quarta-feira, 28 de novembro de 2018

Os Caraíbas e a religião Tupi

Caraíba praticando ritual de cura numa mulher Tupinambá por meio de impostação de mãos

Para a igreja católica da época do descobrimento do Brasil, a descoberta de seres humanos na America representava um sério problema, não se admitia ninguém vivendo fora de suas graças, por esse motivo os padres Vieira e Manoel da Nobrega se apropriaram indevidamente do mito de Sumé para inserir a igreja católica na vida dos índios, segundo eles, foi o apostolo São Tome quem levou a doutrina Cristã aos índios da antiguidade.

Fato é que mesmo acreditando que eles não tivessem um conjunto de crenças, a grande nação Tupi-Guarani que ocupava vasta extensão do território Brasileiro, Paraguai, Argentina e Bolívia acreditava em homens santos, capazes de promoverem a cura e guiarem as almas dos bons ao Paraíso na Terra.

O professor Eduardo de Almeida Navarro assim descreve a religião Tupi-Guarani:

“A descoberta da América conduziria, inexoravelmente, à necessidade de um enquadramento das novas realidades geográficas, culturais e sociais recém conhecidas nos esquemas europeus de compreensão do homem e do mundo e isso para impedir a relativização da Revelação bíblica e salvaguardar a idéia da unidade do gênero humano aceita desde a Antiguidade. Desse modo, a religião e os mitos indígenas foram interpretados segundo os conceitos vigentes no universo mental europeu do século XVI. O mito de Sumé foi assimilado à pregação do apostolo São Tomé na América, também associado ao anjo Ismael da tradição espiritualista e kardexista, como anjo tutelar do Brasil, o mito do dilúvio foi compreendido como reminiscência da narrativa do Gênesis.  A verdadeira religião tupi-guarani, que tem como essência a crença na Terra sem Mal, passou despercebida, então. Religião sem Teologia, concebia o paraíso como a superação da morte e da ordem social e política. Paraíso de homens-deuses, que teria uma realização histórica e uma localização geográfica.

A busca da Terra sem Mal levou a grandes migrações de índios pela América do Sul e a idéia da imortalidade, nela contida, foi assimilada ao conceito de "Vida Eterna" do Cristianismo, o que favoreceu, em grande medida, o bom sucesso do Estado Jesuítico do Paraguai”. O Sumé é o responsável pela civilização das tribos tupi, descrito como “grande feiticeiro, branco, barbado, que veio pelo mar”, Sumé e mencionado como Mairatá, entre os Tapi do Maranhão e Maré - o civilizador mítico dos aimoré, que era descrito como um homem branco e de cabelos vermelhos. Era branco e loiro também entre os Izi do extemo norte, enquanto os Apinagés se referem em seus mitos a um grupo chamado “kupe-ki-kambleg”, que significa literalmente “tribo estrangeira de cabelos vermelhos”.

Contavam os índios que o Sumé tinha ensinado a seus antepassados o plantio e a domesticação da mandioca e a moquear o peixe, num tempo em que todos se alimentavam apenas de elementos rústicos, pobres em nutrientes e gosto. Mas a ação do Sumé não se limitou ao ensino de técnicas agrícolas e de cozinha, a ele foram atribuídas também a abertura de caminhos e a introdução de novos princípios religiosos.

No sul, conta-se que Sumé foi para o Paraguai (onde tinha ensinado o uso da erva-mate), seguindo dali para o Peru. Durante esta caminhada teria aberto a estrada que ficou conhecida entre nossos indígenas como Peabiru ou Piabuyu, ou seja, o Caminho da Montanha do Sol.

Caraíbas – Os ministros de Sumé

Caraíbas ("Kara ' ib" (sábio, inteligente – karaibas) eram homens santos, nômades, que transitavam em meio a todo território de língua Tupi, tinham salvo-conduto entre todas tribos, mesmo aquelas em guerra e conheciam bem todas as etnias indígenas e suas línguas.  A figura do Caraíba pode ser muito bem entendida através do relato de Jean de Léry, que diz ter presenciado um ritual com cânticos e danças, no qual os caraíbas falavam de mortos e dos ancestrais, e da certeza de encontrá-los “por detrás das montanhas” para dançar e festejar com ele; ralavam também de um dilúvio, muito similar ao evento bíblico e que o próximo cataclismo global estaria em vias de acontecer.

O Padre Manoel da Nobrega também teve contatos com caraíbas e relata:

“Chegando o feiticeiro (isto é o caraíba), com muita festa, ... entra numa casa escura e põe sua própria voz como a de um menino, ... lhes diz que não cuidem de trabalhar, nem vão a roça, que o mantimento por si só crescerá e que nunca lhes faltará de comer e que a caça por si só virá à casa e que a flechas irão ao mato caçar para seu senhor e hão de matar muitos dos seus contrários e cativarão muitos para os seus comeres. E promete-lhes longa vida e que as velhas hão de se tornar moças e que dêem as filhas a quem quiserem e outras coisas semelhantes lhes diz e promete”.

Yby Marãne’yma - O Paraíso na Terra

Diferentemente dos paraíso da tradição Judaico Cristã, não é necessário morrer para chegar no paraíso dos Tupis-Guaranis. O Yby Marãne’yma , lugar para onde vão os espíritos mais virtuosos, tem forma física na terra, com acesso aos vivos.

A idéia de paraíso terrestre das etnias do novo mundo, apresenta uma versão mais pragmática do sentido religioso de paraíso, comparada às religiões da Europa. Eles acreditavam que o paraíso está aqui mesmo e para alcançá-lo nos só precisávamos superar nossas próprias angaipabas (maldades / pecados).

Uma análise profunda nos textos sobre o Peabiru (na língua tupi, "pe" – caminho; "abiru" - gramado amassado) descrito pela primeira vez pelo padre jesuíta Pedro Lozano em sua obra "História da Conquista do Paraguai, Rio da Prata e Tucumán de 1873~5", revela que este não era um caminho físico, o Peabiru é o mapa de reforma das atitudes individuais para se viver num paraíso terrestre, baseada em vários objetivos de mudanças de hábitos.

1- Cura das doenças – Os caraíbas eram grandes apreciadores e conhecedores da mata, e acreditavam que para todos os males existiam os “anti-males”, as doenças não passavam de desequilíbrios naturais desenhados para aprimoramento do indivíduo, e sua cura era obtida através da própria natureza.

Muitos relatos dizem que quando iniciavam o ritual de cura, os caraíbas modificavam suas vozes, ficavam tenras e suaves como a de crianças – Para os caraíbas, as crianças são puras, conversam diretamente com as forças da natureza, com grande liderança, sem medo, livres de atitudes negativas - quando falamos com nossos entes queridos, animais e mesmo crianças que amamos, afinamos nossas vozes, usamos o ‘tatibitati’ para demonstramos amor e afeto.

Os unguentos e tinturas não só tinham a função de medicina tópica a ser absorvida pela pele, eram espalhados pelo corpo de forma artística, para encantar a alma dos vivos, dos ancestrais e os demais espíritos - a beleza é a mais efetiva forma de cura a nosso dispor.

2- Abundancia de Ka’a – se aprendermos a enxergar ao nosso redor,  viveremos em abundancia, as matas são fartas de riquezas inesgotáveis e cambiantes, estão sempre mudando, uma miríade de alimentos e água “y” o som mais belo,

Sumé nos ensinou o básico, mas temos que descobrir mais e mais sobre tudo ao nosso redor, e a melhor forma de fazer isso é através da beleza das plantas, das flores, das pedras e dos animais. Essa beleza nos gera a curiosidade.

A natureza é livre de conflitos, como visto no texto de Nobrega, os caraíbas queriam reduzir os conflitos e brigas, enxergavam a beleza na harmonia e no crescimento de mínimo esforço:

“Na natureza não existe o conflito, as plantas não se esforçam para crescer – elas só crescem;
 As aves não se esforçam para voarem, elas só voam;

3- Todos somos caraíbas – Sumé nos ensinou que todos nós temos a curiosidade para aprender e o poder para nos tornarmos sábios, todos nós temos o poder de cura e a capacidade de adentrar ao Yby Marãne’yma, dançarmos com nossos queridos e retornarmos para casa no final do dia, tudo que temos a fazer é seguir nosso Peabiru.

Fato é que, o mito de Sumé talvez seja nossa mais antiga religião nacional, descreve a alma do Brasileiro, e explica muito de nossa essência.

Inspirado por nossa filosofia e história Tupi, criei em 2013 a HQ de Mingo, um menino que por sua pureza e leveza de espírito, visita seu o Yby Marãne’yma aqui em São Paulo - - aqui apresento as páginas do capitulo de introdução – divirtam-se!


Mingo é um menino de rua que tem um só objetivo, encontrar sua mãe. Acompanhe Mingo em suas aventuras contra os mais perigosos vilões com a ajuda dos mais inusitados personagens do cotidiano Brasileiro.

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