terça-feira, 18 de abril de 2023

O ritual da Jurema Sagrada

 

O ritual da Jurema Sagrada é uma prática espiritual largamente difundida, uma tradição cultural de âmbito espiritual no qual plantas sagradas desempenham papel principal. Diversos povos indígenas do Brasil, principalmente do Nordeste e da região amazônica a praticam. 

O termo Jurema designa várias espécies de Leguminosas dos gêneros Mimosa, Acacia e Pithecellobium. 

Plantas e Prinípio Ativo

No gênero Mimosa, cita-se a Mimosa verrucosa Benth e a Mimosa tenuiflora Willd (ainda comumente chamada de Mimosa hostilis Benth, ou, outrora, Mimosa Nigra ou Acacia jurema Mart, ou Acacia hostilis Mart.). 

No gênero Acacia identifica-se a Acacia piauhyensis Benth. Além disso várias espécies do gênero Pithecellobium também são designadas por esse mesmo nome. A classificação popular distingue a jurema branca e jurema preta. 


Para Sangirardi Jr.(o.c.) a jurema preta é a M. hostilis ou M. nigra, a Jurema branca o Pithecellobium diversifolium Benth e a Mimosa verucosa corresponde a jurema-de-oeiras. Ainda segundo esse autor o termo jurema, jerema ou gerema vem do tupi yú-r-ema – espinheiro. Entre espécies conhecidas como jurema inclui-se ainda jurema-embira (Mimosa ophthalmocentra) e jurema-angico (Acacia cebil), entre outras. 

Lima refere-se a existência de juremas pretas aculeadas e inermes. Das espécies colhidas por ele em Arcoverde (PE), concluiu após análise de renomados botânicos, que ambas podem ser classificadas como Mimosa hostilis Benth ou Acacia hostilis Mart. Reise I e que são possuidoras do mesmo alcaloide.

Souza et al em estudos de revisão identificou dezenove espécies diferentes conhecidas como "Jurema" onde se constata a presença de alcalóides, embora, segundo seu estudo as espécies conhecidas sobretudo como como "jurema-branca" não contenham alcalóides triptaminicos.

Antes mesmo da colonização, o culto era um elemento sagrado praticado por diversas etnias indígenas da região, por conta de suas propriedades psicoativas. O nome popular dessas plantas pode variar de etnia para etnia, de região para região, como Calumbi, Tepezcohuite, Yurema, entre outros.

Para esses povos indígenas, essas plantas sagradas que possuem poderes curativos e espirituais, são utilizadas em rituais de cura, de fortalecimento espiritual, de conexão com os ancestrais e de proteção contra energias negativas. A prática de consumir a Jurema em rituais é conhecida como "Jurema Sagrada" ou "Jurema Preta".

A Jurema, Mimosa tenuiflora e também pode ser chamada de Jurema-preta ou Vinho-de-jurema, contém diversos princípios ativos, como a dimetiltriptamina (DMT), um alcaloide psicodélico que é capaz de induzir experiências alteradas de consciência. Além disso, a planta também contém outros alcaloides, taninos, flavonoides e compostos antioxidantes.

No ritual da Jurema, a planta é preparada de diversas formas, dependendo da tradição e da região em que é praticada. Em alguns casos, a casca da raiz é cozida em água para produzir um chá ou uma bebida alcoólica, que é consumida pelos participantes do ritual. Em outros casos, a casca da raiz é pulverizada e inalada, ou então é misturada com outras plantas para produzir um unguento que é aplicado na pele.

Além da Jurema, outros vegetais e plantas podem ser utilizados em rituais que envolvem a planta, dependendo da tradição e da intenção do ritual. Algumas das plantas mais comuns incluem a Arruda, o Guiné, a Quebra-pedra, a Malva-rosa e a Catingueira. Cada uma dessas plantas tem suas próprias propriedades medicinais e espirituais, e são combinadas de diferentes maneiras para produzir diferentes efeitos no corpo e na mente dos participantes do ritual.

A prática da Jurema é realizada por diversas etnias indígenas e afro-brasileiras em diferentes regiões do Brasil. As formas de preparação e uso da Jurema podem variar de acordo com a tradição e a região em que é praticada.


Em relação à forma de consumo, a Jurema pode ser ingerida na forma de um chá ou bebida alcoólica, ou então pode ser aspirada como um rapé. Em alguns casos, a casca da raiz é mastigada para produzir uma pasta que é aplicada na pele ou nos olhos.

Indígenas que Praticam a Jurema

Entre as etnias indígenas que praticam a Jurema, destacam-se os Fulni-ô, Pankararu, os Tuxá, os Xucuru-Kariri e os Xukuru, que habitam principalmente os estados de Pernambuco, Alagoas e Bahia. 

Assim como os outros povos do Nordeste, o principal emblema da cultura Pankararu consiste no sistema ritual do Toré e no culto aos Encantados a ele associado.

Praiá e as suas sementes

As “sementes” são o transporte dos Encantados. Depois de escolherem uma determinada pessoa que deverá zelar por eles, os Encantados surgem em sonho para essa pessoa e anunciam que ela receberá sua semente. Em pouco tempo essa pessoa se depara com a “semente” anunciada, que tem, de fato, a forma de uma semente vegetal, mas onde pode-se ver a imagem do Encantado. Essa semente deve ser guardada em um pote, que deve ser enterrado sob o solo da casa do zelador escolhido, em um lugar que apenas ele pode conhecer. Trata-se de um outro segredo, nesse caso, doméstico.

Essas sementes, no entanto, não correspondem a apenas um Encantado. Por meio delas podem se manifestar até 25 Encantados para um mesmo zelador. Depois de manifestados, os Encantados passam a ser objeto de culto “particular”, isto é, cerimônias domésticas, em que se fuma, toma-se garapa e canta-se o “toante” do Encantado, mas nas quais não se dança. O toante é a música própria de cada Encantado e só é revelada progressivamente, por meio do exercício ritual do “particular”. É apenas depois que o próprio Encantado pede para ser “levantado”, que ele pode ser cultuado também no Toré, que é a versão pública e coletiva dos “particulares”, em que os vários Encantados da aldeia podem se encontrar em festa. Depois desse pedido, então, o zelador deve tecer o Praiá, que é a “farda” do Encantado, isto é, a saia e a máscara de fibras de croá ou ouricuri que corresponderá a apenas ele.

O zelador dos Praiás tem, por tudo isso, uma grande responsabilidade religiosa frente à aldeia, acumulando com isso também autoridade política. Não é qualquer pessoa que é reconhecida como apta a receber uma “semente”, estando esse lugar marcado por uma certa avaliação coletiva acerca de sua reputação. De outro lado, assim que uma pessoa recebe uma “semente”, ela passa a concentrar à sua volta e à volta de sua casa uma órbita ritual mais ou menos extensa e intensa. Primeiro, ela passa a concentrar os “particulares” de seu próprio núcleo familiar ou da sua família extensa, dependendo da existência de outros zeladores na mesma família ou em núcleos colaterais. Em seguida, depois de ter “levantado” um ou mais Praiás para os seus Encantados, ela passa a ter também um “terreiro” para que esses Praiás dancem e que, por isso, passa a concentrar também parte dos eventos festivos que se realizam na aldeia.

Cada terreiro de pai de Praiá é um ponto de realização de Torés, seja por iniciativa própria, ou em função das visitas que os Praiás fazem a todo o circuito de terreiros em cada festa realizada. Além disso, cada Praiá deve ser vestido por um homem, em geral afiliado ao Encantado correspondente à farda, que deve exercer esse papel em segredo. Nesse caso também não é qualquer pessoa que pode vestir o Praiá e o zelador deve escolher essa pessoa, dentro ou fora de sua família, de acordo também com sua reputação moral. Isso estende a autoridade do zelador, como alguém que também é um avaliador do comportamento moral de outros homens.

Festividade Pankararu

O dilema mais dramático, do ponto de vista da identidade étnica para os Pankararu, é o fato de todo esse sistema estar ameaçado em sua reprodução. Depois de terem assistido a sua morada nas cachoeiras de Paulo Afonso serem destruídas pela construção das barragens, os Encantados migraram para a cachoeira de Itaparica, mas recentemente teriam assistido novamente a uma nova destruição de sua morada, por meio da construção de novas barragens. Extintas as cachoeiras, os Pankararu estão limitados ao panteão de Encantados já existente e àquele universo dos que ainda podem vir a se manifestar. Isso, no entanto, é considerado insuficiente para continuar contemplando a sua expansão demográfica. Hoje os Pankararu estão no trabalho de descobrirem um novo “segredo”.

"A cachoeira era um lugar sagrado onde nós ouvíamos gritos de índio, cantoria de índio, berros, gritos. O encanto acabou porque o governo quer assim, né... [...] Olha, essa cachoeira, quando ela zoava, estava perto dela chover ou de um índio viajar. E a cachoeira não zoou mais, chove quando quer... Acabou-se o encanto dela. Então esse era todo o lugar sagrado que agente pediu pra preservar, mas... É a força maior combatendo a menor... Era uma grande cachoeira, de um grande rio, que a gente ouvia os cantos, das tribos indígenas, vários cantos de tribos indígenas cantando junto que nem numa festa. Mas hoje em dia não se vê mais nada... Aquele encanto acabou" (João de Páscoa).

O Toré como emblema de indianidade

O quadro ideológico e estratégico do SPI foi formulado com vistas a sua atuação junto a grupos indígenas ainda não integrados, muitas vezes arredios, beligerantes, que era preciso localizar e seduzir através de tradutores e de presentes, em operações “heróicas” representadas pela máxima formulada por Rondon: “morrer se preciso for, matar nunca”. Esses não eram procedimentos que se adequassem ao contato com índios do Nordeste. O SPI antes de procurar, estava sendo procurado, antes de convencer, tinha que ser convencido, antes de utilizar mediadores era alcançados por eles, que serviam de “porta-vozes” dos “remanescentes”.

O inspetor regional do SPI, Raimundo Dantas Carneiro, frente ao avanço indígena e acompanhando a sugestão presente nos textos de Carlos Estevão de Oliveira, institui a performance do Toré como critério básico do reconhecimento da remanescência indígena, tornado então, expressão obrigatória da indianidade no Nordeste.

A instituição do Toré como expressão obrigatória da indianidade cria um nexo de outra natureza entre os dois circuitos de viagens de que já tratamos. De agora em diante um circuito levará ao outro, não eventual ou acidentalmente, mas necessariamente, já que a troca ritual é transformada em pressuposto da conquista de direitos. É também a conexão entre esses circuitos que permitirá às lideranças peregrinas assumirem um papel político ainda mais largo do que aquele que já desempenhavam como representantes de sua comunidade. Além de realizarem o trânsito de informações sobre os direitos entre os centros de autoridade e seu grupo, passam a atuar como os agentes que disseminarão as regras da expressão obrigatória da indianidade. Agregam à comunidade ritual prévia uma comunidade da busca por direitos, que estará ligada ao isolamento, descontextualização e padronização de um dos seus rituais.

Os posseiros e as “linhas”

Os Pankararu descrevem como um golpe dado pelos poderes locais a repartição das melhores terras, isto é, as terras do "Brejo", em linhas de lotes distribuídos entre não-índios, que por isso passaram a ser conhecidos como "linheiros". Parte dos índios teria fugido imediatamente para outros locais e parte teria se refugiado nas serras. Deste segundo grupo, uma parcela teria começado a descer das serras e retomar as terras expropriadas através de alianças com o invasor, na forma de casamentos, relações de trabalho ou da pura submissão, enquanto uma segunda metade, irredutível, trocava as facilidades ecológicas do Brejo por uma irredutibilidade étnica e moral. Por isso, para muitos Pankararu, as famílias expulsas do centro seriam as mais “puras” e as do Brejo, as mais “misturadas”.

Festividade Pankararu

Quando em 1987 a Funai vai rever as dimensões da área, com base nos trabalhos de identificação realizados em 1984 [ver item Localização e histórico da TI], é com esse grupo de lideranças do Brejo que são realizadas as negociações. O trabalho do Grupo Interministerial de 1984 tinha evidenciado o erro na demarcação de 1940 e propunha a correção da área para os 14.290 ha reivindicados historicamente pelo grupo, mas ao negociar uma solução para a rápida homologação da área, que estava sendo exigida pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), o órgão propõe, numa reunião em que se encontravam apenas as lideranças do Brejo, manter a área original em troca da promessa de acelerar a retirada dos posseiros da fronteira oeste da seção central. Foi o fechamento deste acordo, que as lideranças da seção norte da TI só ficaram sabendo mais tarde, através de uma notícia de jornal onde aparecia a foto das lideranças ao lado dos funcionários da Funai, que deu uma natureza sísmica ao já existente faccionalismo ritual e mítico entre os grupos Pakararu.

Chapéu de palha ritual ("capacete"), feito de fibras de buriti, usado pelo jovem que entra no ritual do "menino do rancho".

O ritual do Ouricuri

Os preparativos para a mudança para a aldeia do Ouricuri se iniciam nas últimas semanas do mês de agosto. Todos os Fulni-ô que trabalham fora de Águas Belas, como funcionários, professores, policiais, durante a primeira semana do ritual pedem licença para se ausentarem do trabalho e se concentrarem na aldeia do Ouricuri; os que podem aí permanecem sem sair durante todo o ritual.

Coqueiro Ouricurí - um dos elementos mais fortes da cultura Fulni-ô

Todos os Fulni-ô têm como norma a proibição de falar do ritual. Os anciãos asseguram que aqueles que infringiram esta norma tiveram morte estranha. Sem dúvida esta é uma advertência para evitar a quebra do sigilo.

Uma parte do que acontece na aldeia do Ouricuri é de domínio público. Sabemos assim que existem áreas onde as mulheres não podem entrar, embora elas tenham conhecimento das atividades que se realizam nesses lugares. Durante a noite os homens dormem separados das mulheres, estas nas casas e aqueles nos galpões. Durante os meses do ritual está proibido manter relações sexuais dentro da aldeia do Ouricuri. Embora não se pratique uma abstinência sexual absoluta, respeita-se o lugar sagrado do ritual, mantendo este tipo de relações fora da aldeia. Está proibido também tomar bebidas alcoólicas, escutar música, e inclusive assobiar. Quando um Fulni-ô na cidade ou na aldeia do Posto Indígena toma alguma bebida alcoólica, não pode ir à aldeia do Ouricuri. Por esse motivo nesta época evitam tomar qualquer bebida embriagante. No dizer de alguns anciãos no ritual rezam e oram pelo bem de todos, pois asseguram que sua religião é bastante parecida com a religião católica.

Além de sua grande importância espiritual, o ouricuri é fonte de diversas artes e artesanatos, com os quais são feitos tapetes, vassouras e até casas - Até os anos 1930 as casas da aldeia eram feitas de ouricuri, uma das palavras em Yaathe para casa é ke'tutʃia (lugar para ser feliz).

No ritual do Ouricuri, o Ia-tê desempenha um papel fundamental, já que é a língua preferencialmente falada durante as suas quatorze semanas de duração. É aí que se socializam os membros mais jovens pelo ensino de um código simbólico diferente daquele utilizado pela sociedade envolvente.

Um dos eventos de maior importância no ritual é a eleição de suas autoridades, ou seja o Pajé, o Cacique e a Liderança. No ritual do Ouricuri, tanto o Cacique como o Pajé são figuras centrais. Não sabemos quais são suas atribuições nem tampouco os limites de sua autoridade. Quando perguntamos qual dos dois tinha mais autoridade fora do ritual, obtivemos respostas que se contradiziam. Assim, enquanto uns diziam que era o Cacique, outros diziam que era o Pajé. Mas parece haver um consenso de que, ao se abordar qualquer assunto que incumba ao grupo como um todo, os dois devem atuar de comum acordo.

Antigamente a aldeia ritual se erigia com casas de palma de ouricuri. Cada ano, ao aproximar-se a abertura do ritual, os índios levantavam suas respectivas casas, a quais desmontavam ao fim do mesmo. Atualmente as casas são permanentes, embora construídas com materiais de qualidade inferior ao daquelas existentes na aldeia do Posto Indígena. As condições sanitárias são também mais precárias do que nesta última. Até 1981, os Fulni-ô se abasteciam, durante os meses do ritual, da água depositada durante o período das chuvas em dois grandes poços; geralmente a água se esgotava antes da conclusão do ritual; então tinham que buscá-la na cidade, ou nos rios da serra distantes seis ou sete quilômetros, transportando-a em carroças puxadas por mulas. Com a falta de água, as condições sanitárias pioravam ainda mais, e o número de mortes causadas por infecções intestinais era alarmante. Afortunadamente, em 1982, conseguiram que a empresa que provê de água a cidade de Águas Belas fizesse uma extensão de suas instalações até a aldeia do Ouricuri; em troca os indígenas permitiriam que esta empresa (COMPESA) explorasse um dos rios que existem em suas terras para abastecer a cidade de Águas Belas.

Os rituais de Ouricuri, Praiá e Toré e o uso da Jurema

O ritual da Praiá, o ritual do Ouricuri e o ritual do Toré possuem algumas semelhanças, mas também diferenças significativas em termos de suas práticas e significados.

Em comum, todas essas práticas religiosas fazem uso da Jurema. A Jurema é consumida em forma de chá, cachimbo e dfumação durante o ritual e seus efeitos são considerados pelos praticantes como uma forma de entrar em contato com o mundo espiritual.

No entanto, as diferenças entre esses rituais se dão principalmente em termos de suas práticas e significados. O ritual da Praiá, por exemplo, é uma prática religiosa da etnia Tuxá que envolve danças e cantos em língua indígena, acompanhados por instrumentos musicais como tambores e flautas. Esse ritual é realizado em homenagem aos antepassados e tem como objetivo agradecer e pedir proteção espiritual.

Já o ritual do Ouricuri é uma prática religiosa da etnia Fulni-ô, que envolve a utilização da palmeira Ourikuri, como objeto central do povo, junto com a Jurema em um contexto de cura espiritual. Nesse ritual, os praticantes entram em transe e são possuídos por espíritos que são capazes de realizar a cura.

Por sua vez, o ritual do Toré é uma prática religiosa realizada por diversas etnias indígenas do Nordeste do Brasil, como os Pankararu, os Xucuru-Kariri e os Fulni-ô. Esse ritual envolve danças e cantos em língua indígena, acompanhados por instrumentos musicais como maracás e flautas. O Toré é realizado para agradecer e pedir proteção espiritual, bem como para celebrar momentos importantes da vida das comunidades indígenas, como o nascimento, a puberdade e a morte.

Assim, embora todos esses rituais façam uso da Jurema, suas práticas e significados são distintos e refletem as particularidades culturais de cada etnia e região, como visto no quadro abaixo.

#_RITUAL  
LOCALIDADETOY ARTFormas de Utilização da Jurema 
1- OURIKURI
 Fulni-ô (Aguas Belas - PE)
Yathé

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
2- OURIKURI Kariri-Xokó (Porto Real do Colégio - AL)
Cariri

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
3- OURIKURI Ouricuri Karapotó (S. Sebastião - AL)
Tupi-Guarani

CachimbodefumaçãoVinho
SSN
4-OURIKURI
 Tingui-Botó (Feira Grande - AL)
Dzbokuá

CachimbodefumaçãoVinho
SSN
5- OURIKURI
Xukuru-Kariri (Palmeira dos Indios - AL)
Xukuru

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
6- PRAIÁPankararu (Tacaratu - PE)
Yathé

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
7- PRAÍAPraiá Pankararé (N. Glória - BA)
Yathé

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
8- PRAIÁ
Geripankó (Paricônia - AL)
Yathé

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
9- TORÉTuxá (Rodelas - BA)
Tuxá

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
10- TORÉ
 Truká (Cabrobó - PE)
Truká
CachimbodefumaçãoVinho
SSS
11- TORÉ
Kiriri (Banzaê - BA)
Cariri

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
12- TORÉ

 Toré Atikum (Carnaubeira - PE)
Cariri

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
13- TORÉKambiwá (Ibimirim - PE)

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
AM448Siasi/Sesai 2014
14- TORÉ
Kapinawá (Buique - PE)
CachimbodefumaçãoVinho
SSS
15- TORÉ
Xukuru (Pesqueira - PE)

CachimbodefumaçãoVinho
SSS
16- TORÉ
Xokó (Pão de Açucar - SE) 

UF / PaísPopulaçãoFonte/Ano
PA143Siasi/Sesai 2012



Contexto Cultural Brasileiro

Câmara Cascudo estudou as práticas e crenças relacionadas à Jurema em diferentes regiões do Nordeste, entrevistando praticantes e estudando documentos históricos. Ele escreveu diversos artigos e livros sobre o assunto, incluindo "A Medicina Popular no Brasil", "Superstições e Crendices do Brasil" e "O Dicionário do Folclore Brasileiro".

Câmara Cascudo apontou que a Jurema foi alvo de perseguição e criminalização por parte das autoridades coloniais e republicanas, que associavam as práticas relacionadas à planta a "superstição" e "bruxaria". Ele destacou a importância de valorizar e respeitar as tradições culturais dos povos indígenas e afro-brasileiros, incluindo as práticas relacionadas à Jurema.

Severino Diniz

Existem diversos episódios na história do Brasil em que o uso da Jurema foi criminalizado e perseguido pelas autoridades, principalmente durante os períodos colonial e republicano. Um dos episódios mais conhecidos ocorreu em 1938, na cidade de Catolé do Rocha, no estado da Paraíba.

Nessa época, o líder religioso Severino Diniz havia fundado a "Casa de Jurema", um espaço dedicado à prática dos rituais relacionados à Jurema. A casa era frequentada por pessoas de diferentes regiões do Nordeste, incluindo indígenas e afro-brasileiros que mantinham as tradições relacionadas à planta.


No entanto, a prática da Jurema foi vista com desconfiança pelas autoridades locais, que a associavam a "bruxaria" e "superstição". Em 1938, a polícia invadiu a Casa de Jurema e prendeu Severino Diniz e outros líderes religiosos, confiscando a Jurema e outros objetos sagrados utilizados nos rituais.

Os líderes religiosos foram acusados de charlatanismo e de atentar contra a saúde pública, e foram levados a julgamento. Durante o julgamento, foram apresentados testemunhos que acusavam a Casa de Jurema de realizar rituais "satanistas" e de oferecer a Jurema a crianças. No entanto, muitos dos depoimentos foram baseados em preconceitos e estereótipos sobre as práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas.

Apesar dos esforços de defesa dos líderes religiosos e de intelectuais e ativistas que se mobilizaram em favor da causa, Severino Diniz foi condenado a quatro anos de prisão e a Casa de Jurema foi fechada. O episódio ficou conhecido como "Caso Jurema" e foi um exemplo da perseguição e criminalização das práticas religiosas afro-brasileiras e indígenas no país.

Assim, as contribuições de Câmara Cascudo foram fundamentais para o estudo e o reconhecimento da Jurema como um elemento importante da cultura popular e da religiosidade dos povos do Nordeste do Brasil.

Jurema Protegida por Lei

Existem algumas leis brasileiras que reconhecem a Jurema como patrimônio cultural e imaterial do país, garantindo o direito dos povos indígenas e afro-brasileiros de praticarem seus rituais e tradições. 

As federações religiosas constituíram, no processo histórico das religiões afro-ameríndias, um importante mecanismo de resistência e legalização. Na Paraíba, foi criado no ano de 1966 a Federação dos Cultos Africanos da Paraíba - FECAP, teve como primeiro presidente o pai de santo Carlos Rodrigues Leal.

Até essa época predominava na Paraíba a prática do Catimbó, tratado como caso de polícia. Os catimbozeiros ou juremeiros desejosos de se libertarem da pressão policial aceitaram se engajar na estrutura da nascente Federação dos Cultos Africanos do Estado da Paraíba, encampadora da doutrina umbandista. 

Contudo, a forte influência da jurema se fez presente na reorganização sincrética dos elementos religiosos da umbanda paraibana. (SANTIAGO, 2008, s/p)

De acordo com Lima (2020), a Federação impôs-se como uma ferramenta de representatividade religiosa que tinha a intenção de catalogar os terreiros do estado.

O governador João Agripino tornou uma importante referência política para as pessoas de religiões afro-ameríndias, no aniversário de 10 anos de criação da FECAP, o ex-governador foi convidado de honra para a celebração. Em suas falas, Mãe Marinalva destacou a aproximação do ex-governador e ex-ministro em atividades religiosas, como a festa de Iemanjá, realizada na praia de Cabo Branco na capital paraibana.

Algumas dessas leis são:

- Lei 11.645/2008: Esta lei alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena". Isso inclui o reconhecimento da Jurema como uma das expressões culturais afro-indígenas do país.

Em 2003 a UNESCO reconhece a jurema como prática da cultura imaterial indígena, Reportagem “Xangô no Arruda” do jornal Diário da Manhã, de 03 de março de 1938 e Mãe Marinalva com a mão sobreposta na cabeça do governador da Paraíba, João Agripino, em evento comemorativo da promulgação da Lei 3.443/1966, na Casa de Mãe Cleonice, Cruz das Armas (JP/PB)

- Lei 12.343/2010: Esta lei reconheceu o ofício das parteiras tradicionais como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. Entre as práticas reconhecidas como parte do ofício das parteiras tradicionais está a utilização da Jurema em rituais de cura.

- Portaria nº 126/2019: Esta portaria do Ministério da Cidadania incluiu a Jurema como patrimônio cultural imaterial do Brasil, reconhecendo a importância da planta e dos rituais associados a ela para a cultura e a religiosidade dos povos indígenas e afro-brasileiros.
Essas leis e portarias são importantes instrumentos de reconhecimento e proteção das práticas culturais relacionadas à Jurema no Brasil, mas ainda há muito a ser feito para garantir o respeito e a valorização dessas tradições por toda a sociedade.

Alem dessas leis nacionais, a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) reconhece a cultura imaterial indígena brasileira  (intangible cultural heritage - ICH) como patrimônio cultural da humanidade. Essa categoria abrange tanto os bens materiais produzidos pelas comunidades indígenas, como suas técnicas, saberes e práticas relacionadas ao uso e manejo dos recursos naturais e do território.

O reconhecimento da cultura imaterial indígena brasileira como patrimônio cultural da humanidade foi oficializado pela Unesco em 2003, quando foi inscrita na Lista Representativa do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Essa lista foi criada em 2003 para reconhecer e proteger os bens culturais imateriais que são considerados importantes para a humanidade e que requerem proteção e salvaguarda.

O reconhecimento da cultura material indígena brasileira pela Unesco é uma forma de valorizar e preservar o patrimônio cultural das comunidades indígenas do país, promovendo a diversidade cultural e o respeito aos direitos dessas comunidades. Além disso, o reconhecimento da cultura material indígena também ajuda a promover a valorização da biodiversidade e dos recursos naturais, que são fundamentais para a subsistência e a cultura dessas comunidades.

Referências

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quarta-feira, 22 de fevereiro de 2023

17 de Julho dia do Anahngá venha celebrar no Anahngabaú

 

Anhangá, Capivara e Tamanduá no tringulo menor do Inhapuambuçu, dentro do grande tringulo do Pico do Jaraguá

Este ano, no dia 17 de julho, teremos a 4ª edição da FESTA DO ANHANGÁ, no vale do Anhangabaú.

Mesmo tendo sido interrompido nos anos de 2020 e 2021 por conta da pandemia, o ano passado foi bem legal. Poucas pessoas aparecem para beber Cauim e festejar o guardião da floresta.

Ainda é uma festa para bem poucos já que Cauim ainda é muito escasso e poucos conhecem a lenda do Anhangá e dos antigos ancestrais de São Paulo de Piratininga, mas estamos crescendo.

Toy Anhangá - planta crescendo entre as rachaduras do cimento, vida que surge em meio à urbanização desordenada.

Como vocês devem saber, no local onde hoje está localizado o Páteo do Collégio, próximo ao povoado de Tibiriçá, existia uma montanha sagrada que deu nome à vila, Inhapuambuçu (do tupi antigo i(nh)apu'ãm-busú o grande cume ou y (nh)apu'ãm-busú a grande ponta do rio), mas com a chegada das Ordens Beneditinas, Carmelitas e Franciscanas, as tradições ancestrais dos Tupiniquim desapareceram.

O triângulo menor formado pelo morro Inhapuambuçu na confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, estava dentro do triângulo maior na confluência dos rios Pinheiros e Tietê com vista para os guardiões do vale, o Pico do Jaraguá.

O Anhangá é comumente retratado como um veado campeiro branco, de tamanho atroz, com olhos vermelhos da cor do fogo. Ele é o protetor da natureza e persegue todos aqueles que caçam indiscriminadamente, desrespeita a natureza e pune aqueles que caçam filhotes ou mães que estão criando seus filhotes e poluindo suas águas (Anahngá anda tendo muito rabalho por aqui...).


O vale do rio Anhangabaú ainda é um lugar sagrado, os habitantes de Piratininga realizavam cultos e festas para deixar o deus mais feliz e menos vingativo. Hoje não apenas afogamos o rio Anhangá (canalizamos), mas também esquecemos o principal espírito de nossa cidade. Desprezar assim nossas tradições tupiniquins é um pecado imperdoável!

NESTE 17 DE JULHO VÁ A ANHANGABAÚ, festeje na sua cidade, honre as forças da natureza e não deixe morrer essa linda tradição ancestral.

Imprima este certificado, coloque seu nome e compartilhe em suas redes sociais - queremos que o dia de Anahngá seja um evento ainda maior

QUEM FOI TIBIRIÇÁ E JOÃO RAMALHO – SAIBA UM POUCO MAIS

Tibiriçá nasceu em data desconhecida, na Aldeia dos Piratiningas, onde atualmente existe a cidade de Santo André, e faleceu em São Paulo, em 15 de dezembro de 1562. Teberyça, na língua tupi é Maioral ou Vigilância da Terra. Era cacique da tribo dos índios Guaianás, irmão dos caciques Caiubi, Piquerobi e Araraí.


Toy art de Tibiriça ao lado da Caivara Guardiã do Piratininga


Já João Ramalho (Vouzela, 1493 — São Paulo dos Campos de Piratininga, 1582) foi um explorador e colonizador português, sua identidade e origem têm sido muito debatidas, sendo considerado ora náufrago, ora degredado, desertor ou aventureiro.

Após a conversão passou Tibiriçá a chamar Martim Afonso Tibiriçá, em homenagem ao fundador da vila de São Vicente, de quem era amigo. Morubixaba dos campos de Piratininga, com sede na aldeia de Inhapuambuçu. Sua filha M’bicy, também conhecida como Bartira, casou-se com João Ramalho, o que fez deles parentes.

Toy art de João Ramalho ao lado do tamanduá do Tamanduateí


Juntos trabalharam na fundação da Aldeia de São Paulo de Piratininga, em 19 de agosto de 1553, e no Colégio dos Jesuítas, em 25 de janeiro de 1554, estabelecendo-se no local onde se ergue hoje o Mosteiro de São Bento.

Lutaram lado a lado na defesa da vila de São Paulo, que, em 9 de julho de 1562, foi atacada pelos índios Tupinambá, Guaianás e Carijós, chefiados por seu sobrinho Jagoanharo, filho de Araraí, com quem havia, pouco antes, como emissário dos Tamoios, conversado para que reconsiderasse sua posição a favor dos portugueses e se aliasse aos seus irmãos indígenas. 

No confessionário, Tibiriçá contou o fato a Anchieta, e este levou a informação aos chefes portugueses. 

No combate que se seguiu, matou o sobrinho, quando este vacilou em matá-lo. Faleceu em 25 de dezembro de 1562, depois de uma longa enfermidade que se complicou após o ataque a São Paulo. Seu corpo foi sepultado na igreja dos Jesuítas e o funeral revestido de toda a pompa compatível com os recursos daquela época.

Susana Dias era filha da índia Tapuia, também conhecida por Beatriz Dias, que era filha do cacique Tibiriçá e que se casou com o português Lopo Dias. Susana fundou o município de Santana de Parnaíba em 1580, na sua fazenda à beira do rio Anhembi, atual Tietê, onde ergueu uma capela dedicada à Sant’Ana, de quem era devota.

Estima-se que seu filho, André Fernandes, co-fundador da cidade, tivesse apenas dois anos nessa ocasião, mas o município foi instalado em 1625, sob sua influência ao ser desmembrado de São Paulo dos Campos de Piratininga. Um de seus filhos, Baltasar Fernandes, foi um bandeirante e fundou a cidade de Sorocaba, em 1654. Outro filho, também bandeirante, Domingos Fernandes, fundou a cidade de Itu, em 1610.

SANGUE REAL INDÍGENA

Você sabia que Sílvia Renata Sommerlath, a rainha da Suécia, é uma dos inúmeros descendentes do cacique Tibiriçá? 

Verdade! O seu avô materno foi Artur Floriano de Toledo (1873-1935), descendente do rei Afonso III de Portugal e sua concubina foi Maria Peres de Enxara. 

Artur era o bisneto de Antónia de Almeida de Aguiar, descendente de famílias de fidalgos estabelecidas em São Paulo, durante o período colonial português, entre eles a família Alvarenga de Lamego, Portugal.

Sua mãe, Alice Soares de Toledo, era natural de São Manuel, cidade muito pequena do interior paulista. Ela se casou com o empresário alemão Walther Sommerlath que, na época, era presidente de uma subsidiária brasileira de uma metalúrgica. Após o casamento eles se mudaram para a Alemanha.

A rainha Silvia da Suécia também é de muito distante ascendência ameríndia brasileira. 


Artur era o bisneto de Antónia de Almeida de Aguiar, descendente de famílias de fidalgos estabelecidas em São Paulo, durante o período colonial português, entre eles a família Alvarenga de Lamego, Portugal.

A família Sommerlath viveu na cidade de São Paulo, entre 1947 e 1957, onde Sílvia estudou no tradicional colégio alemão Visconde de Porto Seguro. A família retornou para a Alemanha Ocidental em 1957.

FAÇA FESTA!!

Agora que você já sabe tudo sobre Anahngá, Tibiriça e as lendas desta cidade, não perca, vá festejar no anahngabaú - 

Celebrando a festa do Anahngá e brindando com Cauim Tiakau, T'ereîkokatu! (cheers - saúde em Tupi antigo) 

...e se me encontrar, peça um pouco de Cauim para brindarmos juntos.



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

A TRADIÇÃO DO BOLO DE ANIVERSÁRIO NA CIDADE DE SÃO PAULO - MERCADÃO

 

A cidade de São Paulo se destaca das demais metrópoles do mundo quando o assunto é festejar e compartilhar com seus cidadãos, sendo considerada a metrópole mundial mais fraterna dentre as outras metrópoles mundiais.

No último dia 25 de Janeiro, o confeiteiro oficial do Bolo do Mercado Municipal de São Paulo, o professor Ricardo Magalhães fez pela 19a vez a criação e confecção do bolo temático (na foto vemos Professor Ricardo Magalhães ao lado do Governador Tarcísio de Freitas e do Prefeito Ricardo Nunes, juntos aos diretores da APECC ao lado dos cidadãos que dividem e savoreiam o bolo)

São poucas as cidades do mundo que oferecem bolos aos cidadãos em seu aniversário, São Paulo e Rio de janeiro são algumas delas. As comemorações nas cidades parecem ter chegado às Américas junto com os imigrantes italianos, no dia19 de setembro de 1926, alguns imigrantes de Nápoles resolveram se reunir ao longo da Mulberry Street, no bairro de Little Italy em Manhattan, Nova York para o primeiro festival popular do gênero nas Américas, A Festa de San Gennaro, mas se você quisesse experimentar os tradicionais canoles e mais comidas, tinha que comprá-las nas bancas.

A idéia de fazer um bolo e dividir com a população surgiu durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo, mas foi apenas 32 anos depois que o morador do tradicional bairro do Bixiga, Armandinho Puglisi, tomou a iniciativa de fazer um bolo gigante para dar de presente à cidade e seus moradores, no ano de 1986. 

Aniversário Marta Suplicy,  2002 Bolo do aniversário de SP, antiga sede da prefeitura no Palácio da Industrias, 2004, Aniversario  de São Paulo de 465 anos, em 2019 ao lado do prefeito Bruno Covas

Em 25 de janeiro de 2004, quando a cidade de São Paulo completou 450 anos, a Prefeitura de São Paulo decidiu não apenas organizar eventos para o dia 25, mas preencher o ano inteiro com eventos festivos para presentear os moradores da cidade. Foi nesse ano, em meio a muitos acontecimentos, que o professor Ricardo Magalhães foi contratado para fazer o bolo, projeto que leva muito a sério vem aprimorando até os dias de até hoje.

O professor Ricardo, tem no Mercado Municipal o espaço perfeito para as celebrações. Está localizado dentro do triângulo histórico da antiga vila de Inhapuambuçu, formada pela confluência dos rios Anhangabaú e Tamanduateí, onde o Cacique Tibiriçá recebeu o estrangeiro João Ramalho com beiju (não exatamente um bolo) e cauim, bebida ritualística fermentada de mandioca e o tomou carinhosamente como membro de sua família, simbolizando assim o primeiro registro histórico da tradicional recepção calorosa de São Paulo de Piratininga.


Ricardo Magalhães ao lado do concept artist Luiz Pagano, que o ajuda no conceito e design do bolo, bem como com referências culturais da cidade, no aniversario de São Paulo de 465 anos de 2019 - aqui vemos toda essa arte sendo impressa na gráfica Star Signs


Ainda segundo o professor Ricardo, esta festa é a forma perfeita de se distribuir energias de alegria e felicidade através de um expediente físico, o bolo - que tem três propostas básicas, nutrir o corpo com delícia, encher a alma com festa e promover a harmonia e a união entre os cidadãos de São Paulo.

No que diz respeito aos antecedentes históricos do bolo, tmos que voltar à Roma antiga, onde a tradição dos bolos de aniversário e casamento tem suas raízes, quando um bolo de trigo ou cevada era oferecido por amigos próximos e violentamente esmagado na cabeça do aniversariante e/ou dos noivos para dar sorte.

O aniversariante tinha o privilégio de comer os primeiros pedaços e, no caso do casamento, o casal que comia os pedaços do chão juntos, celebravam união e amizade.

Não era exatamente o pão de ló com cobertura que temos hoje, nem o beiju com cauim de Tibiriçá, mas o conceito de comemoração é o mesmo.

Não importa quantos doces diferentes existam no mercado, nada pode substituir a singularidade dos bolos. Afinal, o que é uma festa sem bolo?

Com suas cores vivas e design criativo, os bolos do professor Ricardo podem, sem dúvida tornar qualquer ocasião e uma festividade mais divertida e feliz. 

Bolos significam marcos, e os bolos de aniversário da cidade de São Paulo no Mercado Municipal marcara a vida do professor Ricardo de varias formas. 

Ricardo rodeado pelos amigos que o ajudam a realizar o sonho do Bolo

Nesses últimos 19 anos, Ricardo fez bolos com o apoio dos mais de 265 lojistas do mercadão que se tornaram grandes amigos e que mudaram sua vida.  No aniversário de 465 anos da cidade, no ano de 2019, quando o Mercado Municipal completou 86 anos, o Professor Ricardo contou a com a ajuda espiritual das chamadas ‘Capivaras Guardiãs do Bolo’, criadas pelo amigo o artista Luiz Pagano para abençoar a festa.

Professor Ricardo Magalhães ao lado de Luiz Pagno e dos chefes do futuro, durante o evento de corte do bolo de aniversário de São Paulo em 2023

Luiz Pagano, que também é um revivalista das culturas brasileiras, está trazendo para as prateleiras do mercado o CAUIM, tradicional bebida fermentada da mandioca indígena por meio de métodos industriais e é também o idealizador da Capivara Parade – evento nos moldes da CowParade de Pascal Knapp, no qual que as capivaras chegam aos centros urbanos como representantes da natureza, capazes de nos lembrar constantemente que as cidades devem ser sustentáveis.

A amizade e o apoio vem sempre também da APECC – Associação Paulista dos Empreendedores do Circuito de Compras, por meio de seu diretor, Thomas Law, que também dirige a Ibrachina. 
 
A bela e clássica arquitetura do Mercadão recebe flâmulas e decorações do 22º Festival de Gastronomia e Cultura, com bandeiras dos países e estados brasileiros participantes.

Este ano a festa foi extraordinária, diz Aldo Bonametti, Diretor Presidente do Mercado SP, "...o mercadão, que faz aniversário no mesmo dia da cidade, completou noventa anos, e para celebrar tivemos entre os dias 18 e 22 o Festival de Gastronomia e Cultura, uma série de eventos que acontecerão durante o resto do ano para celebrar os seus 90 anos. 

No ano de 2023 contamos com participações mais que especiais: - da pequena e adorável chef do futuro Célia Riviti, cuja a tradicional banca de sua familia no mercadão cedeu espaço para cortes e lavagens de frutas: - do Instituto Chefs Especiais, pessoas com Síndrome de Down, coordenados por Luciano, que fizeram os brasões de frutas com autonomia e excelência; – de Antonio Carlos Augusto e Dona Nena da padaria Pérola da Vila Mariana (na R. José Antônio Coelho, 552), que doaram mais de 400kg de pão de ló e 300kg de frutas; - dos voluntários da Igreja do Largo de São Francisco, coordenados por Vilma da Ciência Prima; – e dos Pretos em Movimento, representados por  Emerson Leal Leão.

O bolo que foi colorido naturalmente por meio de frutas representando os 20 países participantes do evento gastronômico, junto com outras 5 regiões brasileiras foi cortado por volta as 11hs e a distribuição dos pedaços iniciou logo em seguida, servindo aproximadamente 3 mil pessoas.

COMO O BOLO É FEITO

Se você já se confunde com a receita do bolo de caixa, vai se perder na complexidade que envolve a confecção do bolo da cidade, detalhes como volume a ser servido, logística, corte e lavagem das frutas são minuciosamente observados e executados pelo professor Ricardo e sua equipe.

FASE 1. PESQUISA

Uma vez aprovado pela Prefeitura de São Paulo e pela Administração do Mercado Municipal, Ricardo inicia um cuidadoso trabalho de pesquisa, no qual busca homenagear assuntos importantes. Este ano foi o 22º Festival de Gastronomia e Cultura com bandeiras dos países e estados brasileiros participantes.

FASE 2. DESIGN

Aqui vemos as fases de planejamento e concepção do bolo de 2019.  Uma mesa cortada no formato da cidade recebe as camadas de pão de ló,  creme e frutas conforme gabaritos desenhados e impressos na gráfica STAR SIGNS conforme os desenhos de Luiz Pagano, que dá vida à concepção do professor Ricardo.

Entende-se por ‘design’ não só o aspecto estético do bolo, mas sim conceitos e envolvimento/atuação de parceiros, os possíveis conceitos e fluxo do evento são discutidos e aprofundados nesse momento.

FASE 3. PLANEJAMENTO

Nesta fase, o orçamento, local e cronogramas já devem estar prontos.

Se a fase de pesquisa e design foi bem conduzida, nenhuma (ou pequenas) falhas serão encontradas nesta fase.

FASE 4. COORDENAÇÃO

Esta é a fase em que os requisitos de logística, mão de obra e a participação de outros colaboradores são finalizadas e a maior parte do trabalho necessário para o pré-evento é concluída.

O bolo é feito em camadas em uma mesa especialmente desenhada e cortada, sobre a qual são colocadas Pão de ló, creme, frutas e ornamentos

Desde 2004 o bolo é montado em uma mesa especialmente cortada no formato do mapa do município de São Paulo, feito com duas camadas de pão de ló recheados com creme, cobertura de creme, uma camada de frutas diversas, em homenagem aos comerciantes de frutas do mercado.

Para o mosaico de frutas em camadas de níveis deste ano, o professor Ricardo usou uma camada extra de pão de ló, coberto com ameixas. As bandeiras foram montadas em formas metálicas. A parceira CIMAPI entra aqui com o suporte técnico à confecção do bolo.

FASE 5. AVALIAÇÃO PÓS EVENTO

Pesquisas e avaliações pós-evento fazem parte dessa fase, na qual os parceiros checam o cumprimento de seus objetivos de participação e preparação, são observados detalhes para correções no próximo evento e o bolo do ano seguinte começa a ser pensado.

-.-.-.-

Agora que você já sabe tudo sobre o evento do bolo, não perca as próximas edições de aniversário da cidade de São Paulo e venha dividir um pedaço de bolo com a gente.



sábado, 4 de fevereiro de 2023

Os Guardiões do Museu da Aeronáutica e de Santos Dumont

 

Luiz Pagano, Tizuka Yamasaki e Ricardo Magalhães - Cadé o Museu de Santos=Dumont?

Cadê os aviões e o acervo do antigo Museu da Aeronáutica da OCA do Ibirapuera?

Os museus deveriam ser instituições antigas e confiáveis, que nascem para preservar a história e homenagear os heróis, certo!? Então por que os Museus da Aeronáutica e de Santos=Dumont são fragmentados e impermanentes, tem seu acervo sempre espalhados e vivem sendo deslocados de lá para cá?

Isso cria uma situação quase insustentável para os chamados 'Guardiões de Museus'- pessoas com grande amor pela história, que, sem qualquer tipo de apoio e orientação política, gastam dinheiro do próprio bolso, perseguem os acervos, cuidam de seus pertences e lutam loucamente por lugares de exibição.

Legado e Mitificação

Essa foto da abertura da matéria carrega uma simbologia muito importante, a da ‘quase execução’. Nela vemos eu, Luiz Pagano, quem escreve esse blog, a amiga Tizuka Yamasaki, diretora do clássico filme dos anos 80 Gaijin, que desde aquela época quer fazer uma filme sobre Santos=Dumont e nunca conseguiu e o Professor Ricardo Magalhães, que luta incansavelmente pela preservação e divulgação do Pai da Aviação, Santos=Dumont.

Nós três formamos um grupo de “potenciais Jack London” com poder de mitificar Santos=Dumont, más parece existir uma mística força estranha, anti-brasileira, que nos impede de seguir em frente (saiba mais sobre essas forças negativas)

Quando eu tinha 16 anos, conheci uma das mulheres mais especiais de minha vida, foi Dona Ada Rogato (na foto, eu me sento a frente do Cesna 140 que ela usou para circunavegar as Americas).   Em 1983, eu queria trabalhar, fazer algo interessante e fui voluntário na limpeza de aviões no antigo museu da aeronáutica, na Oca do Ibirapuera. 

...na outra foto, por muita coincidência, a outra mulher mais importante da minha vida, minha esposa Jane (a do meio) pousam em frente a um Gloster Meteor MK-8, na última festa que aconteceu no museu da Aeronáutica, de dois anos do Flash Power Energy Drik em 30 de março de 1999, promovida por Arnaldo Waligora e Paulinho Machline. 

Se tem um homem que ama e luta por Santos=Dumont, esse homem é o grande irmão, Professor Ricardo Magalhães, que junto a mim, a Marcos Villares, sobrinho-bisneto do aviador, outros sobrinhos como o Arnaldo e o Jorge Dumont Villares, seu cunhado Ricardo Severo e um seleto grupo de amigos - não pensa duas vezes em dedicar tempo e dinheiro ao esforço de manter viva e íntegra a memória de Santos=Dumont.

Já na década de 1930 o Museu do Ipiranga passava por dificuldades, três anos após a morte de Santos=Dumont, Arnaldo Villares, Jorge Dumont Villares e seu cunhado Ricardo Severo, doaram uma boa verba ao museu para a criação da Sala Santos Dumont, com milhares de itens que pertenceram ao aviador.

O acervo era composto por um conjunto de 1.670 peças de variados tipos como documentos tridimensionais, iconográficos e textuais que pertenceram ao inventor ou foram produzidos em sua homenagem. No ano seguinte, sob a gestão de Affonso de d'Escragnole Taunay foi então criada a "Sala Santos Dumont". As obras de reforma do museu também foram realizadas e financiadas pela família de Dumont. 

Foto de minha visita ao antigo IV COMAR no dia 19 de outrubro de 2016, com objetos que pertenceram a Santos=Dumont 

A confecção do mobiliário expositivo foi executada sob medida no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo (diz minha bisavó, Julia Maiello, que meu avó, Nicola Maiello veio da Província de Caserta, em Florença para esculpir moveis para a tal empreitada). 

Enfim, a inauguração aconteceu em 23 de outubro de 1936 e desde então teve-se muita dificuldade em se manter a sala e a memória do aviador. 

Nessa época também existia a idéia de criar um espaço para homenagear Santos Dumont no novo Parque do Ibirapuera, que estava em concepção. Instabilidades políticas no Brasil na era Vargas adiaram o projeto em 20 anos, sendo somente inaugurado em 16 de outubro de 1960, (nessa época já existia a fundação Santos=Dumont, criada nos anos 1950) nos pavimentos do Pavilhão Lucas Nogueira Garcez, mais conhecido como Oca, projetado pelo arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer no Parque do Ibirapuera.

Foto de minha visita ao antigo IV COMAR no dia 19 de outrubro de 2016, com objetos que pertenceram a Santos=Dumont 

Mantido pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, o Museu da Aeronáutica contava ainda com o apoio do Ministério da Aeronáutica e de empresas particulares. 

O museu teve suas portas fechadas ao público gela em 1996 e passou a receber apenas alguns eventos particulares, como a festa de dois anos do Flash Power Energy Drink promovida por Paulinho Machline, Udo Holler e Arnaldo Waligora, que ocorreu no dia 30 de março de 1999, empresa que minha esposa trabahava na epoca. 

Para onde foram os aviões do museu? - O P47 Thunderbolt estava no Museu TAM (hoje estão no acervo da Companhia) ,  a réplica do 14 Bis e Demoiselle, também no Museu TAM, o Planador IPT e o Ypiranga no Projeto Revoar

O museu foi definitivamente encerrado no ano 2.000, alegadamente em função da mega exposição "Brasil+500 - Mostra do Redescobrimento", que englobava também o prédio da Fundação Bienal e o Pavilhão Manoel da Nóbrega e reunia obras desde o período pré-cabralino até o século XX. A OCA do Ibirapuera passou a ser usada em grande escala para as exposições do "mecenas" Edemar Cid Ferreira, do "polêmico" Banco Santos.

Para onde foram os aviões do museu? -  O Gloster Meteor - Museu TAM, Cessna 140 de Dona Ada Rogato e o Lindo Jahú foram devidamente recuperados e estão seguros no acervo do Museu TAM, o T-6 da Esquadrilha da Fumaça, o PT-19 e o Muniz estão no Projeto Revoar

Com a revogação da concessão do espaço ocupado pelo Museu da Aeronáutica no parque, a Fundação Santos Dumont e a Prefeitura de São Paulo transferiram todo o acervo para uma área reservada no Parque CEMUCAM, em Cotia, que passou a se chamar Parque Santos Dumont.

Em 2002 um novo museu foi inaugurado em Garulhos, e parte do acervo foi levado para la, como visto nessa matéria da revista ASAS desse ano.


Transcrição da Matéria

O comandante da BASP cel. Lima de Andrade, e o prefeito de Guarulhos, Eloi Pietà, inauguram o novo museu.

Inaugurado o Museu Aeronáutico de Guarulhos

Num evento dos mais concorridos, for inaugurado na manhã de 5 de dezernbro de 2002 o mais novo museu de aviação brasileira, o Museu Aeronáutico de Guarulhos, resultado de um convênio entre a Base Aérea de São Paulo (BASP), a Fundação Santos-Dumont e a Prefeitura de Guarulhos (ver ASAS n°10). O novo museu é localizado na própria BASP e, nesta primeira fase de implantação, conta com um hangar jonde estão expostos um Fairchild PT-19, um biplano Muniz M-7 eo North American T-6D Texan pilotado pelo cel. Braga na Esquadrilha da Fumaça) e um grande salão de exposições, climatizado e com lanchonete e revistaria. Neste salão, em excelentes condições de exposição, protegidas em vitrines de vidro, estão várias peças de grande importância histórica referentes a Alberto Santos-Dumont, como a nacele do 14-Bis, o cesto do balão Brasil (também usado nos dingivels N° 1.2 e 3). peças de seu vestuário e usadas por ele nos voos, documentos originais e outros itens Além disso, suspenso, está exposto um Demoiselle original.

Com a inauguração do museu, a população da Grande São Paulo volta a contar com um genuino espaço histórico de dicado à aviação, algo de que fora priva da desde o lamentável fechamento de museu no Parque do Ibirapuera.

O novo museu é totalmente aben ao público, funcionando de quarta a domingo das 9h00 às 16h00, com aces so pelo Portão G-3 da Base Aérea de São Paulo (BASP). O caminho é pela Ave nida Hélio Smidt, que vai para o Aeroporto Internacional de São Paulo (Cumbica), onde placas informam a saída para a BASP e o museu.

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Outro grande preservador de aeronaves é o o comandante Cesar Pulschen, do Projeto Revoar. 

Ele que já voou por Varig, Vasp, Gol, ABSA e atualmente opera na aviação executiva. Aficionado por aeronaves antigas, Pulschen tem um PT-19, de 1942, um PA11, de 1949, um Cessna 170, de 1954, e um biplano N3N, de 1940. "Meu prazer é restaurar e manter os aviões na forma original. Todos estão em condições de voo. Viajo muito para ir a encontros de aviões antigos", afirma o comandante, que tem uma casa com hangar no Vale Eldorado desde 2000.

Depois disso, a maior parte do acervo que estava na Base Aérea de São Paulo em 2007, em péssimas condições, bem como a parte que estava no CEMUCAM, biblioteca e materiais menores, que pertenciam a Fundação Santos Dumont, com o major-brigadeiro José Vicente Cabral Checchia a frente da Fundação Santos-Dumont na época. 

O Professor Ricardo Magalhães, Secretário do Conselho de Curadores da Fundação Santos Dumont foi o responsável por trasladar tudo para Santos, com recursos próprios, que recebeu diversas relíquias que foram adicionadas ao acervo do Museu de Aeronáutica de Santos o chamado ‘Museu Aéreo da Baixada Santista’, com curadoria do próprio Ricardo, administrado na época pelo Tenente Coronel Jorge Tebicheranede, de 2007 a 2008.

Mudanças na aeronáutica, que transformaram a Base Aérea de Santos em Núcleo da Base Aérea, com consequente redução de efetivo, fizeram o museu ser desativado e o acervo levado de volta para perto do museu do Ipiranga, destino inicial da década de 1930, no 4o COMAR, sob administração do Tenente-Brigadeiro do Ar Marcelo Kanitz Damasceno.

Lá um relatório da Fundação Santos=Dumont foi feito com peças do acervo,  acompanhado por Ricardo Magalhães, que com a ajuda de uma equipe da USP, fizeram o traslado. 

Criado em 27 de março de 1942, o Quarto Comando Aéreo Regional (IV COMAR), sediado em São Paulo (SP), encerrou suas atividades em agosto de 2017 se transformando em COMGAP, e com isso o acervo foi levado para o Yatch Club de Santos. 

Com a chegada da pandemia em 2020, sob a administração do major-brigadeiro Paulo Roberto Pertusi, parte foi trasladado de volta para a Base Aerea de São Paulo (este blog não teve acesso para onde foi levado a outra parte). 

Alguns dos itens do antigo Museu da Aeronáutica, como o hidroavião Jahu, utilizado pelo Comandante João Ribeiro de Barros para cruzar o Atlântico Sul, passaram por restauração promovida pela Fundação para ser exposto no então Museu TAM, em São Carlos. 

Luiz Pagano e Tizuka Yamasaki 

O grande sonho do comandante Rolim Adolfo Amaro, fundador e presidente da TAM Linhas Aéreas, e de seu irmão João Francisco Amaro, o Museu da TAM, inaugurado experimentalmente no dia 11 de novembro de 2006, no distrito de Água Vermelha, em São Carlos, anexo ao Aeroporto de São Carlos e LATAM MRO, funcionou por 10 anos, crescendo de 32 aeronaves para 100 delas. Dando sequencia ao infindável vai-e-vem de fechamentos de museus, esse também foi desativado em janeiro de 2016 com a transferência do acervo do Museu TAM para novas instalações, 12 de maio de 2018, a serem construídas no local onde se encontra o Memorial Aeroespacial Brasileiro, na cidade de São José dos Campos.

Hoje o acervo está na sede da Embraer e o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), anexo ao Aeroporto de São José dos Campos. O acordo foi realizado na presença do presidente do Museu da Tam, João Amaro, do prefeito de São José dos Campos, do coronel Ozires Silva e demais autoridades do museu e da cidade.

Perdas irreparáveis

É evidente que em cada uma desses deslocamentos, independentemente dos esforços do Ricardo, meus e de nossos amigos, muita coisa se perde. Como tudo é feito com recursos próprios e as vezes, sem a anuência e conhecimento prévio emitidos pela aeronáutica, as dificuldades se multiplicam.

Espero de todo meu coração que um dia possamos ter a segurança e o prazer de termos um sistema de museologia dignos, bem como o enaltecimento de nossos mitos de forma comparável aos dos americanos, para que possamos enfim, contar nossa história com mais respeito, aumentando a amor e a dedicação do povo brasileiro à ciência e a cultura. 

Referências

AERO Magazine, Inner Editora

BUENO, Eduardo - Presentismo e Presentificação do Passado: a Narrativa Jornalística da Historia na Coleção Terra Brasilis – 2010; 

FAB, Força Aérea Brasileira | CPDOC». cpdoc.fgv.br.- Fundação Santos Dummont». www.santosdumont.org.br; 

Folha de S.Paulo - Descobrimento: Brasil 500 Anos vai expor carta de Caminha - 03/06/1999». www1.folha.uol.com.br;

GALANTE, Alexandre (15 de maio de 2018). «Museu Asas de um Sonho será instalado em São José dos Campos (SP)». Poder Aéreo - Forças Aéreas, Indústria Aeronáutica e de Defesa;

MEMORIAL  0122A - Lucas Nogueira Garcez ZH 2014;

MUNDO Educação.  - Como surgiu o avião? - Mundo Educação»;

Revista Turismo - Parque do Ibirapuera. www.revistaturismo.com.br:


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  Monumento às Bandeiras com 32 figuras, e não 37 como relatado em muitos outras referencias (inclusive a Wikipedia e o Site da Prefeitura d...