sábado, 19 de abril de 2025

Cominatória: um filme dos Heróis da Bruzundanga


Mesmo com nosso primeiro Oscar para o filme Ainda Estou Aqui, com Fernanda Montenegro, acho que o cinema brasileiro ainda tem muito a evoluir — especialmente quando se trata de criar universos próprios, com personagens que inspirem orgulho, reflexão e pertencimento. Foi com esse sentimento que nasceu Cominatória, o filme live-action do meu HQ - Os Heróis da Bruzundanga com imágens criadas por IA mediante meu etilo artístico.

Na Bruzundanga (bem como no Brasil desta ficção), falam-se dois idiomas: o português e o tupi antigo e a bebida nacional brasileira é o cauim, exportado para todo o mundo. O cauim preferido de Mani é o Cauim Caraúna dos Tupi, o mais tradicional.

No livro Os Bruzundangas de 1922, Lima Barreto não menciona explicitamente um idioma diferente falado no país fictício da Bruzundanga. Na verdade, ele escreve como se o idioma fosse inguagem satírica, que bem pode ter sido o Protuguês, que imita a pomposidade e o burocratês das elites, criando um estilo que soa estranho e quase estrangeiro, exatamente para fazer uma crítica direta ao Brasil de sua época.

A Bruzundanga é uma alegoria do Brasil — e os personagens, instituições e costumes representados na obra são espelhos dos que existiam no país real. O autor usa essa nação inventada para satirizar a corrupção política, a incompetência administrativa, o bacharelismo exagerado e os vícios das elites brasileiras.

Em Bosomsy, capital de Bruzundnga, as pessoas se vestem como samoiedas, mesmo sendo um país tropical e muito quente. Carros voadores avançados de 2093 dividem as ruas e os céus com carros da década de 1950, demonstrando a distribuição desigual de renda.

Como sabem, Heróis da Bruzundanga é baseado nos livros de Lima Barreto — Triste Fim de Policarpo Quaresma e Os Bruzundangas. Em vez de simplesmente adaptar suas páginas, quis reimaginar aquele universo satírico e visionário com uma estética futurista e tropical, mantendo a alma crítica e irônica do autor. 

Líder dos Tupi Rerekoara escraviza os cidadãos doentes e ingênuos de Bruzundanga

Mani, Assum Preto e Quaresma não são apenas personagens. São símbolos de identidade e esperança em meio ao caos da Bruzundanga — um país que, mesmo fictício, nos diz muito sobre o Brasil real dos anos 1920, bem como dos dias de 2020.

Mais do que um filme, Cominatória é um convite para sonharmos com um cinema mais ousado, autoral e nosso.

Por Que Cominatória

"Cominatória" é uma palavra que vem do latim comminari, que significa "ameaçar". No português, ela tem dois sentidos principais:

Jurídico: é um tipo de advertência ou ameaça legal de punição ou penalidade, geralmente usada em sentenças. Ex: "pena cominatória" é uma multa que será aplicada se alguém não cumprir uma ordem judicial.

Visconde Quaresma, o descendente mais inteligente de Policarpo Quaresma, em encontro com os Mandacuva de Bruzundanga em 2094

Literário/Poético (menos comum): pode ser usada para indicar algo ameaçador, forte ou impositivo — como uma ação decisiva ou uma ruptura.
No contexto do seu filme Cominatória, o título carrega um peso simbólico interessante: pode sugerir um ultimato dos heróis contra a Bruzundanga corrompida, ou até uma ameaça de transformação — um chamado à mudança radical. Forte, dramático e provocador. 

Nos anos que antecedem o século 22, os carros respeitarão a estética que Prestes Maia inspirou nas ruas de São Paulo — por isso, o carro mais importado em Bruzundanga é o Modelo São Paulo 4000 de Luxe, Marca preferida de carros de Quaresma.

Trama

Num tempo de caos institucional, a Bruzundanga mergulha em trevas após um golpe de estado liderado pelos Tupi Rerekoara — uma ordem radical de monges tupinistas, guardiões ancestrais de uma cultura esquecida. Fanáticos por uma visão deturpada do legado Tupi, ressuscitam práticas canibalísticas e se infiltram silenciosamente nas engrenagens do poder, tomando o judiciário e passando leis que desafiam os valores mais básicos da civilização.

Mani, a força da natureza tupi encarnada em um corpo humano, não usa roupas porque é a manifestação suprema de tudo o que é natural, tem poderes sobre-humanos e conversa com diferentes consciências (animais, plantas e até minerais).

Chamados inicialmente para resolver um caso “menor” por Lelê Culê, Ministro dos Títulos Soberanos da Bruzundanga, suspeito de ser o contador dos Tuque Tuque Fit Fit, os Heróis da Bruzundanga — o gigante Assum Preto, a enigmática Mani e o perspicaz Quaresma — descobrem um plano sinistro de proporções globais: os Tupi Rerekoara desenvolveram uma toxina que inibe a infância e impede a puberdade dos adultos. A consequência? Uma sociedade inteira de corpos crescidos, mas com a ingenuidade de crianças — vulneráveis, manipuláveis e eternamente dependentes.

Tal como o pássaro da letra de Luis Gonzaga, Assum Preto ficou muito mais sensível e perceptivo após o acidente que lhe custou a visão - todos seus ímpetos parecem ter crescido a novas dimensões, seu lado de cangaceiro selvagem não foi exceção. 

O roteiro mistura sátira política, ficção distópica e ação alucinante, revelando como a Bruzundanga, apesar de tão antiga quanto o planeta, nunca encontrou sossego para os seus verdadeiros filhos.

Formigas Versus Cupins (Termitas)

A Fujoshi (テクノロジー腐女子) é uma mega corporação bélica e tecnológica do final do século 21, especializada na produção de soldados aumentados — híbridos entre humanos e máquinas — criados para operar em ambientes extremos e guerras prolongadas. Seu slogan não oficial é conhecido em todos os fronts de batalha: “Tecnologia não tem lado, más tem preço.”

General Termita, com tecnologia Fujoshi - luta pelos interesses do Brasil e Da Bruzundanga

Na linha de frente dos conflitos da Bruzundanga, a Fujoshi fornece seus icônicos Soldados Termitas aos aliados do regime, guerreiros implacáveis com exoesqueletos reforçados, armaduras segmentadas e capacetes de tecnologia avançada que permitem visão total em todo o espectro eletromagnético — do infravermelho ao ultravioleta. Eles se destacam em combate urbano, subterrâneo e infiltrado, inspirados na organização das verdadeiras colônias de cupins (Termitas).

Ao mesmo tempo, por trás das sombras diplomáticas, a empresa também abastece os Soldados Formigas, enviados aos exércitos inimigos. Suas armaduras prateadas e brancas refletem a luz do dia, simbolizando a frieza com que marcham para o campo de batalha. A eficiência da tropa é amplificada por sensores integrados, módulos de força sincronizada e comandos neurais coordenados via rede de comunicação tática da própria Fujoshi.

Exército "Colonia" de Fromigas - também de tecnologia Fujoshi - inimigos da Bruzundanga

No centro de tudo está o enigmático Sr. Fujoshi, CEO e idealizador do conglomeado de empresas. Ele opera como um maestro das guerras modernas, decidindo quais exércitos recebem as últimas atualizações — e quais ficam com o que sobra. Suas decisões não seguem ideologias, apenas contratos.

Enquanto a guerra devasta a Bruzundanga, a Fujoshi prospera — alimentando os dois lados, promovendo um equilíbrio instável onde o verdadeiro vencedor é sempre o fornecedor.

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Quaresma, Assum e Mani retornam para enfrentar não apenas um exército, mas uma ideia — a de que a paz é uma mercadoria e a infância, uma toxina a ser eliminada.

A São Paulo de 2093 mudou muito com a prosperidade gerada pelas reformas políticas e econômicas de Quaresma (na imagem vemos seu carro no Vale do Anhangabaú), mas seu centro histórico ainda tem suas características preservadas, até mesmo o morro do Inhapumabuçu foi restaurado em seu local original, no bairro da liberdade, a pedido dos tupinistas da seita Tupi Rerekoara.

Em meio ao caos, ecoa a lembrança de um velho patriota:

“Veio-lhe então à lembrança aquela frase de Saint-Hilaire: se nós não expulsássemos as formigas, elas nos expulsariam. [...] a fazer esforços de sagacidade, para descobrir os redutos centrais, as ‘panelas’ dos insetos terríveis. Então era como se os bombardeassem; o sulfeto queimava, estourava em tiros seguidos, mortíferos, letais.”

— Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915.

O Cauim

Encerrando essa jornada cinematográfica por uma Bruzundanga reinventada — entre soldados aumentados, tradições subvertidas e heróis improváveis —, celebramos também aquilo que nos torna únicos. Nesses países de outra realidade, mas bem próxima da nossa, o mundo se delicia com uma iguaria brasileira sem igual: o cauim. Com tantas variedades quanto as etnias que o produzem — cauim dos Waurás, dos Tupi, dos Yanomami — são mais de 300 tipos diferentes que se multiplicam por várias marcas e categorias, que carregam histórias, num universo de ritos e sabores próprios. As vésperas do seculo XXII essas marcas singulares conquistam o paladar global com a mesma reverência dedicada ao saquê japonês ou aos vinhos franceses e italianos. 

T’ereikokatu!

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