Mesmo com nosso primeiro Oscar para o filme Ainda Estou Aqui, com Fernanda Montenegro, acho que o cinema brasileiro ainda tem muito a evoluir — especialmente quando se trata de criar universos próprios, com personagens que inspirem orgulho, reflexão e pertencimento. Foi com esse sentimento que nasceu Cominatória, o filme live-action do meu HQ - Os Heróis da Bruzundanga com imágens criadas por IA mediante meu etilo artístico.
No livro Os Bruzundangas de 1922, Lima Barreto não menciona explicitamente um idioma diferente falado no país fictício da Bruzundanga. Na verdade, ele escreve como se o idioma fosse inguagem satírica, que bem pode ter sido o Protuguês, que imita a pomposidade e o burocratês das elites, criando um estilo que soa estranho e quase estrangeiro, exatamente para fazer uma crítica direta ao Brasil de sua época.
A Bruzundanga é uma alegoria do Brasil — e os personagens, instituições e costumes representados na obra são espelhos dos que existiam no país real. O autor usa essa nação inventada para satirizar a corrupção política, a incompetência administrativa, o bacharelismo exagerado e os vícios das elites brasileiras.
Como sabem, Heróis da Bruzundanga é baseado nos livros de Lima Barreto — Triste Fim de Policarpo Quaresma e Os Bruzundangas. Em vez de simplesmente adaptar suas páginas, quis reimaginar aquele universo satírico e visionário com uma estética futurista e tropical, mantendo a alma crítica e irônica do autor.
Mani, Assum Preto e Quaresma não são apenas personagens. São símbolos de identidade e esperança em meio ao caos da Bruzundanga — um país que, mesmo fictício, nos diz muito sobre o Brasil real dos anos 1920, bem como dos dias de 2020.
Mais do que um filme, Cominatória é um convite para sonharmos com um cinema mais ousado, autoral e nosso.
Por Que Cominatória
"Cominatória" é uma palavra que vem do latim comminari, que significa "ameaçar". No português, ela tem dois sentidos principais:
Jurídico: é um tipo de advertência ou ameaça legal de punição ou penalidade, geralmente usada em sentenças. Ex: "pena cominatória" é uma multa que será aplicada se alguém não cumprir uma ordem judicial.
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Visconde Quaresma, o descendente mais inteligente de Policarpo Quaresma, em encontro com os Mandacuva de Bruzundanga em 2094 |
Literário/Poético (menos comum): pode ser usada para indicar algo ameaçador, forte ou impositivo — como uma ação decisiva ou uma ruptura.
No contexto do seu filme Cominatória, o título carrega um peso simbólico interessante: pode sugerir um ultimato dos heróis contra a Bruzundanga corrompida, ou até uma ameaça de transformação — um chamado à mudança radical. Forte, dramático e provocador.
Trama
Num tempo de caos institucional, a Bruzundanga mergulha em trevas após um golpe de estado liderado pelos Tupi Rerekoara — uma ordem radical de monges tupinistas, guardiões ancestrais de uma cultura esquecida. Fanáticos por uma visão deturpada do legado Tupi, ressuscitam práticas canibalísticas e se infiltram silenciosamente nas engrenagens do poder, tomando o judiciário e passando leis que desafiam os valores mais básicos da civilização.
Chamados inicialmente para resolver um caso “menor” por Lelê Culê, Ministro dos Títulos Soberanos da Bruzundanga, suspeito de ser o contador dos Tuque Tuque Fit Fit, os Heróis da Bruzundanga — o gigante Assum Preto, a enigmática Mani e o perspicaz Quaresma — descobrem um plano sinistro de proporções globais: os Tupi Rerekoara desenvolveram uma toxina que inibe a infância e impede a puberdade dos adultos. A consequência? Uma sociedade inteira de corpos crescidos, mas com a ingenuidade de crianças — vulneráveis, manipuláveis e eternamente dependentes.
O roteiro mistura sátira política, ficção distópica e ação alucinante, revelando como a Bruzundanga, apesar de tão antiga quanto o planeta, nunca encontrou sossego para os seus verdadeiros filhos.
Formigas Versus Cupins (Termitas)
A Fujoshi (テクノロジー腐女子) é uma mega corporação bélica e tecnológica do final do século 21, especializada na produção de soldados aumentados — híbridos entre humanos e máquinas — criados para operar em ambientes extremos e guerras prolongadas. Seu slogan não oficial é conhecido em todos os fronts de batalha: “Tecnologia não tem lado, más tem preço.”
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General Termita, com tecnologia Fujoshi - luta pelos interesses do Brasil e Da Bruzundanga |
Na linha de frente dos conflitos da Bruzundanga, a Fujoshi fornece seus icônicos Soldados Termitas aos aliados do regime, guerreiros implacáveis com exoesqueletos reforçados, armaduras segmentadas e capacetes de tecnologia avançada que permitem visão total em todo o espectro eletromagnético — do infravermelho ao ultravioleta. Eles se destacam em combate urbano, subterrâneo e infiltrado, inspirados na organização das verdadeiras colônias de cupins (Termitas).
Ao mesmo tempo, por trás das sombras diplomáticas, a empresa também abastece os Soldados Formigas, enviados aos exércitos inimigos. Suas armaduras prateadas e brancas refletem a luz do dia, simbolizando a frieza com que marcham para o campo de batalha. A eficiência da tropa é amplificada por sensores integrados, módulos de força sincronizada e comandos neurais coordenados via rede de comunicação tática da própria Fujoshi.
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Exército "Colonia" de Fromigas - também de tecnologia Fujoshi - inimigos da Bruzundanga |
No centro de tudo está o enigmático Sr. Fujoshi, CEO e idealizador do conglomeado de empresas. Ele opera como um maestro das guerras modernas, decidindo quais exércitos recebem as últimas atualizações — e quais ficam com o que sobra. Suas decisões não seguem ideologias, apenas contratos.
Enquanto a guerra devasta a Bruzundanga, a Fujoshi prospera — alimentando os dois lados, promovendo um equilíbrio instável onde o verdadeiro vencedor é sempre o fornecedor.
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Quaresma, Assum e Mani retornam para enfrentar não apenas um exército, mas uma ideia — a de que a paz é uma mercadoria e a infância, uma toxina a ser eliminada.
Em meio ao caos, ecoa a lembrança de um velho patriota:
“Veio-lhe então à lembrança aquela frase de Saint-Hilaire: se nós não expulsássemos as formigas, elas nos expulsariam. [...] a fazer esforços de sagacidade, para descobrir os redutos centrais, as ‘panelas’ dos insetos terríveis. Então era como se os bombardeassem; o sulfeto queimava, estourava em tiros seguidos, mortíferos, letais.”
— Lima Barreto, Triste Fim de Policarpo Quaresma, 1915.
O Cauim
Encerrando essa jornada cinematográfica por uma Bruzundanga reinventada — entre soldados aumentados, tradições subvertidas e heróis improváveis —, celebramos também aquilo que nos torna únicos. Nesses países de outra realidade, mas bem próxima da nossa, o mundo se delicia com uma iguaria brasileira sem igual: o cauim. Com tantas variedades quanto as etnias que o produzem — cauim dos Waurás, dos Tupi, dos Yanomami — são mais de 300 tipos diferentes que se multiplicam por várias marcas e categorias, que carregam histórias, num universo de ritos e sabores próprios. As vésperas do seculo XXII essas marcas singulares conquistam o paladar global com a mesma reverência dedicada ao saquê japonês ou aos vinhos franceses e italianos.
T’ereikokatu!
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