aguardente de mandioca, industria quasi privativa déste termo".

Apontamentos para o Diccionario Histórico, Geográfico, Topografia e Estatístico da Província do Maranhão, de César Augusto Marques - mencionando a tiquira 

A conclusão lógica é que a descoberta de que fungos, como o Aspergillus oryzae, poderiam substituir a mastigação do arroz pelas indígenas Ainu, bem como o Aspergillus niger para fazer o mesmo com a mandioca para iniciar o processo de fermentação não ocorreu devido a processos científicos avançados, mas sim através da observação e experimentação ao longo do tempo.

Os produtores antigos de sake provavelmente notaram que o arroz deixado em determinadas condições, como calor e umidade, começava a alterar sua estrutura naturalmente. Eles podem ter observado o crescimento de mofo ou fungos na superfície do arroz e percebido que isso levava a mudanças no sabor e aroma do arroz, tornando-o mais doce e propício para a fermentação.

Essa observação pode ter levado à experimentação deliberada, onde diferentes tipos de fungos foram cultivados e aplicados ao arroz para ver como isso afetaria o processo de fermentação. Eventualmente, eles descobriram que certos fungos, como o Aspergillus oryzae, eram especialmente eficazes na conversão do amido de arroz em açúcares fermentáveis, iniciando assim o processo de produção de sake.

Embora os antigos produtores de sake não entendessem os processos bioquímicos exatos envolvidos, eles desenvolveram habilidades e conhecimentos práticos através da experimentação e observação cuidadosa ao longo do tempo, o que lhes permitiu aprimorar e otimizar o processo de produção de sake de forma eficaz. Essa forma de conhecimento prático baseado na experiência é comum em muitas culturas antigas e foi fundamental para o desenvolvimento de diversas técnicas de fermentação, incluindo a produção de sake.

o Aspergillus e a quebra de Amido em Açúares

É possível que várias espécies de Aspergillus, incluindo Aspergillus niger e oryzae, que mencionaremos no texto, tenham a capacidade de promover a quebra do amido em açúcares na mandioca. 

A seguir apresenta-se uma tabela contendo a lista de isolados considerados por cada autor mencionado nessa revisão. 

Raper e Fennell (1965) 
Al-Musallam (1980) 
Kozakiewicz (1989) 
Análise de RFLP* 
Samson et al. (2004) 

A. japonicus 

A. japonicus var japonicus

A. japonicus 

A. japonicus 

A. japonicus 


A. japonicus var aculeatos 


A. aculeatos A. carbonarius 


A. aculeatos A. carbonarius 


A. atroviolaceus 


A. aculeatus A. carbonarius 


A. carbonarius 

A. carbonarius


A. heteromorphus A. ellipticus 


A. fonsecaeus

A. heteromorphus A. ellipticus 

A. heteromorphus A. ellipticus


A. heteromorphus A. ellipticus

A. heteromorphus A. ellipticus


A. sclerotoniger A. homomorphus 

Complexo A. niger

A. helicothrix 

A. helicothrix 

A. niger


A. niger 

A. niger var niger A. niger var niger f. Hennebergii

A niger var niger A. niger var tubingensis

A. tubingensis 

A. niger

. tubingensis A. phoenicis 

A. niger var phoenicis 

A. niger var phoenicis 


A. tubingensis 

A. polverulentus 

A. niger var phoenicis f. pulverulentus A. niger var awamori 

A. niger var pulverulentus 

A. brasiliensis


A. awamori A. ficuum 

A. niger var nanus

A. niger var awamori 

(Varga et al 2007) 

A. foetidus 

A. niger var usamii 

A. niger var ficuum 

A. foetidus 

A. brasiliensis 

A. foetidus var. pallidus

A. niger var intermedius 

A. citrus var citrus 


A. ibericus (Serra et al. 2006)

A. foetidus var. acidus 

A. foetidus 

A. acidus 


A. uvarum (Perrone et al. 2008) 



A. citrus var pallidus




Tab 1. Espécies de Aspergillus seção Nigri de acordo com diferentes autores. 

As espécies de Aspergillus são conhecidas por sua capacidade de produzir enzimas hidrolíticas, que são capazes de degradar vários tipos de biomassa vegetal, incluindo o amido presente na mandioca. Essas enzimas podem incluir amilases, que são capazes de quebrar o amido em açúcares simples, como glicose e maltose, que podem ser utilizados pelo fungo como fonte de energia. 

Em suma, há uma variedade tão grande de possibilidades para quebrar o amido através do Aspergillus níger, criando uma miriade de 'kojis niger' quanto aquelas que foram desenvolvidas no Japão. Trabalho para varias gerações futuras caso o Cauim faça sucesso no mercado.

Portanto, se uma espécie de Aspergillus estiver presente na mandioca e as condições forem favoráveis, é possível que ela possa contribuir para a quebra do amido na planta. No entanto, é importante ressaltar que nem todas as espécies de Aspergillus têm a mesma capacidade enzimática e que outros fatores ambientais e fisiológicos podem influenciar sua atividade.

A quebra do amido durante o processo de fermentação da fécula de mandioca é um fenômeno complexo que envolve tanto a ação dos ácidos quanto a atividade enzimática. A presença de enzimas amilolíticas, como observado por Cereda (1973), Cereda e Lima (1982), e Cardenas e De Buckler (1980), desencadeia a hidrólise do amido em açúcares simples. No entanto, para o crescimento microbiano durante a fermentação, é necessário não apenas carbono, mas também nitrogênio. Experimentos conduzidos por Cereda et al. (1985) revelaram a composição dos gases produzidos durante a fermentação, evidenciando a presença de nitrogênio, oxigênio e outros componentes. Observou-se um aumento gradual do teor de hidrogênio e dióxido de carbono ao longo da fermentação, enquanto o nitrogênio foi consumido.

Para explicar a origem do nitrogênio necessário para o crescimento microbiano, sugeriu-se que o nitrogênio atmosférico presente no sistema fechado de fermentação foi utilizado em certas fases, contribuindo para a formação da biomassa nos estágios iniciais da fermentação. Experimentos de fermentação demonstraram a presença de microrganismos não simbióticos capazes de fixar o nitrogênio atmosférico durante a fermentação do amido. Esses microrganismos, possivelmente bactérias do gênero Bacillus e Clostridium, mostraram-se ativos desde o início da fermentação, atingindo valores máximos entre o terceiro e o quarto dia e diminuindo posteriormente devido às condições adversas.

Aspergillus niger

Além da ação enzimática e do suprimento de nitrogênio, o consumo de oxigênio durante a fermentação cria condições favoráveis para o desenvolvimento de microrganismos produtores de ácidos orgânicos, como ácido láctico, ácido butírico, ácido acético, entre outros. Esses ácidos, juntamente com outros fatores ambientais, influenciam a predominância de certos grupos microbianos e o perfil de ácidos produzidos durante a fermentação do amido, conferindo ao polvilho azedo suas características únicas de sabor, aroma e textura

Aspergillus niger e Aspergillus oryzae ambos atuam na quebra do amido presente na mandioca:

1- Aspergillus niger

Este fungo é bem conhecido por sua capacidade de produzir ácido cítrico em larga escala por meio de processos de fermentação.

Bolores de diferentes crescem sobre os beijus ao ar livre, durante três a cinco dias, em uma das etapas de produção da tiquira. Foto: Jaqueline Nascimento/IFMA

Durante o processo de fermentação da mandioca com A. niger, as enzimas produzidas pelo fungo, como amilases e outras enzimas hidrolíticas, atuam na quebra do amido em seus componentes mais simples, como glicose e maltose.

A partir da glicose e maltose, o fungo pode então direcionar as vias metabólicas para a produção de ácido cítrico, que é um subproduto comum da fermentação.
No entanto, em certas condições de fermentação ou em casos de contaminação, o A. niger também pode produzir outros ácidos orgânicos, como ácido butírico, que podem conferir um sabor desagradável ao produto final.

2- Aspergillus oryzae

Este fungo é amplamente utilizado na culinária asiática e na fermentação de alimentos, incluindo a fermentação da mandioca para a produção de polvilho azedo e outros produtos fermentados.

Similar ao A. niger, o A. oryzae também produz uma variedade de enzimas, incluindo amilases, que são essenciais para a quebra do amido. Durante a fermentação da mandioca com A. oryzae, as enzimas produzidas pelo fungo degradam o amido em componentes mais simples, como glicose e maltose, que são então utilizados nas vias metabólicas do fungo para produzir diferentes metabólitos, dependendo das condições de fermentação e do substrato disponível.
O A. oryzae tem sido historicamente utilizado na fermentação de alimentos no Japão e em outras partes da Ásia devido às suas propriedades benéficas na produção de produtos fermentados, como o molho de soja e o saquê.

Tanto o Aspergillus niger quanto o Aspergillus oryzae são capazes de degradar o amido presente na mandioca por meio de suas enzimas, resultando em produtos finais com características específicas. A escolha entre eles dependerá das necessidades e preferências do processo de produção específico.

Minhas Tentativas

Inicialmente, tentei utilizar tapioca, inoculando o Aspergillus niger, seguindo práticas similares às do Piauí e Maranhão para produzir a tiquira. No entanto, o resultado foi desastroso; o vinho de tapioca com o A. niger mostrou-se impróprio para consumo (de sabor e aromas muito ruins - de fato, intragáveis), sendo apenas adequado para destilação. 

Com a assistência da especialista em sakes, Hikaru Sakunaga (作永ひかる), elea fazia experiências na qual tentava inocular koji na tapioca, porém, enfrentamos dificuldades devido à rápida desidratação da tapioca, enquanto o processo de fermentação do koji requer um ambiente com umidade controlada por no mínimo 48 horas.

Num esforço por resolver a questão do crescimento do koji na tapioca, lembrei-me do conceito budista de "katachi" (形) - que enfatiza a importância da forma na compreensão da essência das coisas. Inspirado por essa filosofia, percebi que as pérolas de mandioca compartilham não apenas uma semelhança visual, mas também uma essência semelhante ao arroz polido. Ao fazer essa conexão, decidi experimentar o sagu como substituto da tapioca. 

E o resultado foi satisfatório: o koji cresceu vigorosamente no sagu, destacando a eficácia dessa abordagem e a influência benéfica da sabedoria filosófica em nossas práticas diárias.

Como diz o ditado, O ditado japonês "一麹、二酛、三造り" (ichi koji, ni moromi, san tsukuri) é uma expressão que descreve o processo de fabricação de saquê em três etapas principais:

一麹 (ichi koji) - "Um Koji":
一 (ichi) significa "um" ou "primeiro".
麹 (koji) se refere ao koji, que é o arroz fermentado com o fungo Aspergillus oryzae. O koji é fundamental na produção de saquê, pois contém enzimas que convertem o amido do arroz em açúcares fermentáveis.

二酛 (ni moromi) - "Dois Fermentos":
二 (ni) significa "dois" ou "segundo".
酛 (moromi) se refere ao moromi, que é a mistura fermentada de arroz, água e koji. Durante essa etapa, o açúcar produzido pelo koji é fermentado pela levedura, produzindo álcool.

三造り (san tsukuri) - "Três o Preparo":
三 (san) significa "três" ou "terceiro".
造り (tsukuri) se refere ao processo final de fabricação, onde o moromi é prensado para extrair o saquê bruto (arame) e, em seguida, filtrado e muitas vezes diluído com água para alcançar o teor alcoólico desejado.
Portanto, esse ditado descreve sucintamente as três etapas essenciais na fabricação do saquê japonês: a preparação do koji, a fermentação do moromi e o processo de fabricação final.

Portanto, uma das coisas mais importantes na fabricação de saquê é o koji (koji). 

O koji é feito cultivando um tipo de mofo chamado Aspergillus oryzae na superfície e no interior do arroz vaporizado. Ele é usado como fonte de várias enzimas, como amilase, protease e lipase, mas o mais importante é a amilase, que quebra o amido do arroz em glicose. Esta glicose é então utilizada pela levedura do saquê para realizar a fermentação alcoólica.

Funções do Koji

Além disso, durante o processo de crescimento do koji, vários componentes são acumulados dentro do koji. Esses componentes se dissolvem no mosto (moromi) e não só servem como fonte de nutrição para a levedura do saquê, mas também exercem uma grande influência na qualidade do saquê como componentes de sabor.

Inicialmente, o arroz vaporizado é resfriado a cerca de 30°C e os esporos do koji são uniformemente espalhados sobre ele, em um ambiente controlado de temperatura e umidade conhecido como koji-muro (simplesmente "muro"). Quando o koji começa a crescer, a temperatura ao redor dele aumenta gradualmente devido ao calor que ele próprio gera. Para evitar que o crescimento do koji pare, é realizado um procedimento chamado "kirikaeshi" (virar), onde o arroz vaporizado, no qual o koji cresceu, é manualmente solto. Hoje em dia, também são usadas máquinas para controlar a temperatura automaticamente durante o processo de produção de koji.

O koji acabado tem um grande impacto na qualidade do saquê. Deve ser branco puro, com um bom aroma, seco e fácil de manusear, seja um "sohaze" macio e fofo ou um "tsukihaze" pontilhado, dependendo do uso pretendido.

Haze (haze): O estado em que o koji cresceu no arroz vaporizado, espalhando-se ao redor e penetrando até o centro do grão de arroz, é chamado de "haze inclusions".
Sohaze (sohaze): Refere-se a um koji onde o haze cobre completamente o grão de arroz, penetrando profundamente.
Tsukihaze (tsukihaze): Refere-se a um koji onde o haze aparece em manchas na superfície do grão de arroz e penetra bem em direção ao centro.

Dois tipos de Koji, o que cresce por dentro e o que cresce por fora do arroz

Para a produção de saquê japonês, existem dois tipos de "koji": "tsukihaze" que cresce dentro do grão de arroz, e o "sohaze" que cresce se espalhando pela parte externa. 

Os dois tipos de koji: O "Tsukihaze" "突きハゼ" que cresce dentro do grão; e o "sohaze"総ハゼ que se e3spalha pro fora do grão

O "Tsukihaze" "突きハゼ" se traduz como "haze pontiagudo" ou "haze saliente", indicando áreas específicas de crescimento do fungo no arroz resultando em uma superfície irregular. 

É chamado assim quando o fungo do koji cresce internamente em várias partes dos grãos de arroz, resultando em uma superfície irregular. Isso também é conhecido como "demekin" "出目金" em japonês, descrevendo o tipo de koji conhecido como "tsukihaze". "Demekin" literalmente significa "olhos salientes" ou "olhos protuberantes". 

Esse termo é usado porque o "koji tsukihaze" tem uma aparência irregular, com o fungo koji crescendo localmente em várias partes dos grãos de arroz, o que faz com que pareçam ter "olhos salientes" ou "protuberantes".

Exemplos de saquê feito com "tsukihaze koji" incluem marcas como Dassai 23, Tedorigawa e Otoko Yama.

Por outro lado, "sohaze" "総ハゼ" se traduz como "haze geral" ou "haze total", sugerindo que o fungo se espalha uniformemente ao redor do arroz, cobrindo toda a superfície. Isso ocorre quando os filamentos de fungo koji se espalham uniformemente ao redor do arroz, como queijo Camembert, com raízes de fungo koji bem estabelecidas dentro dos grãos de arroz.

Exemplos de saquês japoneses feitos com "sohaze koji" incluem marcas como Hakkaisan e Kubota.

Os dois tipos de koji: O "Tsukihaze" "突きハゼ" que cresce dentro do grão; e o "sohaze"総ハゼ que se espalha pelo lado de fora

A distinção entre esses "koji" é principalmente a quantidade de esporos de fungo koji utilizados. Enquanto "sohaze" usa uma quantidade substancial de esporos, "tsukihaze" reduz essa quantidade para cerca de 60% a 50% da quantidade usada em "sohaze". Essa diferença na quantidade é crucial para o resultado final.

Após a maturação, o koji, que adquiriu uma cor verde-musgo, é colocado em sacos de pano grosseiro ou recipientes com bocas de malha. Eles são então gentilmente sacudidos de uma altura considerável para espalhar os esporos de fungos koji. Um momento tenso é quando os sacudimentos cessam e o koji ainda não caiu sobre o arroz, e é necessário manter a respiração e a calma até que todos os filamentos de koji tenham caído sobre o arroz, uma habilidade que os mestres dominam, deixando apenas dois ou três esporos nos grãos de arroz.

Em geral, o "sohaze" é usado na produção de saquês básicos, como o "honjozo" e o "junmai", enquanto o "tsukihaze" é reservado para saquês premium, como o "ginjo" e o "daiginjo". Isso ocorre por várias razões.

Primeiro, os saquês premium, como o "ginjo", requerem uma fermentação longa e em baixa temperatura, o que requer uma atividade enzimática mais suave, tornando o "sohaze" muito vigoroso.

Segundo, o koji não é usado imediatamente após a sua produção, mas passa por um processo de secagem em um local frio e seco para evitar dissolução excessiva, uma precaução importante.

Além disso, para criar um sabor suave e delicado, os saquês premium devem conter baixos níveis de aminoácidos, que são produtos da decomposição de proteínas. Como o "sohaze" contém uma quantidade significativa de filamentos de fungos koji, que são naturalmente ricos em proteínas, resulta em um teor excessivo de aminoácidos, tornando o "tsukihaze", com menos filamentos de koji, uma escolha mais adequada.

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