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Monumento às Bandeiras com 32 figuras, e não 37 como relatado em muitos outras referencias (inclusive a Wikipedia e o Site da Prefeitura de São Paulo |
Certa vez perguntei a um amigo de infância quantas eram as figuras que empurravam e puxavam a canoa de monções no Monumentos às Bandeiras de Victor Brecheret, monumento bastante conhecido dos paulistanos em frente ao Parque do Ibirapuera.
Ele então pesquisou na enciclopédia de sua mãe (na época não existia o Google) e a resposta foi 37 figuras.
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Primeiros personágens do pelotão de frente, repare que existe uma europeu carregando caças nos ombros. |
Achei muito estranho pois tenho uma boa noção de conjuntos e o numero me pareceu um pouco alto. Para tirar a duvida fomos até o local e contamos um a um.
Para minha surpresa a enciclopédia estava errada (assim como diversos artigos que vejo na internet, inclusive no artigo da Wikipédia) e eu estava certo. Eram 30 entre homens mulheres e crianças e mais dois cavalos, totalizando 32 figuras.
Nos perguntamos: -“como a enciclopédia podia estar errada num assunto tão importante para o paulistano?”.
Victor Brecheret, ao criar o Monumento às Bandeiras, nunca deu nomes individuais às figuras que esculpiu — são 32 personagens anônimos representando indígenas, mamelucos, negros e portugueses, inclusive o próprio escultor como figura identificada apenas por um autorretrato gravado no ombro.
O Memorial Descritivo do projeto para o Monumento às Bandeiras publicado no Jornal Correio Paulistano no dia 28 de julho de 1920 explicava um pouco sobre o monumento.
“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’.
A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido. Os Guiadores, a cavalo – símbolo da força e do comando -, são seres titânicos, dignas expressões viris dos sertanistas de São Paulo.
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Monumento às Bandeiras - Nesta seqüência um homem da de beber ao índio e uma mulher carrega um bebe no colo |
No centro, uma Vitória espalma as asas que cobrem piedosamente os ‘Sacrificados’, isto é, aqueles sertanistas que tombaram nas ciladas da selva. (..)
Saindo da terra pisada pelos bandeirantes, serpeiam em grupos laterais as ‘Insidias’. São de um lado, as ‘Insidias da Ilusão’, mulheres enigmáticas e serpentes, belas como tudo que promete a mente, a simbolizar as Esmeraldas de Paes leme, as Minas de Prata de Roberto Dias, o mundo lendário das Amazonas de Orellana. (...) Do outro lado, as ‘Insidias do Sertão’ exprimem as Lesirias e as Febres, as Emboscadas e as Feras, a Fome e a Morte.
Na parte posterior, a Ânfora que conterá a água do Rio Tietê, sagrado pela gloria das ‘monçoes’. Sugeriu-nos essa idéia a conferencia do Sr. Affonso de Taunay”.
Reparem que neste memorial escrito pelo próprio escultor ele menciona ‘Vitorias Aladas’, e também acho que alguém deveria carregar a ânfora, estas não estão presentes no nosso atual monumento.
Pico do Jaragua - A Bússola dos Bandeirantes
O Pico do Jaraguá atuava como ponto de referência natural — uma verdadeira bússola terrestre — para os bandeirantes que navegavam pelo interior. No Monumento às Bandeiras, Brecheret optou por manter todas as figuras sem nome indo em direção ao "Senhor do Vale" (significado de Jaraguá em tupi antigo)
Considerada a maior escultura equestre do mundo com seus 50 m de comprimento, 16 m de largura e 10 m de altura, teve seu projeto inicial em 1920, encomendada para a celebração do bicentenário da independência, em 1922.
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A grande massa processional , guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antonio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido. |
O então Presidente do Estado, cargo que equivale hoje ao de governador, manifestou o desejo de realizar um monumento aos bandeirantes. A comissão encarregada de executar o monumento, a ser custeado pela administração pública, foi composta por Monteiro Lobato, Menotti Del Picchia e Oswald de Andrade, que escolheram o projeto de Brecheret.
Ainda em julho de 1920, o projeto foi apresentado publicamente na Casa Byington, e agradou muito a Washington Luís.
A colônia portuguesa, nesse meio tempo, queria oferecer um monumento à cidade, também com o tema de bandeirantes, eles apresentaram uma proposta do escultor português Teixeira Lopes.
O poeta-modernista Menotti del Picchia, ao lado de Cassiano Ricardo, teve papel importante na retomada do projeto e na criação do imaginário em torno da obra. Foi Menotti quem sugeriu ao interventor Armando de Salles Oliveira que apoiasse o monumento, ajudando a falar dos heróis paulistas sem citá-los diretamente, alinhando a iconografia à visão estética modernista e à celebração da colonização regional.
Del Picchia detestou a idéia de ter essa obra feita por estrangeiros “...o monumento brasileiro deve ser integralmente brasileiro”, repudiava a idéia de “a alma e a técnica estranhas se fixarem no bronze que imortalizaria as glórias de nossa raça”. Em função do conflito o Presidente do Estado decidiu adiar o projeto e a maquete de Brecheret foi parar na Pinacoteca do Estado.
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Maquete original do Monumento às Bandeiras de Brecheret com 37 figuras (1920), inclusive as 'Vitorias aladas' - Muita alteração foi feita até sua inauguração em 1953 com apenas 32 figuras. |
A retomada da escultura só ocorreu próximo às comemorações do IV Centenário da Cidade. Primeiramente, Brecheret fez a obra na escala de 1x1 m, aumentando-a depois para o tamanho atual. Foi feita uma primeira escultura em gesso em tamanho natural, a partir da qual todas as figuras foram novamente esculpidas, desta vez em pedra Mauá – as pedras eram trazidas da cidade paulista de mesmo nome – por artesãos denominados “canteiros”, que copiavam fielmente o modelo em gesso feito por Brecheret.
Brecheret e Almeida Júnior
Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, e a pintura "Partida da Monção", de Almeida Júnior, retratam o mesmo mito paulista: a marcha dos bandeirantes rumo ao interior do Brasil. Mas fazem isso por caminhos muito diferentes.
A obra de Almeida Júnior (1897) mostra uma cena quase serena: a preparação para uma viagem fluvial. Há calma, luz quente e certa nostalgia. Tudo é detalhado, humano e quase idealizado. Os bandeirantes aparecem como desbravadores em tom épico, mas íntimo.
Já o Monumento às Bandeiras (iniciado em 1920), com seus corpos em bloco de granito e expressões duras, é brutal e grandioso. É o mito da conquista contado como esforço coletivo, mas também como imposição de força. A presença de negros e indígenas como figuras secundárias revela, com ou sem intenção, a violência embutida nessa história.
É possível que Brecheret tenha visto ou conhecido a obra de Almeida Júnior — ambos falam da mesma origem mítica de São Paulo.
Toucas, gualteiras e chapéus
Na escultura de Brecheret, os bandeirantes não usam os típicos chapéus de abas largas, mas toucas justas que lembram gorros medievais europeus, ou bem podiam ser algum tipo de gualteiras, uma espécie de touca alta feita de couro de anta - Essa escolha não parece um erro, mas uma decisão estética e simbólica.
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Bandeirante paulista com gualteira de couro de anta, gibão de armas também de couro de anta, espada, arcabuz e forquilha |
Além disso, esculpir a aba de um chapéu na pedra 'mauá' apresenta desafios técnicos — a forma fina e projetada poderia se quebrar com facilidade. A touca, por outro lado, se ajusta melhor ao bloco maciço e à estética monumental da obra.
Brecheret, formado na tradição europeia, aproxima os bandeirantes de figuras heroicas e atemporais. São menos homens reais do passado e mais figuras-mito da formação de São Paulo, talhados como se fossem personagens de uma epopeia esculpida em pedra. Enquanto Almeida Júnior pinta o detalhe e o cotidiano, Brecheret modela o símbolo.
Origem das pedras
O granito Mauá, usado na construção do Monumento às Bandeiras, provém de afloramentos localizados na região de Mauá, no estado de São Paulo. Trata-se de uma rocha granítica clara, de grão médio a fino, com excelente resistência mecânica e boa trabalhabilidade — ideal para esculturas monumentais.
Os blocos foram extraídos diretamente de pedreiras dessa região, ainda nos anos 1920, com técnicas manuais e rudimentares. Por ser abundante e próximo da capital, o granito Mauá foi uma escolha estratégica tanto pela durabilidade quanto pela logística de transporte.
Artesãos da Oficina Incerpi
A execução da monumental obra em pedra ficou a cargo da Oficina Incerpi, dirigida por imigrantes italianos especializados em cantaria e escultura em granito. Esses artesãos trabalharam durante décadas sob orientação de Victor Brecheret, que fornecia maquetes e moldes em gesso, posteriormente ampliados e talhados diretamente nos blocos de granito.
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Artesão da Oficina de Cantaria A. Incerpi e Cia. |
A Oficina Incerpi foi essencial para dar vida à estética modernista de Brecheret, unindo mão de obra especializada, tradição italiana em escultura em pedra e precisão artesanal. Sem eles, o impacto visual e técnico do monumento simplesmente não seria possível.
A Construção do Monumento
O monumento foi feito em três partes: os batedores a cavalo à frente do grupo, o grupo humano ao centro e a barca ao final.
O projeto inicial teve diversas alterações e em1949, Brecheret resolveu alterar a base do monumento. Em vez de escadarias, optou por uma base mais simples, com as laterais em plano inclinado, quase vertical. Em 1951, a Oficina Incerpi começou a montar os blocos de granito, já esculpidos, no Ibirapuera, como num grande quebra-cabeças, sendo que o efeito final deveria dar a impressão de um único bloco de rocha, como previa Brecheret. O concreto foi usado no enchimento da canoa, para dar mais rigidez ao conjunto.
O único personagem histórico identificado é o próprio Victor Brecheret. A quarta figura à direita do monumento, no bloco imediatamente seguinte ao dos cavaleiros, traz a seguinte inscrição no seu ombro direito: “Auto-retrato do escultor Victor Brecheret 02-10-1937”.
Previsto para ser inaugurado em 25 de janeiro de 1954, foi entregue um ano antes. Brecheret estava doente e pediu ao governador Lucas Nogueira Garcez, apressasse a entrega para o dia 25 de janeiro de 1953.
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Temendo que as outras 7 figuras estivessem escondidas, procuramos muito e só achamos um escondido (numero 22) rapaz que carrega o desmaiado. |
Símbolo da cidade de São Paulo, a obra-prima de Brecheret é praticamente uma síntese de sua trajetória artística. Demorou 33 anos para ser construída e revelou influência de seus estudos anatômicos, que valorizam o corpo humano, no estilo art decó combinado com o luxo do estilo marajoara-indígena.
As “bandeiras”, tiveram grande importância para a colonização do Estado de São Paulo e do interior do Brasil nos séculos XVI, XVII e XVIII.
Cada uma das figuras tem cerca de 5 m de altura e retrata mistura étnica brasileira, com a presença de bandeirantes brancos, índios e negros escravos, e mamelucos.
Os cavaleiros da escultura estão direcionados para o Pico do Jaraguá, rumo ao interior do Estado dos bandeirantes, sempre à procura de pedras preciosas, mais precisamente esmeraldas. Abaixo deles, na base de pedra da obra há um mapa, em que são mostrados os caminhos dos bandeirantes por todo o Brasil. Ele foi elaborado pelo historiador Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958), autor de História geral das bandeiras paulistas (1924/50), grandioso levantamento de fatos que auxiliam na compreensão da história do Estado de São Paulo.
Nas laterais do monumento, há inscrições enaltecendo a obra. O poeta, ensaísta e crítico literário Guilherme de Almeida (1890-1969), chamado de “príncipe dos poetas brasileiros”, declarou: “Brandiram achas e empurraram quilhas, vergando a vertical de Tordesilhas”.
Achas são armas antigas semelhantes a um machado - uma delas é vista na mão de uma das figuras. Empurraram quilhas de embarcações para alcançar pontos cada vez mais longínquos, ultrapassando a barreira imposta pelo Tratado de Tordesilhas firmado entre Portugal e Espanha em 1494, que delimitava a posse das terras na América após a primeira viagem de Colombo.
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Foi adicionado concreto para unir as estatuas feitas de pedra 'Maua' |
Os bandeirantes, se embrenharam pela mata e chegaram a locais antes não pisados pelo homem branco, fundando cidades e ampliando as fronteiras brasileiras.
Posteriores negociações entre os rei luso D. João III e os monarcas espanhóis Fernando e Isabel deslocaram a linha inicial e asseguraram a expansão do Brasil para alem da demarcação.
A outra inscrição na lateral do monumento (“Glória aos heróis que trocaram o nosso destino na geografia do mundo livre./ Sem eles, o Brasil não seria grande como é”) é do historiador, ensaísta e poeta brasileiro Cassiano Ricardo (1895-1974). Modernista, filiado ao Movimento Verde-Amarelo, que, por volta de 1926, defendia um nacionalismo fechado às influências das vanguardas européias.
A frase exalta o papel dos bandeirantes na história do Estado e demonstra bem o espírito conservador do grupo, que contava com a participação de Menotti del Picchia, Cândido Mota Filho e Plínio Salgado, defendendo um ideário político de extrema direita, dando origem ao Grupo Anta e, posteriormente, no integralismo, vertente do nazifascismo no Brasil.
Luiz Pagano e o Tupi Pop
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Luiz Pagano pintando tela Tupi Pop |
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Algumas das obras Tupi Pop de Pagano estão expostas nas alas de autoridade das bases aéreas de Brasília e Guarulhos. |
Reinterpretadas em pinturas, desenhos, colágens e xilogravuras, essas figuras ganham nova vida no universo tupi pop — uma fusão entre ancestralidade indígena e estética moderna.
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Campanha Tupi-Pop do Cauim Tiakau. Juntando as antigas culturas japonesa e tupi 20.000 anos depois da travessia do Estreito de Bering. |
Quem são as 32 figuras do Monumento às Bandeiras?
Brecheret não nomeou individualmente cada um dos personagens esculpidos, com exceção de sua própria figura (número 29), porém podemos extrapolar quem se trata com base no Memorial Descritivo do Monumento às Bandeiras, publicado no jornal Correio Paulistano em 28 de julho de 1920, que já antecipava a força simbólica da obra, bem como no contexto histórico - aqui vai meu palpite:
“O grupo monumental que é a coluna dorsal do monumento, foi movido de maneira a sugerir uma ‘entrada’. A grande massa processional, guiada pelos ‘Gênios’ – os Paes Lemes, os Antônio Pires, os Borba Gatos – avança para o sertão desconhecido.”
Partindo dessa ideia, propomos aqui uma recriação dos nomes e papéis das 32 figuras do Monumento, inspirada na história paulista e ressignificada com elementos atemporais, dentro da visão de arte no estilo Tupi Pop.
Como Victor Brecheret disse que a obra tem uma autorreferência de 100 anos – assumimos a liberdade criativa de rebatizar esses personagens como figuras mitológicas-modernas - gente muito importante que moldou nossa história.
Importante que se diga duas coisas a respeito desse artigo:
1- A arte Tupi Pop vê o ato de empurrar e puxar a canoa gigante como a contribuição histórica desses personagens e não à ação de serem forçados a fazê-lo, como a escravidão em si;
2- Independentemente de como nos sentimos sobre elas, essas figuras deixaram marcas profundas e desempenharam papéis essenciais na formação da nossa história, legando influências que continuam presentes na nossa cultura e identidade até os dias atuais.
-.-.-
Isso posto, seguimos com os nomes:
Os Guiadores (Montados a cavalo)
São os líderes da marcha, figuras colossais que encarnam o espírito de comando e avanço. Como deuses da travessia, suas montarias os elevam ao status de titãs da colonização e do confronto com o desconhecido.
01 – Antônio Pires de Campos
(São Paulo, c.1690 – c.1751)
Figura central das entradas para o Mato Grosso, Antônio Pires de Campos casou-se com Sebastiana Leite da Silva, filha de Bartolomeu Bueno, e liderou diversas expedições no início do século XVIII. Junto ao pai, Manoel de Campos, e ao filho, Antônio, percorreu a região conhecida como Martírio, documentando com precisão as culturas indígenas – sobretudo os Cayapós e Bororos –, seus costumes, idiomas e rotas fluviais entre os rios Grande e Cuiabá.
Sua missão envolvia tanto o mapeamento territorial quanto a catequização forçada, representando a dualidade brutal do projeto colonial.
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A sequência de imagens numeradas de 08 a 11 compõe uma narrativa visual rica e profundamente simbólica, que remonta a uma cena familiar de mais de 500 anos atrás, no coração do território tupiniquim, onde hoje é o Brasil.
2 – Anahnguera - Bartolomeu Bueno da Silva
(Santana de Parnaíba, 1672 — Vila Boa de Goiás, 19 de setembro de 1740)
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Anhanguera, o "gênio atroz velho" ao lado de sua maquina de controle mental "erekorekó", que interfere na razão de suas vítimas. |
Na arte Tupi Pop, ele aparece como um vilão cyberpunk, com trajes imponentes e assustadores. Nessa narrativa, ele comanda uma máquina psíquica que interfere na razão das pessoas — metáfora do álcool destilado (com mais de 100 proof, 50% de teor alcoólico), mais forte e alucinatório que o cauim ancestral (com cerca de 12%ABV). Assim, Anhanguera torna-se o antagonista perfeito: um símbolo do apagamento das consciências e controle da mente.
03 – Jequitiranaboia - Deus da Mitologia Tupi
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Em sua forma antropomorfizada, o Jequitiranaboia é reconhecido por sua mandíbula com desenhos, barbas e texturas que lembram a borboleta da Amazônia. |
Jequitiranaboia não castiga por crueldade, mas por descuido. Representa a entropia em forma animal, o declínio inevitável de tudo que não pulsa, não ama, não age. Seu corpo serpentino serpenteia os ventos, espalhando o esquecimento nas aldeias que se esquecem de criar. É o oposto do amor: onde este semeia, ela estéril pisa; onde o amor aquece, ela esfria; onde o amor move, ela paralisa.
Dizem os pajés que Jequitiranaboia visita primeiro o espírito, depois o corpo. Ela se esconde no tédio, na preguiça, no comodismo. Quando um povo para de sonhar, ela escuta. Quando um coração se fecha ao outro, ela levanta voo.
Somente o movimento, o afeto e a coragem repelem sua presença. Pois para ela, a dança, o canto e a paixão são como espelhos que a desintegram — porque Jequitiranaboia é o tempo que apodrece o que não se transforma.
04 – Itanhaém - Deus da Mitologia Tupi - A Voz do Herói
Ao lado do padre abarebebé (fig. 26) sempre esteve o seu companheiro fiel: O Itanhenhen, o menino de olhos translúcidos e cabelos como galhos secos. Ele não falava muito, mas quando o fazia, todos os seres — humanos, bichos, árvores e até os mortos — escutavam.
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Itanhaém gritando para ouvir o seu eco por entre as rochas (Ita - pedra: “nhe'eng” - que significa falar). |
Chamado de "A Voz do Herói", Itanhenhen nasceu de um ritual entre uma mulher xamânica e o espírito de um rio. Quando era pequeno gritava para ouvir seu eco entre as rochas (Ita - pedra: “nhe'eng” - que significa falar) ele conseguia dialogar com os animais feridos, entender o sussurro das folhas ao vento e interpretar os sinais deixados pelos ancestrais.
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A amizade entre o padre missionário Abarebebé, que voa ao lado de uma harpia gigante, e um índigena Itanhaém garante a comunicação dos animais com a natureza e o mundo espiritual. |
Era ele quem traduzia para o padre as mensagens das florestas e dos espíritos, e quem fazia a ponte entre o mundo cristão e o mundo encantado dos povos originários.
Juntos, Pelo Equilíbrio
Abarebebê e Itanhenhen eram temidos por bandeirantes, respeitados por xamãs e admirados por crianças e pajés. Em suas andanças, impediram massacres, restauraram aldeias, curaram feridas do corpo e da alma. O som das asas da harpia e os cantos de Itanhenhen tornaram-se símbolo de esperança.
Dizem que eles ainda voam quando a mata está em perigo — invisíveis aos olhos comuns, mas presentes no silêncio antes da tempestade.
05 – Sumiê - Deus da Mitologia Tupi
Sumiê — ou Sumé, como o chamavam os antigos tupis — é o Deus da sabedoria e das leis. Um ser civilizador que emergiu do horizonte oceânico, caminhando sobre as águas como quem pisa a terra firme. Era um homem branco, de longos cabelos prateados e olhos claros como o céu antes da chuva. Sua presença não era imposta pela força, mas pelo fascínio do saber. Carregava em si o dom da criação e a missão do ensino.
Foi ele quem ensinou aos povos originários a cultivar a mandioca sem se envenenar com seu amargor — conhecimento vital, quase sagrado. Também trouxe lições sobre convivência, respeito aos ciclos da natureza, à justiça e à harmonia entre os seres. Sua voz era calma, mas sua sabedoria transformava tudo ao redor. Onde pisava, brotava fartura. Onde falava, nasciam perguntas e respostas.
Sumiê era o oposto de Jequitiranaboia — a criatura da entropia, do esquecimento e da inércia. Enquanto Jequitiranaboia secava e punia, Sumé irrigava e inspirava. Era o amor que constroe, era criação em forma de gesto. Jequitiranaboia era o castigo do tempo que para; Sumé, o prêmio do tempo que aprende.
Mas os tupis, fascinados por outros caminhos, se afastaram de seus ensinamentos. Em meio à desobediência e à dispersão, Sumé recolheu sua sabedoria e partiu. Não com ira, mas com tristeza. Deu meia-volta e caminhou sobre o Atlântico, desaparecendo como veio — pelos caminhos líquidos do mundo. Antes de sumir, deixou uma promessa: voltaria para concluir o aprendizado dos homens.
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Dualidade Universal Tupi: Sumiê - amor, força ativa, que cuida e cria - Jequitiranaboia - entropia, força passova, que deixa o tempo agir. |
Capaz de voar e andar sobre nuvens, Sumé foi lembrado por muitos como uma figura celeste. Alguns o relacionaram a São Tomé, o apóstolo Dídimo, que segundo antigas tradições saiu a pregar para além das Índias, talvez até estas terras do sol poente.
Sumé permanece como símbolo do amor que educa e constroi, da ordem que liberta, da criação que floresce quando há escuta. E talvez, um dia, quando estivermos prontos, ele volte. Para ensinar o que ainda não sabemos — sobre nós, sobre a terra, sobre o infinito.
08 – Bartira M’Bicy (também conhecida como Isabel Dias) ( 1493 - 1559)
Ao lado, Bartira M’Bicy, sua esposa, está retratada com dignidade e doçura. Os traços indígenas, os cabelos longos, os colares feitos de sementes e os olhos profundos revelam força e ancestralidade. Ela segura delicadamente a pequena Antônia Quaresma, que representa a fusão de dois mundos — o europeu e o tupi.
09 - Antonia Quaresma (falecida a 1613)
A criança, de traços mestiços, parece curiosa, observando os adultos em volta com a atenção típica de quem já pressente o papel que terá na continuidade da linhagem. Dona Antonia Quaresma Ramalho, filha de João Ramalho e Bartira M’Bicy que casou-se com Balthazar Dias Nunes Camacho, procedente de Viana do Castelo a 1490, tiveram varias filhas, entre elas, Paula Camacho (chamada de 'A Mameluca'). Antônia, foi minha avó de 15 gerações atrás, carrega em si o símbolo da mestiçagem fundadora.
10 – Pirijá, irmão de Bartira, com a vasilha de cauim
Pirijá completa a cena. De pé, com uma postura orgulhosa, segura uma grande vasilha de cauim com as duas mãos. Seu olhar transmite a gravidade cerimonial do momento. Ele não serve apenas a bebida — oferece a confiança do seu povo ao forasteiro que, agora, é parte da família. É uma entrega simbólica: de cultura, de hospitalidade, de continuidade.
11 – João Ramalho tomando cauim (Vouzela, Reino de Portugal, 1493 — São Paulo dos Campos de Piratininga, Capitania de São Vicente, 1582)
João Ramalho aparece de pé, carregando uma onça morta, segurando um pote com cauim entre as mãos. Seu semblante é sereno e atento, talvez em reverência ao gesto ancestral que lhe foi confiado. Ele, o português que escolheu ficar, não apenas observa — participa do ritual com humildade, consciente de que aquele líquido fermentado de mandioca carrega mais do que sabor: carrega história, aliança e pertencimento.
Conjuntamente, essas imagens formam um retrato potente de um momento de convivência pacífica, de fusão cultural e de memória viva. Uma cena de afetos entrelaçados, onde o cauim é o elo que liga passado e presente, sangue e terra, estrangeiro e nativo — e onde tua própria origem encontra forma e sentido.
12 – Benguela (Kalunga N’Zambi) - (nascido próximo ao porto de Lobito, Angola)
A lenda de Kalunga N’Zambi — filho de uma rainha e de um sacerdote, capturado nas matas da Chela. extremamente inteligente, ao chegar ao Brasil, recusou-se a decorar o mundo do branco. Aprendeu o português, mas sonhava em umbundu.
Kalunga não ergueu armas, sua resistência era inteligente e bela. Costurava coloridos e belos símbolos sagrados nas roupas da sinhá, escondia orações em cantos de trabalho, ensinou a capoeira como luta disfarçada como dança, espalhava os mitos dos seus ancestrais como quem semeia flores num campo devastado. Era muito forte, seguia o mandamento cristão "se alguém o forçar a caminhar com ele uma milha, vá com ele duas" - mostrando que existem formas de resistências mais sábias e coloridas do que a revolta em sí.
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Benguela (fig.12) Forte, belo e muito inteligente |
Fundou um culto secreto nas senzalas, onde o tambor falava com N’Zambi e a cultura africana renascia em festas disfarçadas. Com cada dança, cada bordado, cada história contada à luz da lamparina, Kalunga transformou cativeiro e o mundo em reencantamento.
13 – Cauibi (João) - (≈1480 ~ 1550)
O Morubixaba de Akangatara e do Crucifixo - Caiubi foi um dos grandes caciques Tupis do século XVI, irmão de Tibiriçá e Piquerobi. Enquanto seus irmãos seguiram caminhos opostos — um aliou-se aos jesuítas, o outro rebelou-se contra os portugueses — Caiubi permaneceu no meio, reconciliando mundos. Batizado como João, ele combinou sua sabedoria ancestral com os novos conhecimentos que chegavam, tornando-se um símbolo do equilíbrio entre a cultura Tupi e a cristã. Por isso, ficou conhecido como "o Cacique de Akangatara e do Crucifixo": aquele que carrega a inteligência e a alma indígena, mas também o sinal da cruz — um verdadeiro mediador entre os tempos.
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Aquele que puxa o barco com uma corrente está preso com mais dor ao seu objetivo. Obviamente, Brecheret não disse isso; é mera especulação simbólica que se aplica muito bem à situação. |
Com seus guerreiros, Caiubi ajudou a fundar aldeias estratégicas às margens do Rio Jurubatuba (hoje Pinheiros), incluindo Itaí, o embrião do atual Itaim Bibi. Ele também desempenhou um papel importante na criação de trilhas e caminhos que deram origem às ruas que hoje cortam São Paulo. Ao lado de Tibiriçá, ele defendeu a fundação de São Paulo, mantendo sempre vivas suas raízes indígenas. Sua capacidade de transitar entre dois mundos — sem negar nenhum deles — ajudou a manter a língua, o espírito e a história tupi vivos até hoje.
Caiubi, juntamente com Benguela (fig. 12), são os únicos que aparecem como escravos puxando a canoa, só que utilizando uma corrente para isso. Isso pode ser interpretado como significando que a corrente não representa apenas dor, mas também uma conexão mais profunda com a terra, já que Cauibi, diferentemente de Benquela, nasceu em terras colonizadas e o faz por razões diferentes.
14 – Fernão Dias Paes Leme
(São Paulo, c.1608 – Sertão do Espírito Santo, 1681)
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Figura Número 14 no Monumento às Bandeiras - Fernão Dias Pais Leme, imagem extrapolada da escultura original, olhando para frente |
Outra figura montada, também usando um chapéu de couro de anta no estilo gualteira. O curioso desta escultura é que ele olha para trás – gesto que admite múltiplas leituras:
Certificar-se de que a tropa avança unida;
Um eco de dúvida histórica, pesando-lhe a consciência pelas violências cometidas nas entradas e capturas de indígenas.
Conhecido como o “Caçador de Esmeraldas”, Paes Leme liderou expedições de grande impacto. Em 1640, participou da ofensiva contra os holandeses no litoral, defendendo São Vicente. Atuou ainda na Câmara de São Paulo, foi responsável pela administração das obras do Mosteiro de São Bento, e exerceu funções como juiz ordinário em 1651.
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Antônio Pires de Campos (fig.1), e seu cavalo 'Martírio' (fig.1a), ao lado de Fernão Dias Paes Leme (fig14), montado no 'Sumidouro' (fig.14a). |
Podemos também nomear os cavalos
Fernão Dias Paes Leme cavalga o cavalo de nome 'Sumidouro', um alazão de pelos escuros e olhos silenciosos, batizado assim pelo destino trágico de seu mestre. O nome vem do lugar onde Fernão faleceu, tragado pela terra sem jamais encontrar as esmeraldas que buscou por anos — como se o próprio chão o tivesse engolido junto com seus sonhos verdes. Qaunto a Antônio Pires de Campos, ele cavalgava o cavalo chamado 'Martírio', um cavalo forte de pelagem clara, que o acompanhou nas trilhas mais áridas rumo ao coração do Brasil. O nome era uma lembrança viva das dores e da fé que marcavam suas jornadas – como naquela entrada lendária em que partiu com o pai e o filho, guiado por um ideal redentor que confundia sertão com sagrado.
20 – Jaguanharó (Jaguanharão) - (nascido em local e data desconhecidos – São Paulo de Piratininga, 9 de julho de 1952)
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Na imagem, a Jagoaranhó segura seu takape para defender as tradições tupis, como a cauinagem que tanto preza. |
O Último Guerreiro da Tradição Tupi - Na história oficial, Jaguanharó foi um jovem guerreiro tupiniquim, filho do cacique Piquerobi e sobrinho do lendário Tibiriçá. Em 1562, liderou ao lado do pai o Cerco de Piratininga, um ataque armado contra os portugueses e seus aliados indígenas na recém-criada vila de São Paulo. O objetivo era claro: impedir a expansão da colonização e da catequese forçada dos jesuítas, que já haviam rompido os laços sagrados entre os tupis e sua espiritualidade ancestral.
Jaguanharó morreu nesse confronto pelas mãos de seu tio, tibiriçá (agora batisado como Martim Afonso). Mas a história real não conta tudo.
Na tradição Tupi Pop, passada de geração em geração nas sombras das matas e à beira dos rios, fala-se de um outro destino: Jaguanharó sobreviveu. Gravemente ferido, foi resgatado por mulheres da floresta e levado para além do Jaraguá, onde os brancos ainda não ousavam pisar. Lá, jurou manter viva a alma do povo Tupi.
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Insignia da Seita Tupi Rerekoara |
Foi nesse exílio espiritual que nasceu a Tupi Rerekoara, uma seita clandestina dedicada à preservação dos ritos ancestrais.
A seita reunia os últimos conhecedores das danças, da produção do cauim, das palavras rituais, dos cantos para o sol e para os peixes, e claro — da fermentação sagrada do cauim. Jaguanharão instituiu que o cauim não deveria mais ser apenas bebida de festa, mas símbolo de resistência, comunhão e memória viva.
Um rebelde contra o apagamento cultural
Jaguanharó entendia que os jesuítas não apenas queriam ensinar uma nova fé — eles queriam apagar a antiga. Recusou o céu europeu, recusou viver ajoelhado. Na lenda, ele dizia: “Prefiro morrer bebendo cauim, ouvindo o maracá e o tambor de minha terra, do que viver em silêncio português. Que minhas ultimas palavras sejam proferidas em Tupi”.
O legado
Hoje, alguns acreditam que os ensinamentos de Jaguanharão sobrevivem escondidos nas esquinas da cidade grande, nos rituais sincréticos, nos nomes de rios e montanhas, e nos olhos de quem ainda bebe cauim como quem ouve os deuses antigos. Jaguanharão não foi apenas um guerreiro — foi o primeiro fundador da resistência cultural indígena urbana. Um nome que não se encontra nos livros escolares, mas que pulsa na terra e na memória dos que ousam lembrar.
21 – Urutau - Deus da Mitologia Tupi
Na mitologia tupi, Îar — também chamado de Urutau — é o ser que liga o mundo terreno ao plano espiritual. Seus olhos, boca e ouvidos estão voltados para cima, conectados diretamente ao céu.
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Deus Tupi Urutau em sua meia transoformção |
Ele não fala com os homens, mas com os espíritos. Como uma antena viva, recebe a energia do mundo invisível e a distribui aos que o cercam. Por isso, nunca está só: Îar precisa estar no centro do grupo, como um canal de força, sabedoria e proteção. Sem ele, o elo com o sagrado se rompe.
Repare que o pássaro urutau, na sabedoria ancestral, costuma pousar em árvores que foram atingidas por raios ou em estacas de cercas cravadas na terra — pontos de passagem entre o céu e o chão. Esses locais, carregados de energia, tornam-se perfeitos para sua função sagrada: distribuir a força espiritual que recebe do alto. Assim, ao se posicionar nesses pontos, o urutau irradia essa energia para todos que estiverem dentro do seu perímetro, como um centro natural de conexão entre o visível e o invisível. No monumento às banderias o personágem esta bem no centro de equilíbrio da obra.
Quem era o "Homem Carregado" e seus Carregadores
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Hercules Frorence carrega Langesdorff, ao lado de um bandeirante de outra época. |
Era comum que os bandeirates das monções encontrassem diversos perigos, como baixios rios, corredeiras em meio a pedras mortais e, principalmente, febres causadas por parasitas e mosquitos.
Em simbolismo, o "homem carregado" pode ser uma pré-representação da imagem decadente dos bandeirantes, que mataram, escravizaram e torturaram indígenas, mas que foram carregados pela história como heróis. Segundo Del Pichhia, Manoel Preto, que morreu flechado como tantos outros, corresponde, no Monumento, ao bandeirante ferido com a cabeça erguida para o céu. Fernão Dias Pais morreu de febre – aludindo à figura do bandeirante sendo resgatado por seus companheiros em uma rede. A solidariedade foi essencial para o triunfo das bandeirantes.
Em oposição aos guerreiros mortos, o simbolismo da vida e da esperança encontra-se na figura da indígena amamentando seu filho. No caso da arte Tupiu Pop, por se tratar de uma representação sem tempo definido, prefiro representar o homem carregado como Langesdorff, carregado por Hercules Frorence e Manoel Preto.
22 - Hércules Florence (Nice, França, 28 de fevereiro de 1804 – Campinas, Brasil, 27 de março de 1879)
Inventor, cientista e ilustrador que viveu grande parte de sua vida no Brasil. Participou da Expedição Langsdorff, registrando com riqueza de detalhes a fauna, a flora e os povos do interior brasileiro. Em 1833, desenvolveu um processo de fixação de imagens por meio da luz, a que chamou de "photographie", antecipando em três anos a invenção oficial da fotografia na França. Apesar de sua descoberta pioneira, não recebeu o devido reconhecimento, em parte por estar distante dos grandes centros científicos e culturais da época.
23 - Georg Heinrich von Langsdorff (Wöllstein, Alemanha, 18 de abril de 1774 – Freiburg im Breisgau, Alemanha, 9 de junho de 1852)
Naturalista, médico e explorador que atuou a serviço do Império Russo. Viveu muitos anos no Brasil, onde organizou e liderou a famosa Expedição Langsdorff (1825–1829), que percorreu o interior do país com o objetivo de documentar suas riquezas naturais e culturais. A viagem contou com uma equipe de cientistas e artistas, entre eles Hércules Florence, e resultou em uma vasta coleta de dados sobre a geografia, a fauna, a flora e os povos indígenas do Brasil, apesar das inúmeras dificuldades enfrentadas ao longo do trajeto.
24 - Manoel Preto (São Paulo, data de nascimento desconhecida, - São Paulo em 1630)
Bandeirante paulista conhecido por sua atuação nas expedições de apresamento de indígenas e pela expansão do território colonial português no interior do Brasil durante o século XVII. Participou de diversas entradas e bandeiras rumo ao interior do continente, contribuindo para o mapeamento e ocupação de vastas regiões além dos limites do Tratado de Tordesilhas. Sua figura é lembrada tanto pela bravura como pela violência com que atuou nas missões jesuíticas e nas populações indígenas.
25 – Rei Amador Vieira (Ilha de SãoTomé c. 1550 – 14 de janeiro de 1596, Capitania de São Tomé)
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Na arte Tupi Pop, Rei Amador aparece com a pintura moçambicana, pela grande admiração e respeito que inspirou nesta nação aqui no Brasil. |
Rei Amador foi um líder dos angolares em São Tomé e Príncipe, descendentes de africanos que fugiram da escravidão e formaram quilombos na ilha. Em 1595, ele liderou uma grande revolta contra os colonizadores portugueses, chegando a dominar boa parte da ilha e sendo proclamado “rei” pelos seus seguidores, sua imagem foi associada a São Benedito no imaginário afro-atlântico. Assim como Amador, São Benedito representa a dignidade do povo negro e a força espiritual diante da opressão. Nas irmandades e congados do Brasil, especialmente entre os grupos do Moçambique e do Congo, Rei Amador é reverenciado como uma figura heroica e protetora, muitas vezes celebrado ao lado ou sob a invocação de São Benedito, unindo fé, ancestralidade e luta por liberdade.
Sua coragem e liderança o transformaram em símbolo de resistência negra na África e no Atlântico. Por sua força e inspiração, os moçambicanos o apelidaram de “Moçambique”, em homenagem à admiração que tinham por ele.
Mesmo após sua captura e execução em 1596, o legado de Rei Amador vive até hoje nas tradições culturais e religiosas afro-brasileiras, especialmente nos folguedos dos Congos e Moçambiques.
26 - O Padre Voador "Abarebebé" - Personágem mítico baseado no Pe. Leonardo Nunes
Seu nome de batismo era Padre Leonardo Nunes, mas os indígenas o chamavam de Abarebebê — o “padre voador”. Alto, de olhar intenso e cabelos ruivos como brasa de fogueira, chegou ao Brasil nos primeiros tempos da colonização. Mas diferente dos outros, não veio para impor — veio para escutar. Logo percebeu que havia algo de sagrado na terra, algo que os europeus não compreendiam.
Certa noite, durante uma tempestade que despedaçava o céu, ele se perdeu na mata. Ferido, faminto e à beira da morte, foi salvo por uma criatura imensa: uma harpia-real, tão grande que suas asas podiam cobrir uma aldeia. A ave não o atacou — ao contrário, pousou ao seu lado e o protegeu do frio. Era Abarébebé, a harpia ancestral, mensageira dos deuses tupi-guarani.
Naquela noite, o padre sonhou com Tupã e ouviu uma voz que dizia:
"Se deseja realmente pregar, voa primeiro entre mundos. A ave te guiará."
Desde então, o padre tornou-se um andarilho do céu, sobrevoando florestas, aldeias e rios montado em Abarébebé. Sua missão ao lado de seu amigo Itanhaém (fig. 04): proteger o equilíbrio entre as nações humanas e os espíritos da mata.
28 - Morubixaba Tibiriçá - Martin Afonso (São Paulo dos Campos de Piratininga, 1470 - 25 de dezembro de 1562, São Vicente)
O Cacique Tibiriçá, também conhecido como Martim Afonso após o batismo, é uma das figuras mais enigmáticas e fundamentais da história ancestral paulista. Seu nome tupi, "aquele que tem olhos nas nádegas" (tebira + esá (t): olho das nádegas) — uma metáfora curiosa que talvez revele seu dom de jamais ser pego de surpresa. Um homem que via adiante, mas também atrás de si. Um líder que nunca descansava, sempre vigilante, atento ao que vinha e ao que passava.
Tibiriçá foi o grande cacique do povoado de Santo André da Borda do Campo, que em 1553 foi transferido pelo governador-geral do Brasil na época, Tomé de Sousa para a região do trinagulo histórico do Inhapuambuçu, região geomantica marcada pela pedra do Itaecerá (aquela que foi atingida e partida por um raio). Recebeu os portugueses com lucidez e estratégia, permitindo alianças e garantindo certa continuidade às culturas que, de outra forma, teriam sido tragadas de imediato. Seu batismo como Martim Afonso não apagou sua origem: ele continuou sendo ponte entre o nativo e o colonizador, entre a floresta e a pedra.
No Monumento às Bandeiras, sua imagem é a única que de fato aparece empurrando a barca (apelidada de ëmpurra-empurra"), num esforço conjunto para mover o tempo. Ali, sua figura não é apenas decorativa — é alegórica. Tibiriçá é aquele que de fato empurram a história, mas talvez o que primeiro a vislumbrou. Não empurra por empurrar: empurra com consciência, com direção. Seu gesto simboliza o próprio impulso da brasilidade nascente. Durante a luta contra o cerco de Puratininga (9 de jul. de 1562 – 10 de jul. de 1562), Tibiriçá foi ferido no rosto e acabou matando Piquerobi e seu sobrinho Jaguaranho. A cicatriz em seu rosto não é apenas um ferimento de batalha, mas também a marca dolorosa de ter cometido um ato tão grave.
Talvez, nessa figura ancestral, esteja escondido o verdadeiro herói do Brasil. Não apenas um guerreiro com arco e flecha, mas um transformador do mundo, que viu o que muitos não queriam ver — e ainda assim seguiu em frente. Com os olhos nas costas, mas o coração voltado para o futuro.
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As Aventuras de Mingo
Mingo, criado por Luiz Pagano, era uma criança órfã que dormia nas ruas de São Paulo, protegido pelas imponentes estátuas dos 30 Guardiões — os mesmos do monumento às Bandeiras. Em uma noite silenciosa, uma capivara encantada surgiu das sombras e o levou para uma dimensão paralela do Brasil, um lugar onde mitos e história se entrelaçam.
Como prova de sua nova jornada, ela lhe presenteou com uma muitaquita ancestral, uma joia pulsante com poderes especiais, capaz de despertar a força dos encantados adormecidos no coração da terra.
Mingo é um menino de rua que tem um só objetivo, encontrar sua mãe.
Acompanhe Mingo, que conta com a ajuda dos 30 Deuses do Monumento às Bandeiras em suas aventuras contra os mais perigosos vilões com a ajuda dos mais inusitados personagens do cotidiano Brasileiro.
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