India da etnia Sateré Mauwé fazendo o ritual da Tocandira, alegoria do guaraná |
Em novmeb4o de 2013, Atwãma, uma menina da
etnia Sateré-Mawé de apenas de 15 anos de idade, participou do Ritual da Tocandira,
a aceitação de mulheres no ritual tem sido comum nos últimos três anos na
aldeia Sahu-Apé. É que o ritual, embora tradicionalmente masculino, se expandiu
para outros gêneros e até pessoas que não é indígena pode participar.
Os rituais de passagem da puberdade são
acontecimentos marcados com rituais de extremo valor na comunidade. Os homens
são submetidos à prova das formigas tocandira ou tucandeira - são instigados a
colocar a mão em uma luva de palha trançada infestada de formigas tucandeira, e
aguentá-las durante pelo menos 15 minutos, enquanto todos os índios dançam ao
redor em uma música em língua local.4 Em seguida, a luva é repassada ao índio
do lado (que também deve aguentar os 15 minutos), e assim por diante, até
passar por todos os adolescentes que estão a ingressar em vida adulta. Durante
o ritual os adolecentes ficam com suas mãos inchadas seguidos de vários efeitos
consecutivos, como febre, câimbra, vermelhidão nos olhos, etc.
Sateré - quer dizer "lagarta de
fogo", referência ao clã mais importante dentre os que compõem esta
sociedade, aquele que indica tradicionalmente a linha sucessória dos chefes
políticos. O segundo nome - Mawé - quer dizer "papagaio inteligente e
curioso".
A língua Sateré-Mawé integra o tronco
lingüístico Tupi. Segundo o etnógrafo Curt Nimuendaju (1948), ela difere do
Guarani-Tupinambá. Os pronomes concordam perfeitamente com a língua
Curuaya-Munduruku, e a gramática, ao que tudo indica, é tupi. O vocabulário
mawé contém elementos completamente estranhos ao Tupi, mas não pode ser
relacionado a nenhuma outra família lingüística. Desde o século XVIII, seu
repertório incorporou numerosas palavras da língua geral.
Os homens atualmente são bilíngües, falando
o Sateré-Mawé e o português, mas a maioria das mulheres, apesar de três séculos
de contato com os brancos, só fala a língua Sateré-Mawé.
Os Sateré-Mawé domesticaram guaraná, criaram o processo de beneficiamento da
planta. A primeira descrição do guaraná e do processo para exgrair seu sumo
data de 1669, ano do primeiro contato o homem branco.
O padre João Felipe Betendorf descreve, em seu
relato de 1669 - "tem os Andirazes em seus matos uma frutinha que chamam
guaraná, a qual secam e depois pisam, fazendo dela umas bolas, que estimam como
os brancos o seu ouro, e desfeitas com uma pedrinha, com que as vão roçando, e
em uma cuia de água bebida, dá tão grandes forças, que indo os índios à caça,
um dia até o outro não têm fome, além do que faz urinar, tira febres e dores de
cabeça e cãibras".
O antropólogo Anthony Henman descreve o uso
da bebida no ritual das Tocandiras: "Essas práticas são essencialmente as
mesmas em todas as circunstâncias, tanto se o çapó for preparado para o círculo
familiar mais íntimo, ou para um encontro de todos os homens adultos durante
uma festa ou reunião política. Cabe à mulher do anfitrião ralar o guaraná,
operação feita com uma língua de pirarucu ou uma pedra lisa e quadrada de
basalto. Uma cuia aberta da espécie Crescentia cujete é colocada em cima de um
suporte chamado patauí e enchida de água até um quarto do seu volume total. A
ação de 'ralar' o guaraná molhado não busca a transformação do bastão em pó,
como ocorre com o guaraná seco.
Antes, trabalha-se o guaraná para que se
forme uma baba, uma viscosidade que adere ao ralo e ao pedaço do bastão em uso,
sendo dissolvida n'água mediante a periódica submersão dos dedos da raladora.
Depois de preparado, o çapó é de novo
diluído com água guardada ao lado da "dona" do guaraná em uma cabaça
da espécie Lagenaria siceraria. A cuia, já a essas alturas cheia até um pouco
mais da metade de çapó, e entregue pela mulher ao seu marido, que toma apenas
um pequeno gole antes de passá-la aos outros presente, normalmente prestigiando
os mais velhos ou alguns visitantes importantes, se os houver. Daí em diante, a
cuia passa de mão em mão observando a proximidade física dos participantes, e
não um rígido esquema de hierarquia, sendo acompanhado durante as sessões
noturnas por um grande cigarro de tabaco enrolado numa casca de árvore. O nome
tauarí indica tanto o cigarro feito, como a casca e a própria árvore (Couratari
tauary).
Nem sempre a cuia e o tauarí fazem uma
volta circular, sendo mais comum que passem em uma linha reta de um
participante ao próximo, voltando pela mesma linha até chegar de novo nas mãos
do dono. Quando são muitas as pessoas presentes, observa-se a formação de duas
ou mais linhas deste tipo, já que uma só cuia raramente é tomada por mais de
oito ou dez pessoas. O participante que não tiver muita vontade de tomar
guaraná não irá rechaçar a oferta da cuia, mas manterá as formalidades, bebendo
um golinho mínimo para não ofender o anfitrião. Outro detalhe importante é que
ninguém acaba a bebida que tiver na cuia, e mesmo se receber uma quantidade
mínima, cuidará de deixar sempre um resquício para devolver ao dono. Só este é
que tem o direito de encerrar formalmente a sessão de çapó; o que ele pode
fazer pessoalmente, ou passando o restinho para um membro de sua família,
acompanhado pela frase wai'pó ("olha o rabo").
Durante o intervalo em que a cuia circula
entre as pessoas presentes, a mulher do anfitrião continuará esfregando o
pedaço de guaraná contra o ralo, juntando uma baba que será prontamente
dissolvida na água assim que a cuia voltar às suas mãos. Cabe observar que cada
sessão da çapó tem várias rodadas da bebida, ou seja, a mulher do dono da casa
(ou sua filha, ou sua neta) irá preparar várias cuias de çapó conforme a
disposição dos visitantes e familiares para tomar çapó e conversar.
O çapó é a bebida que os Sateré-Mawé
utilizam durante seus resguardos. As mulheres durante a menstruação, gravidez,
pós-parto e luto e os homens na Festa da Tocandeira, no luto e quando
acompanham suas mulheres durante o resguardo do pós-parto.
Pode-se dizer que é durante o fábrico,
termo regional também utilizado pelos Sateré-Mawé para indicar as várias etapas
do beneficiamento do guaraná, que a vida social se intensifica. A partir do que
observamos, o fábrico potencializa ao máximo a maneira de ser desta sociedade,
trazendo para a vida social cotidiana toda uma gama de fenômenos que se
encontram ocultos ou obscuros em outras épocas do ano. É um período que se
renova a cada ano com a chegada da colheita do guaraná, permitindo aos
Sateré-Mawé comungarem com sua gênese mítica, revigorando-se etnicamente.
O ritual da Tocandira coincide com a época
do fábrico e dura aproximadamente 20 dias. Os índios referem-se a este ritual
como "meter a mão na luva", também conhecido pelos regionais como
"Festa da Tocandira". Trata-se de um rito de passagem - onde os
meninos tornam-se homens - de extraordinária importância para os Sateré-Mawé,
com cantos de exaltação lírica para o trabalho e o amor, e cantos épicos
ligados às guerras. As luvas utilizadas durante este ritual são tecidas em
palha pintada com jenipapo, e adornadas com penas de arara e gavião; nelas, o
iniciado enfia a mão para ser ferroado por dezenas de formigas Tocandiras
(Paraponera clavata).
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