Quando descobri que há 16 gerações atrás tinha em minha árvore genealógica o Cacique Tibiriça, fiquei extasiado! Sou descendente por parte de Antonia Quaresma, filha de João Ramalho, que habitaram o coração de São Paulo de Piratininga, onde os rios Anhangabaú e Tamanduateí se encontram. Até minha avó, Dona Zuzu Correa de Moraes Pagano, nasceu no triângulo histórico de Piratininga em 16 de outubro de 1901, na rua da Glória n.º 4 (hoje a pracinha atrás do Fórum João Mendes).
O triângulo histórico de São Paulo é uma região geográfica rica em cultura Tupi, da qual partiam vários peabirus, antigas trilhas que conectavam todo o Brasil, chegando até o Paraguai e até Cusco, no Peru. Essa localização estratégica fez com que os jesuítas Nobrega e Anchieta estabelecessem alí o centro logístico e espiurtiual para a colonização da America do Sul portuguesa (com muito éxito).
No local onde hoje é a rua Tabatinguera, existiam as aldeias de Caiubi e Tibiriçá, lar de nossos povos originários. Um pouco ao sul, encontrávamos o Morro Careca do Inhapuambuçu e a pedra do Itaecerá, atingida por um raio de grande importância para os Tupi, usada por Anchieta como parte da simbólica união de culturas.
O Morro Careca do Inhapuambuçu estendia-se desde a Praça da Liberdade, conhecida como Morro da Forca no século 17, até a área onde hoje encontramos o Jardim Japonês e o Torii da Liberdade. Lá existiam antigos cemitérios de Tupi, sendo um local sagrado para indígenas, afro-brasileiros devido ao Cemitério dos Aflitos, onde escravos eram sepultados, e para descendentes de europeus e japoneses, abrangendo praticamente todas as etnias que compõem o povo brasileiro. Hoje, o local é ainda mais enriquecido pela influência japonesa, como evidenciado pelo Torii, portal xintoísta de passágem entre o mundo dos vivos e dos mortos, e o Jardim Japonês.
Neste portal entre o mundo material e espiritual, onde as raízes do povo brasileiro se entrelaçam, nasceu o Cauim Tiakau Autêntico, feito 100% de mandioca. O Cauim Tiakau combina os sabores e tradições indígenas, africanas e europeias, seguindo o tradicional processo japonês de produção do sake.
O Padre Anchieta relata que antes de começarem o processo de proselitismo aos catecúmenos, aconteciam constantes festas nas quais os indígenas realizavam rituais pagãos. As crianças entoavam cânticos católicos em idioma e ritmos indígenas, "tangiam seus instrumentos" (como escreve Luis Augusto bicalho Kehl) e usavam cortes de cabelo característicos que os faziam parecer monges, enquanto os adultos dançavam embriagados com seu vinho local.
O Poema do Cauim dos Tupis em Detalhes
O poema de Anchieta sobre o cauim, escrito em tupi antigo, é um raro e valioso registro que revela não apenas a habilidade linguística do missionário, mas também um importante traço da resistência cultural dos tupis frente à catequese europeia.
Nele, Anchieta descreve com vivacidade a prática ritual e social do consumo do cauim, exaltando inclusive a bravura e o espírito festivo dos que bebiam até a exaustão. Ao invés de condenar a bebida indígena, ele a registra poeticamente, sugerindo que, apesar da imposição da fé cristã, os costumes tradicionais, como a cauinagem, continuavam vivos e intensamente praticados. Esse poema é, portanto, um testemunho do embate simbólico entre mundos — ao mesmo tempo em que celebra o cauim, também revela a tentativa de entender e dialogar com os tupis em sua própria língua e lógica cultural.
Xe rekó iporangeté, Naipotári abá seytýka, naipotári abá imombýka. Aipotakatú teñé opabi tába mondýka.
(tradução : meu modo de viver é agradável, não quero que seja constrangido nem abolido, pretendo alvoroçar todas as tabas - aldeias)
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Mbaé eté kaú guasú kaûĩ mojebyjebýra. Aipó sausukatupýra. Aipó añé jamombeú, aipó imomorangimbýra!
(Boa coisa é beber o cauim até vomitar, isso é apreciadíssimo, isso se recomenda, isso é admirável!)
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Serapoň ko mosakára ikauinguasúbae. kaûĩ mboapyareté, aé maramofiangára, marána potá memé.
(São aqui conceituados os "maçacaras" ou "mosakara" [são homens importantes da aldeia, ou homem branco nobre] beberrões. quem bebe até que o cauim se esgote, esse é valente, esse é ávido por luta).
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A seguir apresento uma tradução palavra por palavra (ou ao menos por grupo semântico claro) do trecho do poema de Anchieta em tupi antigo, preservando o máximo possível da estrutura gramatical original. Isso permite entender a lógica da língua e o significado profundo do texto. Aqui está a análise:
1. Xe rekó iporangeté
Xe = meu/minha
rekó = modo de ser, vida, costume
iporangeté = é muito belo / é excelente (i = prefixo de terceira pessoa + poranga = bonito + eté = intensificador)
Tradução literal:
Minha vida é muito bela
2. Naipotári abá seytýka
Na-i-potári = Eu não quero (na = não, i = eu, potar = querer)
abá = homem, pessoa
seytýka = amarrado, preso
Tradução literal:
Eu não quero o homem amarrado
3. Naipotári abá imombýka
Na-i-potári = Eu não quero
abá = homem
imombýka = ser dominado, subjugado (i-mombýka = ser feito cativo)
Tradução literal:
Eu não quero o homem subjugado
4. Aipotakatú teñé opabi tába mondýka
Aipotakatú = Eu quero de fato / fortemente (aipo = quero, katú = bem, fortemente)
teñé = ter, possuir
opabi = todas
tába = aldeia
mondýka = agitar, fazer mexer, incitar
Tradução literal:
Quero muito incitar todas as aldeias
Agora o trecho mais simbólico com o cauim:
5. Mbaé eté kaú guasú kaûĩ mojebyjebýra
Mbaé eté = coisa boa, coisa verdadeira (mbaé = coisa, eté = verdadeiramente)
kaú guasú = grande bebida (kaú = bebida fermentada, guasú = grande)
kaûĩ = cauim (forma específica ou enfática de kaú)
mo-jeby-jebýra = que faz vomitar várias vezes (mo = causativo, jeby = vomitar, repetição para intensidade)
Tradução literal:
É coisa muito boa a grande bebida cauim que faz vomitar
6. Aipó sausukatupýra
Aipó = isso é
sausu = muito
katupýra = o que é muito querido, muito bom
Tradução literal:
Isso é muito apreciado
7. Aipó añé jamombeú
Aipó = isso é
añé = realmente
jamombeú = recomendável, que se deve fazer (ja = causativo, mombeu = indicar, mostrar)
Tradução literal:
Isso é realmente recomendável
8. Aipó imomorangimbýra!
Aipó = isso é
i-momo-rangimbýra = admirável (i = prefixo 3ª pessoa, momo = tornar, rangi = belo/precioso, mbýra = aquele que é)
Tradução literal:
Isso é digno de admiração!
Última estrofe:
9. Serapoã ko mosakára ikauinguasúbae
Serapoã = aparecem, se mostram
ko = aqui
mosakára = verdadeiros guerreiros/bebedores valentes
ikauinguasúbae = os que bebem cauim até o fim (i = prefixo, kauin = cauim, guasú = muito, bae = intensificador ou completivo)
Tradução literal:
Aqui se mostram os verdadeiros bebedores de cauim
10. kaûĩ mboapyareté
kaûĩ = cauim
mbo-apya-reté = beber até o fim (mbo = fazer, apya = acabar, eté = verdadeiramente)
Tradução literal:
que bebem cauim até o fim
11. aé maramofiangára
aé = ele
marãmo = guerreiro, herói
fiangára = bravo, valente
Tradução literal:
Ele é o bravo guerreiro
12. marána potá memé
marãna = combate, luta
potá = deseja
memé = sempre, continuamente
Tradução literal:
Que sempre deseja a luta
Tradução literal completa:
Minha vida é muito bela.
Não quero o homem amarrado,
Não quero o homem subjugado.
Quero realmente incitar todas as aldeias.
É coisa boa a grande bebida, o cauim que faz vomitar.
Isso é muito apreciado.
Isso é realmente recomendável.
Isso é digno de admiração!
Aqui se revelam os verdadeiros bebedores de cauim.
Quem bebe cauim até o fim,
Ele é o bravo guerreiro,
O que sempre deseja a batalha.
Glossário
Linha 1:
Mbaé – “coisa”, “fato”, “algo”. Palavra interrogativa que também pode introduzir exaltação ou ênfase.
eté – “muito”, “verdadeiro”, “intensamente”. É um intensificador.
kaú – “bebida fermentada”, ou seja, cauim.
guasú – “grande”, “grandeza”. Pode ser adjetivo ou substantivo.
kaûĩ – “cauim”, forma alternativa de “kaú” (possivelmente com ênfase ou variante dialetal).
mojebyjebýra – forma verbal composta:
mo- (prefixo causativo: "fazer")
jebyjeby (do verbo jeby, "vomitar", repetido para dar intensidade: "vomitar muito")
-ra (sufixo agentivo, formando algo como “aquele que faz vomitar”)
Tradução: “Coisa verdadeiramente grande é o cauim que faz vomitar.”
Interpretação: Beber cauim até vomitar é sinal de bravura ou celebração intensa.
Linha 2:
Aipó – “isso sim”, expressão enfática, indicando valor ou admiração.
sausukatupýra – termo composto:
susu ou sauçu – “bom”, “agradável”
katú – “bom”, “excelente”
pýra – sufixo adjetival que intensifica
Tradução: “Isso sim é algo muito bom.”
Interpretação: Beber cauim até vomitar é altamente valorizado.
Linha 3:
Aipó – novamente, “isso sim” (ênfase).
añé – “eu mesmo”, com sentido reflexivo ou enfático.
jamombeú – do verbo mombe’u (“anunciar”, “proclamar”, “ensinar”):
ja- (prefixo indicativo de primeira pessoa plural inclusiva: "nós")
mombe’ú (verbo “ensinar” ou “contar”)
Tradução: “Isso sim eu mesmo anuncio.”
Interpretação: Eu proclamo o valor dessa prática.
Linha 4:
Aipó – “isso sim” (continuação do tom enfático).
imomorangimbýra – forma composta:
i- (prefixo possessivo: "dele")
momorangi (“decorar”, “embelezar”)
-mbýra (sufixo agentivo ou qualificativo: “aquele que é...”)
Tradução: “Isso sim é digno de ser enfeitado.”
Interpretação: Isso merece ser celebrado ou ornamentado.
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CAUIM TIAKAU servido no Café da Casa do Museu do Xingu e escritórios do Ponto Solidário |
Trouxemos a bebida ritualística tomada exclusivamente por indivíduos de tribos indígenas para ser consumida por todos nós brasileiros, como forma de reaproximação de nossas raízes mais essenciais, certamente respeitando nossa gente e a espiritualidade de nossa cultura fundamental - A cultura Tupi Antiga.
Como resultado dos esforços de um seleto grupo de profissionais do mercado de bebidas alcoólicas, líderes tribais e profissionais ligados aos estudos de nossas etnias, eu incluso, surge o CAUIM, a bebida alcoólica ainda mais brasileira do que a própria cachaça.
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O controle das temperaturas é fundamental para se produzir um bom CAUIM |
O CAUIM, bebida ritualística xamânica surge agora resignificanda, apta a ser consumida comercialmente -
Trata-se de uma inédita categoria de bebidas, no seu mais absoluto começo.
É importante que se diga que ainda não existe a categoria de bebidas CAUIM - 100% FERMENTADO DE MANDIOCA legalmente, o produto que aos pouco botamos nos bares e prateleiras ainda entra no mercado enquadrado legalmente como BEBIDA MISTA por falta de leis específicas, em produção bem limitada, numa operação experimental, aguardando por investidores inovadores e outras oportunidades de crescimento. O esforço para regulamentar a bebida está em andamento, demos a entrada em dois dos três métodos de produção do CAUIM no DIRPA - Instituto Nacional de Propriedade Industrial no dia 23 de junho de 2017, so quando for criada a categoria, poderemos registrar a marca e logo. Como bem sabemos, o processo para incubação de empresas e invenções de produtos no Brasil é burocrático, lento e desgastante - infelizmente :(.
Como disse anteriormente, existem tres Métodos para se produzir o CAUIM:
1-MÉTODO ÉTNICO
Processo ritualístico NÃO PODE SER USADO NA INDÚSTRIA;
2-MÉTODO ‘PAGANO’ - JAPONÊS
Processo no qual a dulcificação do amido é promovida pela ação do KOJI;
3-MÉTODO ‘SENA’ - ENZIMÁTICO
Processo no qual a dulcificação do amido é promovida pela ação direta de enzimas.
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Professor Hido Sena e Luiz Pagano - parceria para resgatar a bebida mais emblemática e ancestral da cultura brasileira,
o CAUIM - O MÉTODO criado por Sena e seus alunos é sem duvida o melhor resultado já obtido. |
Os povos indígenas no Brasil usavam enzimas presentes na saliva das Kunhã Makú (belas virgens das tribos), para quebrar amido da mandioca em açúcar, e posteriormente poder fermentá-lo. No Japão antigo fazia-se a mesma coisa com o arroz pelas chamadas virgens bijinshu (美人酒 - as belas mulheres do saquê), esse é o chamado Método Étnico.
Para poder produzir o saquê de forma mais segura, a aproximadamente 1000 anos atrás, adotou-se o KOJI ( 麹 菌 Koji-kin) nome dado ao microorganismo Aspergillus oryzae para promover a promover essa quebra de amido, esse processo também é usado para se produzir o CAUIM. Vale lembrar que nós, entusiastas do Tupi Antigo (falo um pouco mais sobre isso um pouco mais abaixo) nos sentimos compelidos a descrever os passos do processo de produção de CAUIM em Tupi Antigo, para reforçar o elo cultural histórico de nossos antepassados, igualando a importância do CAUIM à do saquê em rituais xintoístas e a do vinho eucarístico, fundamental no cristianismo, o CAUIM é alma ancestral religiosa de nossas etnias e culturas ancestrais.
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Colocação de KOJI sobre as pérolas de Mandioca |
No segundo Metodo, criado por mim (Luiz Pagano), a princípio faz-se o Mbeîu apó, ou o preparo do beiju, (ou Mbeîu moakyma), sendo o beiju 100% feito de mandioca perolizada é embebida em água quente.
A ressurgência comercial do cauim na região do Triângulo Histórico de Piratininga, aliada ao fato de que Luiz Pagano, idealizador do projeto, é descendente de Tibiriçá e João Ramalho, da aldeia de Inhapuambuçu, torna o Tupi Antigo uma escolha significativa, a lingua falada por eles faz parte da nossa história e identidade.
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Luiz Pagano degustando champagnes na Perrier-Jouët em Épernay - desde a época de Dom Ruinard e Dom Perrignon que os franceses sabem muito bem vender sua cultura, seja por meio das harmonizações, na qual o cliente "come e bebe cultura", seja pelos termos de produção como 'Remuage"e "Degorgement". ft. business press |
Assim, proponho que, da mesma forma que é feito em regiões renomadas, como Champagne e outras AOCs ao redor do mundo, onde se promove a harmonização de pratos com a bebida e se aprendem termos como “remuage” e “degorgement”, seja igualmente importante que o "cauim" preserve os seus processos no Tupi Antigo.
Podemos dividir os processo de produção de cauim em Tupi Antigo em 6 grupos básicos abertos e um ainda a ser definido, denominado POKÕI (Os 7) em Guarani:
POKÕI - Os 7 Processos Básicos de Produção de Cauim
1/7 MANDIOMITYMAS-Na primeira fase da produção do Cauim devem ser plantadas ‘Manivas’, pedaços do caule cortados com aproximadamente 10 cm em ‘Mandiomitymas’, trechos intercalados na mata pelo sistema agroflorestal. Quanto à matéria-prima, no caso do método japonês utilizamos pérolas de mandioca, ‘Itatinga Beiju’ e no processo enzimático, fécula de mandioca ‘Manikuera’;
2/7 MBEÎU APÓ- se resume a todas as formas de se obter fonte solida de mandioca para podução do Cauim, preparo de farinhas, separação de goma e tucupi, etc.
A goma 'Minga'u-Pomonga' e o caldo ácido, 'Tucupi', são separados usando um Tipiti, e é produzida a farinha, 'Mbeîu apó'. Como vimos anteriormente, a fécula de mandioca doce passa apenas pelos processos de secagem e moagem, enquanto a fécula de mandioca azeda ‘Karimã Ku’i’ passa por um processo de fermentação antes de ser moída. Em geral, a farinha de mandioca utilizada para fazer o beiju ‘Mbeîu’ é a ‘Tipirati’;
A farinha obtia pode ser socada 'Apasok', e assim como se faz a tapioca, faz-se o beiju "Mbeîu apó. Ao espalhar a farinha 'U'i' na frigideira, o U'i é colocado em uma A 'Ygassaba', aquecida num forno chamado 'Tapyaba', e as 'Kunhã-Muku', mulheres que produzem e servem Cauim (Kaûĩapó-sara) espalham-na e viram-na com uma 'Pia'sawa';
3/7 - SABẼ MBEÎ MOE'Ẽ (ou simplesemnte MOE'Ẽ) - Literalmente, ' o esporo torna o beiju sápido', 'e nessa fase que é realizada a quebra do amido em açúcares, num processo enzimático, no método ancestral, as Kaûĩ apó-sara utilizavam para esse fim a amilase salivar, mastigando e cuspindo a mandioca 'Aîpi o- su'u su'u I nomu'
No método japonês, os esporos de koji são espalhados pelo Itaitinga Beiju e, no caso do método enzimático, o amido é completamente dissolvido na água quente 'T-y-pûera mopupu ra–sara';
4/7 - HAGUINO- Fermentação Alcoólica, (a plavra haguino - vêm de ygynõ – bafio, cheiro de mofo, cheiro desagradável - "Mbeîu, tygynõ ndibé Kaûi-namo s-ekóû", lit. o beiju com o mofo, como cauim fica 'se transforma em cauim').
Nessa quarta fase da produção do Cauim, quando os amidos que já foram quebrados em açúcares (Sabẽ mbeîu moe'ẽ, literalmente 'os esporos tornam o beiju sápido - doce'), dá-se início à fermentação alcoólica ‘Haguino*’, num processo denominado fermentação paralela múltipla – ao mesmo tempo que as enzimas continuam decompondo o amido em açúcares, esses açúcares são transformados em álcool, num processo que dura em média 16 dias;
5/7 - MBOARURU & KÛARA - Literalmente filtração e clarificação. Quanto à filtração, no método japonês é feita por prensagem em sacos de algodão, tal qual o saquê, enquanto no método enzimático, onde a hidratação foi muito bem feita, há apenas uma simples passagem pela malha. Em ambos os processos é recomendado passar pelo processo de clarificação, que no nosso caso é feito com argila de betonita sódica e leva em média 40 dias;
6/7 – MONDYKABA - A conclusão, o destino final dos processos, é aqui que entra a pasteurização, engarrafamento, etc. Nesta sexta e última fase de produção do Cauim, a bebida está pronta, pois já passou pela fermentação alcoólica nas dornas (KAUBA), por filtração (Mbeîu mogûaba)
Basicamente é feito o engarrafamento (Ybyraygá pupé) e a pasteurização, Pasteur rupi kaûĩ rerekó, literalmente, "tratar o cauim segundo Pasteur".
Como no método japonês existe um mingau, pode-se fazer dois tipos difrentes de bebida, o Katu (Cauim bruto) e o Poquya (Cauim filtrado).
No método enzimático a hidratação foi tão bem feita que o mingau quase desapareceu, mas ainda é importante fazer a filtração e a clarificação, que no caso do Cauim Tiakau é decantado com argila de betonita sódica, num processo que pode passar dos 40 dias.
7/7 -T'ÎAKA'UNE - o serviço do cauim (lit. Vamos beber)
A sétima etapa (pokõí em Guarani) não foi incluída no texto por todavia não existir, sua forma de consumo ainda não foi descoberta e divulgada pelo público consumidor.
Por ser uma bebida ainda em seus primórdios, ainda temos muito que aprender sobre sua melhor forma de consumo, ou seja, o público consumidor que descobrirá as melhores formas de consumo da bebida, qual a melhor combinação de Cauim para drinks, harmonizações com pratos, copos, etc. Esta é talvez a melhor experiência que você pode ter com Cauim nos momentos que estão por vir.
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Instalações de fermentação usada para produzir as brassagens experimentais de CAUIM |
Para o terceiro Método, 'Sena' enzimático, desenvolvido por Hildo Sena e seus alunos na FATEC DE ARAÇATUBA, o processo é bem mais simples, rápido e é o de mais baixo custo para se produzir. Nele o CAUIM é produzido usando-se apenas enzimas especiais em substituição ao KOJI, o que permite maior controle qualitativo de todo o processo, garantindo um perfeito CAUIM.
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Para resgatar a cultura ancestral brasileira recorri ao ímpeto de preservação de tradições e tecnologias japonesas, me associei a uma Sommelière de Saquê, Hikaru Sakunaga (作永ひかる), contei com um grupo de estudantes de Tupi Antigo, alem de profissionais de fermentação ingleses e brasileiros. Acima um exemplo desse 'melting pot', um gráfico de progresso do KOJI, que ilustra muito bem a mistura de todas essas culturas -
Todos nossos materiais estão escritos em Japonês, romaji, Tupi-antigo, português e inglês :) |
Com uma hidratação mais eficiente no inicio do processo, o método Sena dispensa a filtração final.
NOTAS DE DEGUSTAÇÃO DO CAUIM
Muitos nesse ponto se perguntam: 'Muito bem, qual é o gosto do CAUIM?' - ai vai…
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ASPECTO VISUAL
Tons amarelo palha, com brilhos esverdeados vivos;
NO NARIZ
Aromas de mandioca fresca se mesclam a lances de abacaxi, pêra verde e uva Chardonnay;
NA BOCA
Notas de banana verde e amêndoas, evolui para raízes frescas e terrosas, corpo leve e equilibrado com baixa alcolicidade;
HARMONIZA
Com peixes da Amazônia grelhados, filhote na manteiga de garrafa, torteletes de palmito.
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Quando você for ao Café da Casa, peça uma dose de CAUIM TIAKAU com Pastelina de Palmito -
A harmonização é perfeita |
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A MARCA TIAKAU
A marca TIAKAU, surgiu num bate papo de um grupo de 65 estudantes de Tupi Antigo, discípulos do professor Eduardo Navarro. Aconteceu num dia quando eu estava muito feliz por finalmente termos chegado ao CAUIM final, quando lancei o desafio de bolarem um bom nome para a marca, de preferencia em Tupi Antigo - Todos calaram-se e nenhum nome surgiu.
Em meio toda aquela duvida alguém se levantou e disse "Ere'u-potarype amõ mani? T'ÎAKA'U !!!" que significa "Querem beber um pouco de mani (gíria tupi para CAUIM) - e no final exclamou "T'ÎAKA'U !!!" - que significa literalmente "vamos CAUINAR', 'vamos à CAUINAGEM','vamos tomar o CAIUIM', dito no espirito de quem diz, "nós viemos aqui para beber, ou para conversar?". Pronto, naquele momento o nome já havia sido dado, T'ÎAKA'U !!!
Alguns críticos sempre me alertam, "você não tem medo de fazer tanto alarde de um produto que ainda não tem registro", minha resposta é "Não, pelo contrario, o alarde é necessário!"
Importante que se diga que Luiz Pagano registrou a patente do processo Japonês INPI BR10 2017 013711 2 e o Professor Hildo Sena do Processo Enzimático INPI BR10 2019 015534 5 por requisição do MAPA para alterar o Decreto no 6.871, de 06/04/2009, que regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, sobre bebidas alcoólicas incluindo o Cauim no texto proliminar.
Somos plenamente conscientes que esse projeto é de bem público, o nosso objetivo é deixar essas patentes abertas e livres para que qualquer um, pricipalmente nas aldeias possam produzir seu próprio Cauim e comercializa-lo em benefício próprio. O proessor Hildo dá suas aulas na Fatec ensinando os alunos com o método dele e eu deixei meu método aberto em
um vídeo explicativo no Youtube, explicando cada detalhe de produção.
Não só isso, nos colocamos a disposição de quem quiser produzir o seu Cauim e estamos dispostos a dar acessoria para garantir o melhor produto final possível.
Quanto mais gente conhecer esse projeto, melhor é! Se o CAUIM não cair na graça do grande publico, provavelmente a iniciativa de se produzir o CAUIM semi-industrial se perca para sempre - se eu morrer hoje, talvez o CAUIM morra comigo e D'us lá sabe quando poderá ser renascido novamente".
É evidente que pretendemos patentear o produto e comercializarmos, para recompensar financeiramente nosso grupo desenvolvedor, para que no mínimo possamos recuperamos todo o investimento de trabalho, viagens que inclui varias internacionais, incluindo as caras viagens ao Japão, bem como todo nosso esforço dedicado, mas a recompensa final acaba sendo da cultura brasileira, com o legado de mais uma bebida nacional que lindamente representa nossa essência.
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O encontro das duas mentes mais inventivas do mundo no começo do século passado . |
Lembro de um artigo de
Herbert Wallace escrito em 1902, relatando o encontro de Santos=Dumont e Thomas Edison, no qual eles conversavam sobre seus inventos, o consenso foi que Dumont fazia seus inventos pensando no bem mundial, com uma certa leitura “Wiki”, inspirando os próximos inventores a usarem suas idéias livres de patentes (a humanidade precisou de quase 100 anos para entender o conceito de inventos sem patente e softwares abertos como fonte de prosperidade) enquanto que Thomas Edison tinha grande interesse comercial em seus inventos e não dedicava seu tempo a nada que não pudesse ser patenteado com propósito de imediato ou futuro resultado financeiro.
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Luiz Pagano brindando com amigo - T'reikokatu!!! (saúde em Tupi Antigo) |
Eu e o grupo de entusiastas não inventamos o CAUIM, nós somente o trouxemos de volta ao cenário cultural, nosso interesse é fazer com que num futuro próximo, inspiremos a surgirem CAUIMs de diversas culturas, que possa existir nas prateleiras das lojas de bebidas lindas garrafas do
Masato dos Ashaninkas, ou
Tarubá em lata, produzido por etnias de Santarem-PA, ou, até quem sabe, o caro
Caxiri dos Waiãpis da Amazonia, todas elas variações do mesmo fermentado de mandioca, vendidas ao grande publico e até mesmo sendo exportadas, com métodos industriais modernos, preservando sua essência religiosa ancestral, sem perder o aspecto tradicional, e ainda gerando recursos para tribos, muitas delas em vias de extinção de forma sustentável e consciente.
Temos que aprender e a respeitar nossas tradições e concilia-las à modernidade, tal como fez o Imperador Meiji e suas medidas politico-económicas, proporcionando a cultura milenar japonesa uma elegante forma de chegar prosperamente aos séculos vindouros. Nós também podemos começar mudar a nossa cultura, talvez atreva da bebida alcoólica, podemos ter diversas marcas e tipos de CAUIM e suas variantes, assim como já acontece com as mais de 50.000 marcas de Saquê no Japão.
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Luiz Pagano recebe a bênção do 'Morubixaba'(Cacique) Paulo da etnia Wassu Cocal do Alagoas - Nós temos o papel de promover uma ponte entre os dois mundos, o rico ancestral indígena e o cosmopolita urbano brasileiro. |
Nesse sentido um dos trabalhos mais importantes do projeto CAUIM TIAKAU é o do grupo de estudos de lingua e tradição ancestral brasileiros, com a ajuda do professor Farias Betio, Emerson Costa e outros estudantes do Tupi Antigo, Nheengatu e línguas gerais diversas, discípulos do professor Eduardo Navarro da USP, com mais de 80 eruditos e entusiastas que tentam resgatar o Tupi Antigo, e traze-lo como idioma chave para as mais de 305 etnias ancestrais que habitam o território brasileiro.
Assim sendo, o primeiro passo dado assim que tivemos a bebida pronta, foi levar para a aprovação e benção da espiritualidade ancestral indígena. É sabido que muitos indígenas cobram para abençoar projetos, sejam eles quais forem, é evidente que nós não queríamos ter essa "prestação de serviço remunerada", a liderança espiritual indígena teria que aprovar nosso projeto pelo que ele é, não pelo mero pagamento.
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Festa do CAUIM TIAKAU - a esquerda abaixo, professor farias com Maximo Wassú, acima professor Farias com Iradzu da etnia Kariri Xocó, à direita acima 'APPUH', recinto onde o cacique performou a benção ao CAUIM TIAKAU e ao fundo, Morubixaba Paulo da etnia Wassu Cocal segurando uma garrafa do CAUIM TIAKAU. |
Luiz Pagano relata sua experiência com o mundo ancestral - "No começo parecia impossível ter esse passo fundamental, a benção do plano espiritual - as tribos são distantes e inacessíveis e sua cultura muito fechada, restrita ao povo com sangue indígena. Certa vez, numa de minhas viagens pelo Brasil, encontrei um integrante da tribo Gajajara e comentei com ele sobre o projeto do CAUIM e minhas dificuldades, ele me disse que as coisas tem hora certa para acontecer, o trabalho se desenvolve primeiro no plano espiritual e o que aparece na terra é somente o reflexo do plano superior, tal como o broto esconde suas raízes na terra, disse ainda que as manchas de vitiligo que tenho nos antebraços e mãos (condição da qual sou portador) são maculas da mandioca que já venho trabalhando no mundo espiritual junto a Mani, deusa albina que da mãe mandioca e que não forçasse nenhum encontro, pois tudo aconteceria de forma natural e fluida em seu tempo certo, é de fato foi assim que ocorreu.
Certa vez visitando um Shopping Center em Osasco a convite do professor Farias, que queria encontrar seus amigos indígenas, passamos muito bons momentos ao lado de Máximo Wassu, Morubixaba Paulo da etnia Wassu Cocal, Iradzu da etnia Kariri Xocó, Pedro Pankararé, e eu levei o cauim para que eles experimentasse. O Cacique Paulo da etnia Wassu Cocal do Alagoas logo se prontificou a abençoar o CAUIM TIAKAU, dizendo que esse projeto é muito importante por se tratar da ponte fundamental entre os dois mundos (povos indígenas ancestrais e o povo brasileiro em geral), a bebida alcoólica mescla cultura e espiritualidade, unido mundo material com mundo espiritual. O cacique também está empenhado nessa obra de unir as culturas, ele luta por constituir uma reserva multiétnica em Guarulhos, e está se dedicando à igreja Anglicana, entidade da qual pretende ser o primeiro pastor de ascendência indígena, sem deixar que a cultura ancestral da floresta seja subjugada aos padrões religiosos anglicanos, como aconteceu no nosso passado histórico, no qual jesuítas obliteraram suas próprias crenças para forçadamente adotarem a liturgia jesuíta.
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Como disse no começo, nossa operação de produção e comercialização do cauim ainda é embrionária, não se pode registrar uma marca de um produto sem categoria, e dessa forma, tudo que nos impede de termos o produto em pleno mercado, são as dificuldades burocráticas e limitações de investimento, pois no que depender de qualidade, vontade e sabor, o produto é incrivelmente viável e prazeiroso.